Vamos começar pelos vossos familiares mais antigos.
Retratos Contados – Conheceste os teus bisavós?
Ângelo – Eu não conheci os meus bisavôs! Mas, recentemente comecei a investigar a história da minha árvore genealógica. Desta forma, comecei a conhecer e a descobrir algumas histórias sobre alguns familiares meus mais antigos, acabando por descobrir coisas bastante interessantes.
A através desta pesquisa, consegui encontrar respostas para algumas características da minha personalidade, que curiosamente vou busca-las inconscientemente (e só descobri isso há pouco tempo) aos meus bisavós e trisavós.
RC – E esses familiares, sabes de onde eram?
Ângelo – Eram de Vila Verde no norte. A minha família é toda do norte.
RC – Em relação aos avós?
Ângelo – Eu conheci três dos meus avós (houve um avô que não cheguei a conhecer) e o contacto com os meus avós foi mais no período de infância e adolescência
O avô que eu não conheci chamava se José tinha uma avó que se chamava-se Otília e a outra ser Maria. Os meus avós maternos foram avós ligados à pesca e criaram um pequeno império a partir da pesca.
O meu avô materno era pescador e a minha avó materna vendia peixe.
O meu avô paterno (que eu não cheguei a conhecer) sei que pertenceu à Pide.
RC – Qual foi o convívio que tiveste com os teus avós que morreram mais tarde?
Ângelo – Tive o privilégio de conviver com os meus avós. Ia com alguma frequência à casa da minha avó materna, a avó Otília. Assim como ela tinha sempre passar o Natal em nossa casa. Lembra-me desta avó fazer um bolo de chocolate maravilhoso recordações como esta, hão de ficar para toda a minha vida. O meu avô paterno era um avô mais distante sempre metido na vida dele. Mas sempre muito disponível sempre que falávamos com ele.
A minha avó como vendedora de peixe que era, tinha resposta na ponta da língua para tudo. Era muito “pespineta”!
RC – Eram avós que impunham regras?
Ângelo – Não, Não! Foram avós que deram liberdade aos netos para serem aquilo que quisessem. E são bastantes netos!
RC – Era frequente esses netos juntarem-se todos juntos em casa dos avós?
Ângelo – Não! Era mais frequente estar eu e a minha irmã.
RC – Já ficaste sem os teu avó há muitos anos?
Ângelo – A minha avó materna já morreu há cerca de 6 anos esta foi a última avó a partir.
RC – Sendo esta a última avó a partir, acabou por ser a avó que mais acompanhou a tua evolução profissional. Que opinião tinha essa avó sobre a tua carreira?
Ângelo – Foi uma avó que sempre me apoiou no meu trabalho. Ao inicio pode ter achado tudo muito estranho, pois estava habituada a ver o neto perto dela e de repente começa a ver o neto dela aparecer frequentemente na televisão…
Esta situação não deixou de ser estranha para ela. Mas, ao longo da vida sempre lhes fui mostrando um lado ligado à comunicação das mais variadas formas. Desde escrever poesia, participar em algumas peças de teatro … todas as minhas atividades foram sempre ligadas à comunicação, desta forma a minha avó já estava de alguma forma preparada para isso.
RC – Foi fácil a tua adaptação de vires do Porto para Lisboa?
Ângelo – Sim foi bastante tranquilo. Eu estava muito determinado em vir para Lisboa e a lançar-me profissionalmente e completar os meus estudos, ia de vez em quando ao norte para matar saudades mas sempre geri bem as saudades.
RC – Hoje em dia sentes saudades de algum avó em particular?
Ângelo – Cada um tinha uma personalidade diferente e todos me marcaram de alguma forma. Logo acabo por sentir saudades de todos da mesma maneira pois todos deixaram a sua marca no meu trajeto de vida. É graças a eles que nós existimos … A sensação de gratidão está sempre presente.
RC – Sentes que herdades alguma característica deles?
Ângelo – Sim claro que herdei, mas curiosamente sinto que herdei mais características dos meus bisavós e dos meus trisavós.
RC – Fala-nos disso …
Ângelo – Descobri há relativamente pouco tempo, umas histórias fantásticas sobre estes meus antepassados que me deixaram boquiaberto.
Quando estive a estudar no Brasil, acabei por descobrir que tinha três tios-avós a viver no Rio de Janeiro.
Eu gosto muito de viajar, de partir à aventura, descobrir novas culturas … novos costumes … e essa sensação em mim casa vez é mais empolgante, mais visceral, sinto uma necessidade crescente em conhecer mais, saber mais …
RC – Então e que histórias foram essas que descobriste no Rio de Janeiro sobre esses teus antepassados?
Ângelo – Conheci no Rio o irmão do meu avô que eu nunca cheguei a conhecer. Conhecer este meu tio-avô foi das coisas mais emocionantes que já me aconteceram na vida.
De repente estava em frente a um homem de 77 anos com aparência de 50 e tal anos que tinha ido para o Brasil com 11 anos e quando o nosso olhar se cruzou pela primeira vez, só pelo olhar tive logo a certeza que pertencíamos à mesma família.
Foi inexplicável!
RC – Que histórias te contou esse tio-avô?
Ângelo – Contou-me que a história da emigração tinha começado com o pai dele ou seja, com o meu trisavô.
Esse meu trisavó um dia deixou a mulher cá em Portugal, para ir viajar pelo mundo e o que é certo é que ele esteve 20 anos a viajar, tudo isto aconteceu na altura da 1º Guerra Mundial.
Depois de se sentir muita fragilizado (nessa altura ele encontrava-se na França) ele veio a pé de França para Portugal.
Nessa altura como havia muita miséria, havia o costume (pelo menos no norte), das famílias que de alguma forma podia melhor, distribuírem refeições às pessoas mais necessitadas.
Houve um dia que a minha trisavó que tinha como rotina distribuir refeições pelos mais necessitados. Houve um dia em que numa dessas rotinas, essa minha trisavó encontrou um homem muito acabado e fragilizado e esse homem quando recebeu a comida das mãos dela perguntou-lhe “Não te lembras de mim? Eu sou o teu marido!” E foi assim o reencontro dos meus trisavós 20 anos depois.
RC – Que história fantástica!
Ângelo – É verdade! E eu já confirmei essa história com diversos elementos da minha família.
Esse tio-avô que eu conheci no Rio de Janeiro também tem uma história parecida em relação ao pai dele (meu bisavó).
Esse meu bisavô foi para o Brasil e deixou a mulher em Portugal com 5 filhos.
Um dia voltou para vir buscar parte da família e levou 3 filhos com ele e ficaram 2 em Portugal (um dele foi o avô que eu nunca conheci)
Portanto se ele tivesse levado esse filho, eu hoje seria brasileiro.
Por histórias como esta, acho que isto de eu adorar conhecer o mundo, procurar significados em relação à nossa própria existência acaba por ser genético e sinto que herdei isso da minha família.
RC – Os retratos contados nasceram com o objetivo de dar a a conhecer a importância dos avós na vida dos netos e a importância dos netos na vida dos avós.
O que achas deste projeto?
Ângelo – Fico muito agradecido aos Retratos Contados por me terem convidado para fazer parte desta “familia”. Agradeço-vos ainda por existirem e fazerem um trabalho tão nobre que enaltece e valoriza o valor e a importância dos mais velhos na nossa sociedade.
RC – Queremos de alguma forma lutar contra o abandono de idosos, contra a violência que existe sobre idosos … O que sentes quando ouves diariamente noticias relacionadas com estes temas?
Ângelo – Quando ouço noticias negativas em relação aos idosos sinto uma tristeza imensa
Hoje em dia parece que os afetos se perderam, parece que que os afetos são muito menos importantes, mais ocasionais, e muitas vezes isso leva a que as pessoas esqueçam ou acabem por dar pouca importância às pessoas mais velhas, acabando por dar lugar à ingratidão, cada vez mais existe o cultivo do individualismo e das atitudes egoístas, pode ser apenas um problema geracional …
Este grave problema acaba por se sentir mais nas sociedades ocidentais do nas sociedades orientais, onde os mais velhos são os anciãos, são conhecidos como os sábios
Talvez devesse haver uma revolução de valores.
Comentários