“Entender como a vítima se relaciona com a sua vida”, eis o tema do debate organizado pelo Grupo de Investigação “A Moderna Diferença” que decorre hoje, na Universidade de Lisboa.

Nuno Cristiano de Sousa, psicólogo e psicoterapeuta, é um dos oradores do evento e, em declarações ao Sapo Mulher, esclarece a escolha do tema: “A relação da vítima com a vida é uma questão que atravessa as relações entre o espaço público e o espaço (dito) privado. Há uma manifesta necessidade de através da arte (literária e/ou outras) explorar, compreender e dar voz ao território do silenciado que o é tanto pela violência, como pelo impor e perpetuar de convenções (sejam elas de género, de autoridade, ou outras). Pretende-se ainda abordar as diversas dimensões de atentados contra a autonomia de corpos e mentes ”.

O nosso interlocutor refere ainda que “a violência doméstica é muitas vezes considerada apenas como o momento em que uma mulher é agredida fisicamente, contudo é importante ter em conta que a agressão é um processo e o confronto físico é apenas o último momento. Durante este processo constrói-se frequentemente uma relação de dependência e culpabilização entre a vítima e o agressor, pelo que depois do ato físico em si, a vítima sente-se numa posição em que não consegue conceptualizar uma saída”.

Existem vários elementos que podem condicionar a mudança, mas os elementos principais são o grau de dependência emocional e/ou financeira entre a vítima e o agressor. Nuno C. de Sousa explica: “Se a mulher tiver condições suficientes para sair de casa e da relação (dinheiro, força emocional, uma rede de amigos e familiares que ajudem a transição) o processo torna-se bastante ágil. É frequente encontrar em contexto clínico mulheres que saem de relações violentas e procuram um processo psicoterapêutico para serem ajudadas a compreender o que as levou a entrar em tal situação, para que o mesmo não se repita no futuro. Em alternativa existem também associações que disponibilizam um serviço muito importante a quem procura a sua ajuda, oferecendo às mulheres (e eventuais filhos) um abrigo temporário onde com a ajuda de técnicos se tenta reorganizar a mudança de vida da pessoa”.

Que caminhos a seguir?

Questionado sobre a existência de um método ideal para a vítima voltar a apreciar a vida, refere que “uma vez que não existe uma violência doméstica, mas sim vários tipos de violência, não se pode considerar que exista um método infalível, mas existem métodos que devidamente enquadrados são eficazes na ajuda de uma pessoa vítima de violência doméstica. Independentemente do trabalho que seja feito na reorganização da vida de alguém, deve estar sempre presente um trabalho de reflexão e compreensão da forma como a pessoa se coloca numa relação e a forma como ela “conceptualiza” uma relação conjugal: ser mulher é estar ao dispor e não ter direitos, o amor é precisar de alguém?”.

Para além do especialista, o debate contará ainda com a intervenção de Pedro Roque, jurista, Elsa Branco, da UMAR, Marisa Teodósio, da APAV e Luísa Flora, do CEAUL, procurando uma abordagem multidisciplinar centrada não só nos aspetos psicológicos da vítima, mas em questões em torno da lei ou em testemunhos reais das responsáveis das associações que com estas questões lidam diariamente.

Segundo dados da organização, em 2011, a APAV registou um total de 15 724 crimes que se traduziram em 6737 processos e o Observatório de Mulheres Assassinadas da UMAR contabilizou um total de 62 vítimas associadas.

15 de março de 2012