Tem alma berbere, mas é um ponto de encontro de várias culturas, como revela a sua história milenar. Viajar pela Tunísia foi voltar aos bancos da escola, mais precisamente às aulas de latim do secundário, durante as quais muito falámos do domínio romano neste país. Relembrei a rica mitologia de Roma, comovi-me em Cartago pelo vazio e passeei por Djerba com Ulisses na mente.

Fi-lo desfrutando ao máximo das cores e cheiros deste país, que está ainda, mais uma vez, a aprender a viver em liberdade, depois de 35 anos de ditadura. O meu ponto de partida para descobrir a Tunísia é Tunes, a capital. Escolho, claro, a sua medina, Património da Humanidade da UNESCO desde 1979. Cheia de cor e vida, está repleta de souks, mesquitas, madraças e palácios.

Fora da medina, mas de visita obrigatória é o Museu Nacional do Bardo. Onde outrora moraram os reis, existe agora um museu dedicado ao mosaico, que nos dá a conhecer muito da história tunisina e dos seus invasores. O mosaico mais famoso é o do escritor Virgílio, autor de «Eneida», ladeado pelas musas. Logo no hall de entrada, fui surpreendida com o Triunfo de Neptuno.

É um dos maiores do mundo. Mas nem só de mosaicos vive este museu e a sala de música e o harém são outros pontos de interesse pela fascinante arquitetura. Localizado nos subúrbios da cidade, o edifício que atualmente aberga todo este património foi originalmente um palácio do século XIX de um bei, um antigo governante do tempo do Império Seljúcida e do Império Otomano.

Do império às ruínas

Cartago (na imagem inferior), antiga capital púnica fundada por uma mulher, Elisa. Ficou conhecida por ter sido um importante centro comercial antes da atual era cristã e está situada a poucos quilómetros de Tunes. Poucos são os vestígios dessa época, pois a cidade foi destruída pelos romanos, daí que a maioria das ruínas que persistam sejam do período romano e mesmo estas estiveram esquecidas durante muitos anos.

Na verdade, há pedaços de Cartago espalhados um pouco por todo o mundo e, só em 1979, esta área foi considerada Património Mundial da UNESCO. No cimo da Colina de Byrsa, em pleno parque arqueológico, tenho uma vista esplêndida para o golfo de Tunes e, se seguir os comentários do guia e as informações que o museu ali situado me deu, sou capaz de imaginar o burburinho do passado.

Consigo até visualizar o constante vai e vem dos barcos no porto. Ao lado do parque, encontra-se uma igreja católica, a Catedral de São Luís, que hoje é uma sala de espetáculos. No entanto, o apelo das ruínas foi mais forte e optei por visitar a zona das villas romanas, o teatro e, por fim, as termas Antonino. Estas revelam que os romanos foram visionários.

Perceberam o poder curativo das águas a Tunísia, que ainda hoje é sobejamente conhecido nos centros de talassoterapia. Também nesta zona, virado para o mar, está o palácio presidencial. Uma vez que esta é uma área residencial para as famílias mais abastadas da região, tem uma agitação diferente da que se vê e que se sente noutra das zonas da cidade.

A alma berbere que a Tunísia continua a querer mostrar

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 Azul e branco a perder de vista

Continuando a viagem, Sidi Bou Said (na imagem inferior) surge-me pincelada de branco e azul e facilmente percebo porque inspirou tantos nomes grandes das artes. Foi o caso de Andre Gide, Paul Klee, Henri Matisse e Simone de Beauvoir e, ainda hoje, é a vila preferida de vários pintores tunisinos para viver. Sidi Bou Said é, sem dúvida, um pequeno tesouro e basta deambular pelas suas ruas e ruelas para o constatar.

As casas brancas de arquitetura árabe com portas, janelas e varandas azuis (só há uma amarela e foi autorizada porque em seu redor tinha uma das mais bonitas buganvílias da vila) são o seu maior trunfo e, se juntar a isso a vista privilegiada sobre o golfo, tenho o cenário perfeito para a percorrer sem pressa e com muitas paragens, seja para apreciar as portas trabalhadas com ferro, o artesanato ou as galerias de arte.

Sim, estas últimas são obrigatórias. Visitei a Le Violon Blue para conhecer o trabalho de vários pintores tunisinos e internacionais e a Hédi Turki, assim batizada para homenagear o pintor com o mesmo nome. Nesta vila, o tempo parece correr mais devagar e isso faz com que apeteça parar um pouco nos seus cafés e esplanadas. Há dois incontornáveis.

Um deles é o Café des Nattes, ideal para tomar um chá de menta com pinhões. O outro é o Café des Délices ou Sidi Chabaane, para beber um sumo de morango numa autêntica varanda para o mar mediterrâneo. Lá em baixo, observo o porto com barcos de recreio, a praia e o Palácio de Música Árabe, que surge, imponente, rodeado pelos seus jardins de influência persa e andaluza.

Para terminar o dia, nada melhor do que uma refeição tunisina no Au Bon Vieux Temps, um restaurante de decoração elegante, com vista para o mar, que foi um dos poisos preferidos do escritor francês André Gide. Existem por lá outros, alguns deles com propostas gastronómicas muito interessantes, mas este continua a ter uma mística difícil de igualar.

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O encantamento de Djerba

Foi com a recordação do mosaico que retrata o herói de «Odisseia» de Homero, Ulisses, a ser encantado pelas sereias, que vi no Museu do Bardo, que viajei para a ilha de Djerba. Segundo reza a lenda, foi nesta ilha do sul da Tunísia que os companheiros de viagem de Ulisses comeram a flor de lótus e apagaram todas as recordações da vida passada e é mais ou menos isso que Djerba pede aos turistas.

«Esqueçam as vossas vidas quotidianas e desfrutem da paz desta ilha» é a mensagem dessa obra que mais se me entranha à medida que me aproximo. Começo a senti-lo ainda no avião quando olho para a janela e vejo a paisagem quase desértica, polvilhada de palmeiras e oliveiras e recortada pelo mar. A diferença é tanta em relação a Portugal que é fácil deixar tudo para trás.

Águas mornas de um azul extraordinário

As águas mornas e de um azul extraordinário do mar Mediterrâneo e as praias de areia branca (as de Sidi Mehrez e de Séguia são as mais conhecidas) são o maior chamariz de Djerba. Mas a ilha tem mais encantos e vale a pena descobri-los, paulatinamente, um a um. Erriadh, uma singular aldeia de tom amarelado na qual o tempo parece ter parado, é um desses lugares.

Alberga a maior comunidade judaica de todo o país e, por aqui, judeus e muçulmanos sempre conviveram em paz. A sinagoga de La Ghriba está aberta a todos (o único requisito é cobrir a cabeça) e, em maio, é um local de peregrinação para os judeus de todo o mundo. Mais a sul, encontrei Guellala, uma terra rica em argila conhecida, sobretudo, pela olaria.

Porta sim porta não, há lojas e ateliês, onde os artesãos trabalham e vendem. Foi também no seu museu, situado no ponto mais alto da ilha, a 54 metros acima do nível do mar, que conheci os usos e costumes da ilha, que tem conservado muitas das tradições berberes. E para completar esta imersão na história da ilha, visitei também o Museu do Património Tradicional de Djerba, já em Houmt Souk, a capital.

O inebriante aroma a jasmim

Nas ruas da cidade, deixo-me guiar pelos odores, primeiro dos legumes no mercado líbio, assim chamado porque é do país vizinho que vem grande parte da mercadoria e é o mercado dos locais. Ainda hoje, são raros os turistas que por ali passam. Depois deixo-me levar pelos das especiarias no souk.

O cheiro do peixe que é vendido por leilão no mercado e o das flores e das árvores que ornamentam os fondouks, que serviram de alojamentos para os comerciantes que vinham de longe no passado e, agora, foram transformados em hotéis e pousadas de juventude, também me atraem. Um desses exemplos de reconversão é o Hôtel Arischa, onde subi ao telhado.

A intenção era desfrutar da fantástica vista para a cidade a conselho do recepcionista que me recebeu. Vale a pena também fazer uma paragem na galeria de arte Ftma e na loja Erilisa, que vende túnicas e écharpes, quase todas em tons de branco, ao contrário das muitas que se veem nas ruas e penduradas nas lojas de recordações que se espalham pelos pontos mais turísticos.

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A visita guiada que tem (mesmo) de fazer

No porto de Houmt Souk, há um restaurante imperdível, o Haroun, que se estende para uma espécie de caravela e onde se come um ótimo peixe. É daqui que se apanha o barco para um passeio até ao Flamingo Point, um banco de areia, onde vivem flamingos. Durante a viagem é comum encontrarem-se golfinhos. Um pouco mais à frente, entrei no forte espanhol, Borj El Kebir.

Esta construção antiga lembra quão cobiçada foi esta terra por povos vindos de todo o mundo. Despedi-me da ilha, no Djerba Explore, nas redondezas de Midoun, a segunda maior cidade da ilha, que é uma espécie de parque temático que se divide em três partes. Uma delas é o Museu Lalla Hadria, que dá a conhecer 13 séculos de arte e história da Pérsia à Andaluzia, com uma coleção única de peças privadas.

Aconselho a visita guiada. É uma autêntica aula de história e, deste modo, nada passa lhe passará despercebido. Outra das partes é o Djerba Heritage, na qual entrei numa menzel, as pitorescas casas típicas da ilha, esta em tamanho real, onde não falta sequer a propriedade exterior e o ateliê de cerâmica. Por fim, existe a Ilha dos Crocodilos, muito apreciada pelas crianças.

Muita oferta para ainda mais exigências

Quando saí, o dia estava a cair e o sol parecia uma bola de fogo, uma imagem difícil de esquecer, tal como o cheiro a mar, a especiarias e a jasmim que tão bem caracterizam esta ilha e todo o país. No final da viagem, é fácil perceber por que razão a Tunísia encantou fenícios, romanos, bizantinos, turcos, espanhóis e árabes. O país tem uma situação geográfica estratégica, com mais de 1.300 quilómetros de costa mediterrânea.

Tem também ainda uma paisagem que varia entre bosques e desertos, sem esquecer os oásis e os campos de oliveiras. Em termos práticos, tem tudo para conquistar os mais exigentes viajantes. Hoje, esta terra de berberes deixa ver a marca que todos aqueles povos lá deixaram e vive com um pé no oriente e outro no ocidente. E está situada a apenas duas horas e meia de Lisboa.

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Gastronomia mediterrânica

O peixe grelhado é excelente, tal como o cuscuz e a carne de borrego, mas há muito mais para provar, sobretudo as entradas. Fixe estes nomes:

- Brick

Um frito em forma triangular que pode ser recheado com vários ingredientes. Provei o de atum e ovo e aconselho vivamente.

- Harissa

Uma pasta deliciosamente picante servida com atum, presente em qualquer mesa que se preze e que fica bem com pão.

- Ojg

Ovos mexidos com muito tomate e camarão. Uma entrada que me leva até à presença espanhola na Tunísia

- Slata mechouia

Salada tunisina feita com legumes grelhados, que lhe conferem um sabor quase fumado.

- Bambolini

Uma espécie de fartura com formato redondo típica de Sidi Bou Said.

Guia de viagem

Em termos de língua, predomina o árabe, sobretudo o dialeto tunisino. Contudo, grande parte da população fala francês e, devido ao turismo, também é frequente encontrar quem fale espanhol e italiano. A moeda local é o dinar tunisino. Um euro equivale, em média, a 2,19 dinares tunisinos. Em relação ao vestuário, grande parte da população veste roupa ocidental, embora se continue a ver as vestes mais tradicionais.

Os turistas podem vestir-se à vontade, embora para entrar nos locais de culto as mulheres tenham de cobrir a cabeça. A religião local é a islâmica. Em Portugal, além de pacotes com viagem, hotel, transfers, estadia e até excursões, são várias as companhias aéreas que voam para lá, como é o caso da Tunisair. Em termos de alojamento, sugerimos o Regency Tunis Hotel.

Este é um hotel de cinco estrelas, situado em frente à praia em La Marsa, perto de Cartago, de Sidi Bou Said e Tunes. Os seus restaurantes são um bom local para provar as iguarias locais. Outra das nossas propostas é o hotel Radisson Blu Ulysse Resort & Thalasso. Aqui fui embalada literalmente pelo mar, pois esta unidade hoteleira está situada em cima da praia.

Os quartos têm terraço ou varanda e o spa é conhecido pelos tratamentos de talassoterapia. Em Djerba, Dar Dhiafa é um hotel de charme constituído por quatro casas típicas da ilha. Assim que se passa a porta, sente-se que é um lugar especial, pela decoração e pela simpatia com que se é recebido. Não há um quarto igual ao outro e tem duas piscinas nos pátios.

A alma berbere que a Tunísia continua a querer mostrar

Texto: Rita Caetano com Luis Batista Gonçalves (edição)