Pare de se stressar. Faça ioga. Medite. Desligue o telemóvel. Agradeça ao Universo... Para o filósofo, autor e professor de meditação francês Fabrice Midal, “vivemos esmagados pela tirania – politicamente correta – da felicidade e da perfeição que, em vez de nos trazer o tão desejado bem-estar emocional, apenas serve para nos torturar e fazer-nos sentir frustrados”. Para o homem que introduziu no seu país o conceito de mindfulness, “é tempo de parar de nos obrigarmos a fazer o que é suposto e permitirmo-nos a ser simplesmente nós próprios”. Uma prática que Fabrice Midal expõe com detalhe no seu livro Deixe-se de M**das e Comece a Viver (edição Planeta).
De acordo com o autor, "a forma clara e divertida para alcançarmos o verdadeiro estado de mindfulness, nesta vida demasiado intensa e rápida, é libertarmo-nos destas imposições sociais". Fabrice Midal oferece-nos, a cada capítulo do seu livro, vários exemplos de como substituir padrões impostos por uma nova atitude: “Deixe de estar calmo – Esteja em paz”; “Deixe de se comparar – Seja você mesmo”; “Pare, respire fundo e deixe-se estar em paz” e “Deixe de tentar amar - Seja gentil”, capítulo que aqui apresentamos na integra.
“Aqueles que procuram o amor limitam-se a manifestar a sua própria falta de amor, e os sem-amor nunca encontram o amor. Só quem ama o encontra, e nunca tem de o procurar”.
D.H. Lawrence
"A minha avó amava-me muito. Pelo menos, dizia-mo sempre que me via. Era sincera, não tenho dúvidas. O seu 'amo-te' seguia-se sistematicamente da mesma ladainha: pedia-me para lhe ligar mais vezes, para não me esquecer de me encontrar com o meu primo e depois com o meu tio, que, declarava ela, me amavam tanto, para a ver com mais regularidade – coisa que fiz, como neto atencioso. Também precisava de cortar o cabelo e deixar de estudar matérias tão inúteis como a filosofia. O seu amor era maravilhoso, mas também uma tortura porque me fazia sentir imensamente culpado: estava a falhar em toda a linha.
Sem segundas intenções ou malícia, a minha avó repetia o 'se' que muitas vezes nos aflora aos lábios: 'Se me amas… lava as mãos, porta-te bem, acaba os trabalhos de casa, etc.'. Dizia-o com todo o amor, mas eu via nessas invetivas um amor condicional… No fundo, ela nunca viu quem eu era, e não se importou. O seu amor era forte, queria o melhor para mim, mas o melhor segundo a sua perspetiva.
Compreendi muito mais tarde que a minha avó nunca fora capaz de fazer as pazes com a sua própria solidão: pedia-me que a libertasse deste fardo, o que me era obviamente impossível. Fizesse o que fizesse, nunca estaria à altura das suas expectativas.
No liceu, tive um professor de Filosofia com quem por vezes tomava um café. Certo dia estávamos sentados no terraço de um bistrô quando me caiu a ficha: aquele homem estava feliz por eu ser quem era. Ele amava-me profundamente nesse sentido. Se eu lhe tivesse dito até que ponto me sensibilizava o modo como me amava, isso não lhe teria feito qualquer sentido. Não o pensava nesses termos carregados de afeto, estávamos apenas felizes por estarmos juntos naquela tarde, no terraço daquele café.
Usamos demasiadas vezes a palavra 'amor' sem qualquer benevolência. Contudo, não raro o amor também se manifesta sem ser dito: é benevolência. Esta palavra foi tão esbanjada que utilizá-la se tornou complicado e origina muitos mal-entendidos. Tornou-se assustadora. Repetimo-la ao longo do dia, desde que não tenha um significado real. Em contrapartida, não a proferimos quando o deveríamos fazer. Vemo-la como se de um par de algemas se tratasse, tememos que não seja bem verdade, que nos gozem, nos rejeitem, nos sufoquem ou nos asfixiem. No fundo, quem não usa espontaneamente a palavra amor para descrever a vossa relação (por exemplo, o meu professor de Filosofia com quem tomava café) é quem, por vezes, se revela mais amoroso no verdadeiro sentido da palavra, ou seja, quem está sinceramente feliz por vocês serem quem são e quem deseja que vocês sejam o melhor que puderem ser.
Deixemos de tentar amar e de nos forçarmos a dizer constantemente um 'eu amo-te' artificial ou condicional ou acordado. Sejamos benevolentes. É assim que o amor começa. Quando nos sentimos autorizados a ser nós próprios. Quando descobrimos que somos autênticos com outrem. Quando queremos a outra pessoa tal qual ela é. Quando acordamos com uma nova relação com a vida. Quando nos soltamos.
O amor é difícil. Porque é sempre uma espécie de graça. Porque é que te amo? Posso, evidentemente, fazer uma lista de razões. Felizmente, ela não dirá nada sobre o essencial. No fundo, não sei porque te amo, e é por isso que te amo. Amo-te porque és quem és. O mero facto de seres preenche-me, acalma-me, faz-me feliz.
Amo-te pelo que tu és. Mas o que te deveria deixar feliz inquieta-te. Tens dificuldade em aceitar que não precisas de fazer seja o que for. Que te baste deixares-te estar em paz para descobrir a arte de amar…"
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