Já foram apelidados de enfants térribles da moda portuguesa. Com um estilo irreverente e uma forma de se apresentar muito própria, os Storytailors, dupla de criadores nacionais constituída por João Branco e Luís Sanchez, têm vindo a consolidar uma carreira que começa a ir muito para além da mera criação de roupa. Uma das grandes marcas internacionais de equipamentos eletrónicos acaba de os convidar a conceber uma capa para o seu novo telemóvel mas os novos projetos não se esgotam neste novo lançamento.
Em março de 2015, no Portugal Fashion, surpreenderam ao apresentar muitas criações em tons de negro e preto. Para esta estação, continuam a apostar nessas cores?
João Branco: Não. A nossa coleção de outono/inverno [2015/16] incidia sobre a terra e sobre o fogo. Esta próxima vai ser sobre outros elementos, logo a paleta cromática também vai ser outra.
Podem adiantar um bocadinho mais?
João Branco: Podemos dizer que a coleção estará mais ligada ao ar e à água…
Luís Sanchez: Também são elementos que estão muito presentes na nossa cultura.
João Branco: Nós nunca gostamos de revelar muito sobre as coleções antecipadamente..
Luís Sanchez: Porque isso cria expetativa nas pessoas e, às vezes, criar demasiadas expetativas desilude.
João Branco: Não há nada melhor do que ir ver um filme ou estar numa situação sem expetativas nenhumas, porque o prazer de nos deixarmos surpreender é o melhor que pode acontecer. Não nos devem tirar o prazer de viver a situação sem qualquer tipo de indícios que, às vezes, podem viciar um bocadinho a nossa perceção das coisas.
Acabam de criar uma capa para o ZenFone 2, o novo smartphone da Asus. São os primeiros estilistas, a nível mundial, escolhidos por esta marca para desenvolver uma parceria do género. O que é que isso representa para vocês?
João Branco: É uma honra muito grande. Quando recebemos o convite, ficámos surpreendidos mas, ao mesmo tempo, contentes e, agora que falamos sobre isto, ainda pensamos mais no assunto. Uma das coisas mais importantes foi descobrir, por exemplo, que a capa tinha esgotado e que a coisa tinha corrido lindamente para a Asus.
Foi bom perceber que a recetividade foi superior à de outras iniciativas da marca. Isso quer dizer que a mensagem passou e que este projeto inspirou. Deixa-nos, efetivamente, muito felizes saber que as pessoas reagiram muito bem ao produto.
Luís Sanchez: É muito gratificante podermos estabelecer uma ligação com outras áreas criativas. Há um reconhecimento, de facto, do nosso trabalho e isso é muito importante.
João Branco: A moda comunica através do vestuário, que é uma ferramenta de comunicação muito particular. Nós, quando escolhemos a roupa que vestimos todos os dias, comunicamos. O nosso presente e o nosso futuro, de certa forma, sempre estiveram muito relacionados com a comunicação.
Mas, hoje em dia, com a capacidade de comunicar, com a velocidade e com formas eficazes de o fazer, isso acontece cada vez mais. Receber o convite de uma marca para criar uma peça para um objeto que facilita precisamente este tipo de comunicação ainda veio acrescentar mais à nossa sensação de entusiasmo.
Existem mais criadores em Portugal que a marca poderia ter convidado para desenvolver o projeto. Alguma vez se interrogaram porque é que a escolha recaiu sobre vocês?
João Branco: (pausa) O nosso pensamento foi muito do género: «Olha que bom. Mas que bem que nos escolheram e que nos identificaram»…
Luís Sanchez: (interrompe) Significa que houve uma identificação de valores no que se refere à Asus e ao ZenFone 2. Isso foi-nos logo transmitido numa primeira reunião. Claro que ficámos contentes e achámos que era mais do que óbvio que tínhamos de o fazer. Até porque, nessa fase, ainda se tratava apenas de um convite. Ainda não estava oficializado. Depois, nós abraçámos o projeto.
João Branco: Nestas iniciativas, em que duas entidades se unem e há uma simbiose que origina produtos que só podem ser estimulantes, surge um objeto que tem todo um valor por si só e que tem toda uma identidade. É isso que eu acho, pelo menos. Estamos muito satisfeitos com esta peça.
Luís Sanchez: Acho que é muito relevante também o facto de, neste caso, as pessoas com quem lidamos neste processo nos terem dado total liberdade. Quando nos passaram o briefing e explicaram o que era o ZenFone 2, o que é a Asus e que aspetos é que comunica, fizeram questão de frisar isso mesmo.
Isso facilitou ou, pelo contrário, dificultou-vos o processo criativo?
João Branco: Por um lado, é mais complicado porque não nos dá nenhuma direção mas, por outro lado, é mais libertador porque nós pensámos durante cerca de um mês, sem eles saberem propriamente o que é que nós estávamos a idealizar, e, depois, tivemos uma reunião de apresentação do conceito e eles ficaram contentes com a proposta que fizemos.
Muitas vezes, os clientes têm muitas exigências e, às vezes, o processo criativo até pode ser enriquecido mas, outras vezes, sai prejudicado.
Quando se viram, de repente, com uma folha de papel em branco e começaram a pensar no que é que iriam lá pôr em termos de elementos figurativos, o que é que vos veio à cabeça em termos de ideias? Pensaram logo nos pássaros, que acabam por ser o elemento principal da capa de telemóvel que idealizaram?
Luís Sanchez: Já havia uma relação com os pássaros, que são um dos aspetos que explorámos na nossa coleção de verão [de 2015], «Voyage Voyage». Mas a nossa preocupação era que este elemento criativo que incluíssemos na capa, estes símbolos ou esta imagem, também remetesse para um ambiente zen e não há nada mais zen ou contemplativo do que o amanhecer.
Nós costumamos muitas vezes ir passar férias ou fins de semana no Alentejo quando temos tempos livres, porque o João tem lá uma propriedade e este tipo de paisagem está muito presente. Foi aí que nós fomos buscar este amanhecer e estes pássaros…
João Branco: Os pássaros, os fios e o próprio degradé de fundo foram desenvolvidos a partir de fotografias do amanhecer e do pôr do sol tiradas no Alentejo. Os próprios pássaros também foram tirados de fotografias feitas no Alentejo.
Luís Sanchez: A dada altura, pareceu-nos óbvio que tinha que ser isto. Não chegámos a ter dúvidas.
E chegaram facilmente a esta versão final ou houve trinta mil versões antes da definitiva?
João Branco: Sim, chegámos, mas houve uma série de afinamentos.
Luís Sanchez: A imagem que ficou como fundo já é uma triagem de uma série de experiências que foram feitas…
João Branco: Por causa das tonalidades e do próprio degradé de fundo... Testámos variadíssimos. Alguns remetiam mais para o entardecer do que para o amanhecer e, como pretendíamos que a mensagem estivesse mais relacionada com o nascer do dia, a seleção final da tonalidade teve mais a ver com isso.
As próprias silhuetas dos pássaros e o equilíbrio das aves também. Depois, por causa da impressão técnica da capa, tivemos que fazer alguns ajustes e alguns acertos, mas sempre à volta desta mesma ideia.
Luís Sanchez: Mais pássaros, menos pássaros… Foi-se refinando até chegar a este resultado final.
E acham que o resultado final personifica bem o conceito dos Storytailors?
Luís Sanchez: Sim. Nós também quisemos pegar numa ideia simples. Se calhar, as pessoas não estão tão habituadas a isso da nossa parte. Normalmente, somos muito informativos. Habitualmente, as nossas pesquisas resultam em histórias e essas histórias resultam na coleção. É tudo muito sólido e muito complexo. Existe todo um argumento.
Aqui, de certa forma, quisemos contrariar isso. Criámos um amanhecer que nos inspira de facto e que tem a ver com a nossa maneira de ser, com a nossa intimidade e o com o facto de descobrirmos coisas que, efetivamente, nos inspiram.
João Branco: O telemóvel também é um objeto com o qual nós andamos diariamente. Estamos sempre com ele. Portanto, tinha que ser uma capa suficientemente transversal para nos acompanhar durante o dia, todos os dias.
Queríamos que transmitisse uma mensagem extremamente positiva e inspiradora e, de facto, o amanhecer e o entardecer são as alturas do dia em que mais temos a sensação de que tudo pode acontecer. É como a ideia de viajar e de se descobrir qualquer coisa. Há um bem-estar e uma excitação que está subjacente a estas alturas do dia, que era aquilo que nós queríamos transmitir.
Ao mesmo tempo, existe aquela sensação táctil de sentir a silhueta dos pássaros. A capa tem um verniz que cria relevo na zona das aves. Há uma sensação de toque na própria capa. Se a pessoa se sentir um bocadinho em baixo, vira o telemóvel, passa a mão e tem ali um bocadinho de inspiração.
Luís Sanchez: Houve a preocupação de haver um elemento tátil na própria capa. Isto também tem a ver com uma pesquisa que tivemos de fazer para a imprimir, o que não foi fácil, uma vez que a capa do telemóvel é arredondada. O processo de impressão foi difícil e exaustivo, com muitos afinamentos, porque as plotters não imprimem em curva.
João Branco: E nós queríamos garantir a qualidade do produto…
Garantir a qualidade do produto era uma preocupação…
Luís Sanchez: Outro conceito associado a esta capa tem também a ver com o controlo de qualidade que nós defendemos na criação das nossas peças.
João Branco: O valor do design é intemporal…
Luís Sanchez: E não há nada mais intemporal do que o amanhecer ou o entardecer porque é algo que é cíclico. Neste caso, o amanhecer significa um novo renascer. E é também uma imagem zen, como o nome do telefone sugere…
Depois deste projeto, como estão em relação a outros? O que é que mais estão a preparar que já podem revelar?
João Branco: Ui, várias coisas… Nós, recentemente, fomos a uma feira em Nova Iorque com o Portugal Fashion e a ANJE [Associação Nacional de Jovens Empresários], que correu muito bem. Teve resultados muito interessantes que estamos agora a alimentar. Uma parte dos projetos futuros que temos agora em mãos estão relacionados com esses contactos que fizemos em Nova Iorque.
Vamos ver… Mais uma vez, não se devem falar das coisas antes delas se realizarem, mas há vários projetos agora. Um deles é uma nova coleção nossa que vai ser apresentada no dia 21 de outubro e que nos vai, até lá, absorver bastante…
2016 promete, então?
João Branco: Sim, sim, sim… Com mais viagem, com mais sonho, com mais inspiração…
Luís Sanchez: No fundo, aquilo de que estamos a tentar falar é levar a marca Storytailors além fronteiras. Neste caso, optámos por começar pelo mercado norte-americano, é nisso que estamos focados e é nessa direção que vamos trabalhar a nossa estratégia nos próximos anos.
João Branco: Este ano, já houve uma série de passos importantes nesse sentido. Já falámos da feira. Houve uma exposição em Washington com dois vestidos nossos que tinham sido comissariados para constar dessa mostra.
Entretanto, em novembro do ano passado [2014], tínhamos tido, com o Art Institute, uma performance no Metropolitan Museum [of Art] , que acabou por ser o início de todo este ciclo, de certa forma. Pelo menos, desta nossa presença física nos EUA, associada ao facto de termos cada vez mais clientes particulares lá.
Luís Sanchez: Acho que este convite lançado pela Asus também é mais uma comprovação dos valores que nós defendemos e da potencialidade que eles têm a nível global. Nesse seguimento, por exemplo, também temos o apoio da Air France para viajarmos, o que também é um voto de confiança no nosso trabalho.
João Branco: Sim, em muitos aspetos, a Air France também tem sido os nossos pássaros, as nossas asas para viajarmos. Ainda por cima, tudo isto tem tanto a ver com o nosso conceito de raiz… Quando eu penso na origem da Storytailors e no facto deste projeto querer ser precisamente uma simbiose de entidades e de artistas para potenciar colaborações profícuas e que dêem resultados frutíferos, como esta e como outras…
A estratégia passa por parcerias, portanto…
João Branco: Nós, em 2015, para poderem daí resultar colaborações para o resto deste ano e o ano que vem, fizemos uma série de parcerias com empresas e tivemos uma série de convites que são interessantíssimos. Os vestidos de Washington… Tivemos oportunidade de começar colaborações com a Vista Alegre, com a Revigrés, com a Viúva Lamego…
Luís Sanchez: Com o Laboratório d'Estórias…
João Branco: Fizemos as varinas [bule de chá de edição limitada], conseguimos contar histórias com entidades com quem foi um prazer trabalhar e que, de certeza, vão dar mais frutos. E, para nós, todas estas situações têm muito a ver com o foco da própria Storytailors. Eu espero que continuem a acontecer estas iniciativas e estes casamentos felizes. Por exemplo, agora, nesta altura da semana da moda no Porto, vamos ter dois vestidos expostos na Livraria Lello [& Irmão].
Para nós, é uma honra estar lá! Essas parcerias alimentam o nosso projeto, alimentam a nossa criatividade, inspiram-nos e eu acredito, muito sinceramente, que são este tipo de iniciativas que vão potenciar a nossa identidade nacional e que nos vão ajudar a afirmar definitivamente além-fronteiras.
Luís Sanchez: São estas sinergias... Nós sentimos, ao comunicar com as pessoas no estrangeiro que há, de facto, uma curiosidade muito grande pela cultura portuguesa e por todos os valores que lhe estão associados. Sentimos que as pessoas também não estão tão desatentas ao que por cá se passa, como ainda há uns anos. Antes, só falavam na Amália, por exemplo.
Hoje, sabem que as principais cidades estão diferentes. Sabem que existem bons produtos e bons designers. É também isso que nós levamos lá para fora. Não são só os Storytailors. É também a nossa cultura! Quantos mais artistas fizerem isto, melhor será para o nosso país, uma vez que não dispomos de muitos recursos minerais para exportar. Temos, neste caso, muitos recursos criativos e vontade…
Não temem, no entanto, que ao se envolverem em tantos projetos, negligenciem ou se afastem demasiado do vosso negócio principal, que é a criação de moda?
João Branco: Não, porque nós acabamos por envolver todas as parcerias que fazemos no desenvolvimento natural daquilo que estamos a fazer. Portanto, é um processo muito mais orgânico. Nós não paramos tudo o que estamos a fazer para trabalhar apenas um projeto, como se fosse uma coisa totalmente independente. É quase como um tronco-mãe que depois ramifica.
Aquilo que nós desenvolvemos com a Asus, por exemplo, veio enriquecer a nossa nova coleção, da mesma maneira que o que fizemos com a Vista Alegre, a Revigrés ou a Viúva Lamego veio contribuir para o projeto de Washington que, por sua vez, estava relacionado com a coleção também. O nosso produto e o nosso conceito vêm a beneficiar e a potenciar o seu crescimento com estas parcerias, porque estas entidades acabam por estar envolvidas no desenvolvimento do nosso produto core, da mesma forma que nós contribuímos para o desenvolvimento do produto core deles.
E é desta maneira que nós acreditamos que se devem trabalhar estes casamentos e estas sinergias de duas entidades e de duas vontades, na criação de um elemento que tanto é bom e profícuo para um lado como para o outro…
Luís Sanchez: Eu, pelo menos, vejo que esta é uma forma mais consolidada de fazer uma ligação, porque são diferentes indivíduos a falar de diferentes projetos que, depois, se relacionam. Estas parcerias permitem atingir um público muito mais vasto e trazem também outras pessoas para o nosso universo…
João Branco: E isso inspira-nos de uma forma fantástica! São experiências que fazem com que nós não nos fechemos demasiado no nosso próprio processo criativo. É bom termos estes desafios e sentirmo-nos estimulados e obrigados a pensar de formas diferentes. Quando criamos sempre da mesma forma, podemos cair em vícios. Isto é um processo que vem contribuir para a dinâmica criativa de todos os nossos projetos e eu sinto-me muito grato por isso.
De certo modo, as coisas têm-vos acontecido naturalmente…
Luís Sanchez: Sim, na realidade, as coisas têm acontecido naturalmente. Não tem sido um esforço particular da nossa parte. Nós estamos sempre abertos a propostas mas tem sido um processo natural e isso é gratificante…
João Branco: Da próxima vez que falarmos, de certeza que também vamos falar de outros projetos que estamos a fazer com outras entidades e que, para além de criarmos situações específicas e objetos específicos com elas, vão alimentar o nosso produto, a nossa imagem e o nosso processo criativo…
Luís Sanchez: Também há processos que são mais rápidos, como por exemplo este da criação da capa para a Asus, que tinha um timing pré-definido. Nós trabalhámos nisto durante dois a três meses mas há outros projetos em que nós podemos trabalhar seis meses, um ano, dois ou até três até conseguirmos, de facto, chegar ao resultado final.
Alguns projetos acabam por ser mais diluídos no tempo, o que não afeta tanto o nosso processo interno, ainda para responder à pergunta.
João Branco: Eu acho que, para conseguirmos fazer mais e melhores coisas, temos que procurar efetivamente estes casamentos felizes e estas sinergias, porque elas acabam por nos dar os meios e a energia para fazer mais, para ousarmos e para descobrirmos novos recursos.
Para além de permitir joint ventures que comuniquem as entidades, de facto, a nível internacional, o que é muito bom. Nós estamos agora a desenvolver uma série de outros projetos e estamos entusiasmadíssimos com eles.
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