Pedro Alves. À primeira vista o nome pode parecer-lhe desconhecido, no entanto, quando falamos da carismática personagem 'Zeca Estacionâncio' de imediato surge uma série de projetos do ator e humorista à cabeça. O 'Telerural' foi sem dúvida um dos mais conhecidos, mas o sucesso da dupla com João Paulo Rodrigues, o amigo 'Quim Roscas', foi tal que as aventuras chegaram mesmo ao grande ecrã, com o filme 'Sete Pecados Rurais'.

O Fama ao Minuto esteve à conversa com o artista numa viagem pelo seu percurso profissional não só na televisão, como nos palcos. Foram os momentos nos espetáculos que encheram grande parte da sua vida. Momentos esses sempre improvisados, fruto de espontaneidade e generosidade: Valores nos quais a sua relação com Jota, como trata João Paulo, se baseia.

Fazer rir as pessoas sempre foi um objetivo? Ou foi algo que surgiu com o tempo?

Acho que isto de fazer rir apareceu aos ‘trambolhões’ na minha vida, até porque sempre fui apaixonado por desporto de automóveis e a minha área de formação não tem a ver com isto [comédia]. Mas também sempre tive aquela parte de ser brincalhão e de fazer rir as pessoas. O meu apelido no liceu era o ‘palhaço’. Foi assim até aos 16 anos, altura em que fui convidado para trabalhar numa rádio que havia lá em Gaia, a rádio Minuto, que hoje já não existe. Eles precisavam de alguém para escrever umas notícias sobre automóveis. Menos um ano depois já estava a fazer programas. Aos 19 anos dei o salto para a rádio Nova Era onde fiquei até aos 24. A personagem ‘Estacionâncio’ apareceu lá nos programas de humor que fazíamos.

Como é que surgiu essa ideia de criar o ‘Zeca Estacionâncio’?

Eu era o Pedro Alves, o locutor do programa lá da rádio, e às sextas-feiras tínhamos um programa muito engraçado que era o ‘Terminal do Engate’. Precisávamos de uma personagem que ninguém soubesse quem era, uma personagem atípica que estivesse bem e mal com tudo. E foi assim que nasceu o ‘Estacionâncio’. Resultou durante muito tempo até que surgiu a hipótese de passar para o programa da manhã. Fiz o programa durante nove anos e foi líder de audiências.

É verdade que o programa deu origem a processos?

Na altura não havia telemóveis, não era uma coisa muito recorrente. Pegava na lista telefónica e escolhia um número ao calhas, ou para casa de alguém ou para uma empresa qualquer. Cheguei a ficar com termo de identidade e residência por causa de coisas ditas na rádio.

Como é que isso aconteceu?

Foi por causa da polícia que implicou comigo às 07h15 da manhã. Ia de mota para a rádio, tive um problema com a matrícula. Cheguei à rádio e quando abri o microfone comecei a ‘desbobinar’ o que me apetecia. Passado uma hora estavam lá uns agentes para me identificar. Foi uma situação caricata. Fui para o Ministério Público, tive de ir prestar declarações... Mas depois tudo se resolveu a bem. Deram-me a opção de fazer horas de trabalho comunitário ou de doar 400 ou 500 euros a uma instituição de caridade. Doei o dinheiro. Ao menos foi por uma boa causa.

Deram-me a opção de fazer horas de trabalho comunitário ou de doar 400 ou 500 euros a uma instituição de caridadeComo é que surgiu o João Paulo na sua vida?

O João surgiu no processo do programa da manhã. Ninguém sabia quem era o ‘Estacionâncio’. Eu não cheguei a contar isto, mas, além da rádio, eu também trabalhava como DJ aos fins de semana. No Porto já existiam uns sítios onde se fazia comédia. Houve um dia em que uma amiga minha, que era jornalista, perguntou-me se eu podia ir a um desses bares para ela fazer uma reportagem. Quando já estava animado ‘alcoolicamente’ e ao ver João Paulo em palco fiz a pior coisa que se pode fazer [a um humorista]: contar o resto das anedotas antes dele chegar ao fim. Comecei a chateá-lo um bocado e o Jota desafiou-me: ‘Estás para aí a mandar bocas, bom era que viesses aqui para o palco se tens coragem’. E eu fui. Correu bem. Daí ao Jota me ter convidado para o ir ajudar na primeira noite de anedotas com ele noutro bar foi rápido. A mesma coisa aconteceu com a participação dele no programa da manhã da rádio.

A personagem do João Paulo, 'Quim Roscas', em que contexto foi criada?

O nosso diretor da rádio falou da ideia de levarmos o Jota para lá [rádio], de fazermos o programa juntos e de criarmos uma personagem para ele. Então tivemos a ideia de criar o ‘Quim Roscas’ que era o primo lá da aldeia do ‘Zeca Estacionâncio’. Fizemos o programa durante muitos anos em direto. Nunca programámos nada. Falávamos das coisas que estavam na ordem do dia. Acho que fazíamos sucesso porque as pessoas se identificavam com o que dizíamos.

E a televisão? Como chegou essa oportunidade?

Um dia recebi uma chamada no meu telemóvel de uma senhora que se intitulou de Teresa Guilherme e que por intermédio do Fernando Rocha – foi ele quem deu o nosso contacto – queria que participássemos num programa da TVI. Na altura disse que sim e pensei que fosse uma ‘tanga’ enorme e nunca mais liguei ao assunto. Passadas duas semanas ligou-me novamente e foi aí que eu caí na real… ela falou-me de um programa em Serpa, que tinha a ver com anedotas alentejanas. Quando chegámos lá, ficamos a saber que eramos concorrentes do programa e que tínhamos de contar umas anedotas. Nós lá com os nossos improvisos arranjámos uma história às ‘três pancadas’, mas correu muito bem, ganhámos o concurso e a Teresa gostou muito de nós.

De que forma se deu o nascimento do ‘Telerural’?

Até chegarmos ao Telerural tivemos um percurso de cinco anos a andar em bares e em discotecas e a criarmos aquele público que nos começou a seguir... o primeiro núcleo de fãs a sério, até porque o nosso humor era diferente do que existia.

Entretanto, surgiu o convite para fazermos humor na 'Praça da Alegria', no programa da manhã. Um dia o diretor do programa pediu-nos para inventarmos algo de engraçado. E surgiu a ideia de fazer o ‘Telerural’, que era em direto do estúdio da ‘Praça da Alegria’. Daí até surgir o convite para fazermos o ‘Telerural’ naquele formato que toda a gente conhece e que passava à noite foi um salto. Fizemos cinco temporadas, decidimos acabar quando ainda estava em alta. Deixámos muitas pessoas com saudades. Ainda hoje em dia as pessoas vêm ter connosco a recordar sketchs de que se lembram.

Estamos há 16 anos no palco a dizer barbaridadesHá quantos anos estão em palco?

Há 16… Estamos há 16 anos no palco a dizer barbaridades, sem combinar nada [risos].

Com o sucesso que têm agora, do que mais sente falta?

Às vezes tenho muitas saudades daqueles espaços onde tínhamos 50 a 60 pessoas a ver-nos. Agora temos entre 10 e 15 mil e temos de nos controlar mais um bocado porque já apanhámos três gerações do público do nosso espetáculo.

Durante este tempo nunca se zangaram?

Não, nós resolvemos bem essas coisas rapidamente. Não há técnica, há uma justificação. Quando conheci o Jota, ele nem era meu amigo, nem meu colega de trabalho. Portanto a nossa relação desenvolveu-se nestas duas vertentes ao longo destes anos. Aprendemos a lidar com as situações, aprendemos a resolvê-las.

No meio desta correria toda, ainda há tempo para a família?

Sim, tenho tempo para os meus filhos, para a minha mulher, para os meus pais. Obviamente passo muito tempo a viajar mas eu gosto porque preciso de estar sozinho, longe de confusões. Não é egoísmo nem nada do género, mas acho que as pessoas têm uma vida tão ocupada, que não têm noção de que precisam de estar um bocado sozinhas, sem estar a pensar nas coisas do costume. Aproveito as minhas viagens para isso.

E os filhos? Como lidam com o trabalho do Pedro?

Não ligam. Acabam mesmo por desvalorizar mesmo quando os amigos lhe falam nisso. Sou uma pessoa normal, vou buscar os meus filhos à escola e vou às reuniões quando posso. Acho que são as pessoas que acabam por nos fazer diferentes. Mas quando não queremos isso começam a ver-nos como pessoas normais.

Eramos uns ‘patinhos feios’ e, para ser sincero, foi a fase de que mais gosteiA profissão de comediante é entendida da mesma maneira como na altura em que começaram?

Não, nós eramos uns ‘patinhos feios’ e, para ser sincero, foi a fase de que mais gostei… dava-me um gozo enorme ter assim cinco minutos no espetáculo para quebrar o gelo.

O que ainda lhe falta fazer a nível profissional?

Sinceramente, não penso muito nisso. Gosto muito de fazer cinema, gosto muito de carros de competição, já sou pai, já tenho um livro, um DVD. Agora estou naquela fase de gozar a qualidade de vida, que não é ter dinheiro nem bens materiais, mas ser desafiado para alguma coisa que interesse e poder fazê-la.