Assinalando-se em 25 de Novembro mais um dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres é com enorme tristeza e deceção que constatamos que no ano 2022 a violência aumentou em Portugal.
Apesar de mais de 20 anos de políticas públicas para a prevenção e erradicação da violência, já com a adesão de Portugal à Convenção para a prevenção e eliminação de todas as formas de violência contra as mulheres e violência doméstica, comumente conhecida por Convenção de Istambul (aprovada em 2011), continua a fazer todo o sentido falar em ativismo contra a violência de género.
Os números trazidos a público pelo Observatório das Mulheres Assassinadas da UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta dizem-nos precisamente que as mulheres continuam a ser os maiores alvos de violência por serem mulheres e que este é mais um ano em que o todos os homicídios praticados contra mulheres em contexto de relações de intimidade (femicídios) foram praticados por homens.
A violência doméstica praticada contra as mulheres é inequivocamente o crime de género que tem mais expressividade, mas existem outros, como sejam a violação, o femicídio, a perseguição, os casamentos forçados, a mutilação genital feminina, entre outros, que a nossa sociedade, vergonhosamente, teima em ignorar que existem enquanto crimes de género.
O que é demonstrativo da necessidade de uma ação global para aumentar a conscientização, fortalecer a defesa e criar oportunidades para a discussão sobre desafios e soluções do problema, já defendida pela ONU.
A Organização Mundial de Saúde definiu a violência contra a mulher como todo o ato de violência baseado no género que tem como resultado um dano físico, sexual, psicológico, incluindo ameaças, coação e privação arbitrária da liberdade, seja na vida pública seja na vida privada.
A perspetiva de género para compreender a violência contra as mulheres resultou de um longo processo de discussão ao longo dos tempos que resultou em assumir inequivocamente que a violência decorre de relações desiguais e hierárquicas de poder entre homens e mulheres na sociedade que se deve unicamente a uma construção social de papéis que se entendem por adequados para os homens e para as mulheres. Logo, a génese da violência radica precisamente no género.
Sabe-se também que a violência praticada contra as mulheres tem uma grande magnitude e relevância na saúde, já que as que vivenciaram uma situação de violência têm mais distúrbio e patologias físicas e mentais e utilizam os serviços de saúde com maior frequência do que aquelas que nunca experienciaram a violência. Além do que, as mulheres que sofreram de violência têm um potencial aumento de problemas de saúde no futuro, como sejam as doenças de ocorrência tardia, como a hipertensão e problemas cardíacos. Ademais, apesar da recorrente indicação de marcas de agressões físicas vivenciadas pelas mulheres, violência a que são submetidas no dia a dia da relação com os seus parceiros, constata-se também um sofrimento moral que lhes traz implicações de ordem emocional e psicológica. Tudo porque o acumular de sofrimento e a dificuldade em exteriorizar os seus problemas refletem-se não só na sua saúde física, mas também na saúde psicológica e emocional, trazendo-lhes consequências psicológicas e comportamentais, como a depressão, ansiedade, autoflagelo, síndrome de pânico e comportamentos suicidas.
Por isso, é necessário que o Estado invista em políticas de prevenção, que incluem ações de sensibilização, mas também formação específica para os que trabalham com vítimas de violência por forma a prevenir o flagelo. Além do que urgem políticas públicas que incluam nos currículos escolares as questões da igualdade e não discriminação, a educação para a cidadania, da resolução não violenta de conflitos, das questões de género não estereotipadas e o direito à integridade pessoal.
Ao nível do combate contra a violência doméstica, crime de género com maior dimensão em Portugal, é absolutamente fundamental que as vítimas sejam capazes de denunciar o crime de violência, como também todas as outras pessoas que têm conhecimento do mesmo. Denunciar o crime de violência doméstica é o ponto de partida para a efetivação de um trabalho com vista à proteção das vítimas e para conter os agressores.
E é a partir daqui que, de uma forma atenta, os profissionais devem identificar todos os sinais de alerta dados pelas vítimas e/ou que são percecionados nos agressores, devem ser feitas corretas avaliações do risco, uma monitorização rigorosa e contínua do risco, e apostar numa investigação criminal de curta duração temporal, em cumprimento da lei vigente, capaz de congregar meios de prova que permitam extrair a existência de indícios da prática do crime.
Enquanto isso, é necessário aplicar a lei existente e não temer pela aplicação das detenções dentro e fora de flagrante delito, quando reunidas as exigências da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, com vista a aplicação de medidas de coação capazes de parar os agressores na sua conduta criminosa, inclusivamente retirá-los da residência de família num curto espaço de tempo pós denúncia, e, se necessário for, aplicar a medida de prisão preventiva, como derradeira forma de se garantir a segurança das vítimas e, em simultâneo, de passar a mensagem à sociedade e aos agressores de intolerância à violência e que há implicações sérias das condutas violentas.
Tudo isto pressupõe naturalmente o envolvimento das vítimas nos seus processos judiciais, mas fará também toda a diferença positiva se as vítimas procurarem os serviços de apoio especializado que possam delinear com as mesmas um acompanhamento próximo com base num plano individual de intervenção adequado ao caso concreto.
Acresce por fim que, na prática a erradicação da violência será viável se os diversos intervenientes no combate à violência (órgãos de polícia criminal, Ministério Público e organizações de apoio à vítima e outros organismos) mostrarem que são capazes de articular entre si de forma contínua, dinâmica e coesa, com uma abordagem holística pautada por procedimentos uniformizados. Querer é poder!
Um artigo de opinião da advogada Ana Leonor Marciano, especialista em Direitos Humanos, violência de género, violência doméstica, Direitos das crianças.
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