A Danielle Secco era advogada. O que a levou a reequacionar a sua vida profissional e a dedicar-se à mediação privada?

Sim, a minha profissão de origem é a advocacia. Advoguei por 30 anos, no Brasil. Decidi viver em Portugal há um par de anos, um país que amo e que faz parte da minha história de vida, afinal, como digo, sou uma portuguesa nascida no Brasil. Percebi que havia chegado a altura de explorar novas oportunidades no campo profissional. Foi então que me inscrevi no curso de mediação familiar oferecido pelo Instituto de Mediação e Arbitragem de Portugal (IMAP). Foi uma grande transformação. Com formadores apaixonados pela mediação, sensíveis e extremamente experientes, tive a certeza de que seria mediadora de conflitos.

Finalizado o curso de mediação familiar, foi a vez de me dedicar à formação de mediação no âmbito dos Julgados de Paz. A partir daí, a minha prioridade foi procurar práticas e trabalhar sempre com aqueles que amam a mediação. Hoje, trabalho em exclusivo como Mediadora de Conflitos, de que muito me orgulho, e me traz muita realização.

Em breves palavras, como podemos definir a mediação de conflitos no âmbito privado?

A mediação é uma proposta de trabalho que proporciona um espaço onde todas as pessoas, singulares ou coletivas, podem abordar aquilo que querem ver resolvido, num determinado momento das suas vidas.

A equipa de mediação desempenha a função de um terceiro que auxilia a comunicação, sem impor ou sugerir, através de intervenções que auxiliam a partilha de informação e a escuta mútua. Em suma, procura-se promover, entre os participantes, a construção conjunta de soluções satisfatórias para todos os envolvidos.

O mediador adota uma postura isenta e imparcial, e promove um espaço seguro para a partilha de informação sensível, bem como a manifestação de emoções, garantindo que as ideias partilhadas e as decisões tomadas serão trabalhadas de forma respeitosa, sem julgamentos.

Sabe o que é a mediação privada? Um caminho de diálogo extrajudicial para a solução de conflitos
Sabe o que é a mediação privada? Um caminho de diálogo extrajudicial para a solução de conflitos Danielle Secco créditos: Divulgação

A par disso, importa relembrar que os princípios e características da mediação estão intimamente ligados às suas vantagens. Desde logo, a vontade dos participantes de estarem ali e a certeza de que todo o procedimento é confidencial. Com efeito, a mediação só acontece por vontade ou iniciativa dos envolvidos. Portanto, se assim o desejarem, e se, simultaneamente, se comprometerem com a confidencialidade assumida com a equipa de mediadores, a mediação apresenta-se como um espaço seguro, onde a intimidade das pessoas e os seus relacionamentos podem ser abordados, sem medos ou receios de que sejam usados contra si.

A beleza da mediação está na sua flexibilidade e plasticidade em diversos contextos e assuntos, permitindo aos/às participantes sentirem-se livres para abordar todas e quaisquer questões que desejem e considerem úteis serem trabalhadas no decurso dos encontros.

Não é incomum recebermos pessoas confusas pela forma como têm gerido a sua relação, não sendo claro o seu papel no presente e ainda menos no futuro. Na mediação, procuramos potenciar a possibilidade de diálogo e a escuta mútua, para que se torne possível passar de um confronto “cara a cara” para um trabalho conjunto, “lado a lado”.

Deste modo, a mediação torna-se um espaço único, sem paralelismo com outros procedimentos, uma vez que promove um maior envolvimento das pessoas em toda a dinâmica da mediação. Os participantes assumem a autonomia da sua vida, da sua vontade, da sua capacidade de decidir. São os especialistas nas suas próprias vidas e, por isso, as melhores decisões são tomadas pelos próprios, não sendo necessário que alguém resolva, oriente, ou que lhes diga de que forma devem agir ou o que devem fazer.

Neste sentido, a mediação devolve aos participantes a capacidade de protagonismo e decisão, sem a imposição de um terceiro que decida por elas. Por essa razão, permite alcançar acordos mais satisfatórios e, consequentemente, com maior probabilidade de serem cumpridos.

Em síntese, na mediação constrói-se um espaço onde as pessoas encontram soluções para aquilo que as trouxe à mediação e que satisfaçam todos os envolvidos.

Em traços gerais como é feita a vossa formação?

Para ser Mediador em Portugal, segundo a lei 23/2013, é necessário ter mais do que 25 anos, ter uma licenciatura e concluir, com aproveitamento, pelo menos um curso de mediação de conflitos e/ou de mediação familiar, reconhecido pelo Ministério da Justiça.

No caso da equipa de mediação do Gabinete Diálogo, todos os elementos têm certificação em mediação de conflitos no âmbito dos Julgados de Paz, e especialização em mediação familiar. Ademais, os nossos mediadores frequentam formação contínua de forma a manterem-se em permanente atualização, por exemplo, em temas como “Emoções na Mediação”, “Filhos na Mediação”, “Conflitos e Comunicação na mediação”.

Paralelamente, estamos em constante supervisão e interação com outros mediadores, promovendo a constante aprendizagem, reflexão e crescimento.

Como nasceu o Gabinete Diálogo? Medeiam conflitos em que áreas?

O Gabinete Diálogo nasceu do encontro de cinco mediadores, apaixonados pela mediação, que partilham entre si os mesmos objetivos, ideias, princípios e sonhos.

A nossa ideia principal é proporcionar um espaço de diálogo onde as pessoas sejam as protagonistas das suas próprias vidas, das suas decisões e de tudo que desejam abordar na mediação.

A nossa equipa está preparada para se adaptar às necessidades das pessoas que tem à sua frente, sem julgar, categorizar ou comparar pessoas ou situações. A nossa prioridade é estabelecer um contacto próximo e transparente, refletindo num ambiente mais informal.

Se pensarmos nas abordagens do tribunal, da arbitragem ou da conciliação, o foco é o conflito e não as pessoas. Na mediação, apesar de se trabalhar os conflitos que são trazidos até nós, valorizamos as pessoas, os seus relacionamentos, as suas necessidades e os seus desejos para o futuro. Assim, os desgastes emocionais e as ruturas familiares, muitas vezes potenciadas pelas litigâncias decorridas dos processos judiciais, são minimizados.

Trabalhamos temas ligados à família, tais como as responsabilidades parentais, divorcio, separação e divisão de bens, heranças, entre outros. Para além de questões familiares, trabalhamos questões laborais, responsabilidades de condomínios, temas empresariais, e muitos outros temas.

Sabe o que é a mediação privada? Um caminho de diálogo extrajudicial para a solução de conflitos
Sabe o que é a mediação privada? Um caminho de diálogo extrajudicial para a solução de conflitos Daniella Secco, Leonor Larcher, Diana Rua e Joana Doroteia. créditos: Divulgação

Grosso modo, como decorre este processo de mediação?

Antes de mais, as pessoas interessadas na mediação são convidadas a passar pelo que chamamos de encontro pré-informativo de mediação.

Nesse encontro, conversamos sobre a nossa proposta de trabalho. Este primeiro encontro pode ser online ou presencial, juntos ou separados. Acolhemos tudo o que é trazido pelos participantes de forma transparente, explicamos, por exemplo, de maneira simples, quais os princípios e características da mediação, o que podem esperar da equipa de mediação e o que é pedido aos participantes, no que respeita a partilha de informação, construção colaborativa de opções e escuta mútuas.

Consideramos este encontro muito importante, pois permite avaliar conjuntamente se a mediação é o caminho que procuram, e se os mediandos estão disponíveis para aderir aos princípios e características desta proposta de trabalho. No nosso Gabinete, este encontro é gratuito, permitindo que as pessoas que nos procuram possam decidir e aderir livremente, sem qualquer condicionamento ou dúvida.

Uma vez que concordam em participar na mediação, assinamos um documento, designado Protocolo, que oficializa o compromisso de todos com os princípios da mediação, e agendamos dia e hora para a primeira sessão.

Para além disto, importa referir que a mediação é um procedimento rápido, com uma duração média inferior a três meses (embora este tempo dependa da disponibilidade dos participantes para o agendamento das sessões), e com custos reduzidos comparativamente a outros meios.

Qual tem sido a vossa taxa de sucesso nos conflitos que mediam?

A forma como trabalhamos não se baseia em números, percentagens ou taxas, mas em pessoas, nas suas singularidades, necessidades e desejos para futuro.  Acreditamos que reduzir as pessoas e a complexidade e densidade das suas histórias a um número ou a um papel seria desrespeitoso.

Mas como poderemos medir o sucesso? Pelo número de acordos obtidos? Ou pelas manifestações verbais e não verbais de satisfação? Veja-se a título de exemplo: um casal, em processo de separação, que chegou à mediação sem se falar. A todas as perguntas da equipa de mediação, falavam como se o outro não estivesse presente. A mediação vai decorrendo e, dois ou três encontros depois, começam a falar diretamente um com o outro, partilham as suas expectativas e as suas necessidades, e também as suas dificuldades em gerir as emoções. Reconhecem as vantagens em estarem a ouvir-se mutuamente, e a colaborar para as tomadas de decisões em relação aos filhos.

Mais à frente dizem-nos que não querem redigir um acordo formal, até porque já tiveram um que lhes foi “imposto fora da mediação” e dispensam mais papeis ou formalismos. Referem que o importante foi voltarem a conversar como faziam antigamente. Este exemplo foi um caso de sucesso ou insucesso?

Todos os nossos procedimentos respeitam, na totalidade, o princípio da voluntariedade dos participantes, procurando que todos possam ver as suas necessidades atendidas, sem ceder ou sem sentir que «perdeu para o outro», sem "imposições" do outro, ou de um profissional.

Para nós, este é o verdadeiro sucesso da mediação: participar na transformação da comunicação e possibilitar a expressão daquilo que se deseja, do que se sente, bem como trabalhar a capacidade de escuta mútua e a construção conjunta de projetos satisfatórios para todos os envolvidos.

Não queremos com isto dizer que não celebramos acordos formais, celebramos sim, mas não os vemos como maior ou menor taxa de sucesso, e sim como uma consequência de todo um trabalho de colaboração e coconstrução.

No vosso site referem que vão “além da mera resolução de conflitos”. Qual o alcance destas palavras? Referem-se à componente emocional?

É frequente ouvirmos falar de conflitos como algo muito concreto e objetivo, como se fosse uma componente restrita dos relacionamentos, como se as pessoas e os seus relacionamentos, num determinado momento das suas vidas, ficassem reduzidos a uma questão específica, a um momento isolado das suas interações.

De facto, o que traz os participantes à mediação é o conflito que querem resolver, e damos muita importância a isso. Porém, à medida que vamos estudando e trabalhando cada vez mais nesta área, fica claro para nós que os conflitos são apenas uma parte do relacionamento. Aquilo que nos leva a discordar do outro é fruto de um conjunto de interações, momentos, histórias, e por isso mesmo vem tantas vezes carregado das mais variadas emoções.

Perceber tudo isto e dar espaço às pessoas para que falem sobre tudo o que é importante para si naquele momento das suas vidas - o que pensam ou sentem com uma determinada decisão do outro ou da forma como foram tratadas, o que significou para si, que impacto teve na sua vida pessoal, familiar e/ou profissional - implica ir além da resolução dos conflitos, no sentido mais restrito.

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Devolve-se às pessoas a capacidade de se expressarem livremente, de verem as suas identidades reconhecidas, de procurarem ser escutadas como um todo, e não apenas uma parte isolada.

Se o que as pessoas necessitam de decidir fosse de facto algo meramente objetivo, não teríamos processos judiciais demorando meses/anos para serem concluídos. Veja-se a o exemplo da divisão de bens. Se efetivamente apenas estivesse em causa a divisão dos bens, despojado do simbolismo e das emoções, as pessoas fariam o levantamento dos valores e dividiam entre si os bens. Mas o que acontece é que o valor simbólico e emocional dos bens é tanto ou mais importante que o valor monetário/patrimonial. É este espaço de diálogo e de manifestação de todos estes aspetos que a mediação permite e potencia.

A Danielle também integra a Federação Nacional da Mediação de Conflitos. Quer enquadrar-nos esta entidade?

A Federação Nacional de Mediação de Conflitos (FMC) é uma pessoa coletiva de direito privado, constituída há cerca de 12 anos, que reveste a forma de federação, sem fins lucrativos e que, desde 28 de fevereiro de 2024 detém o estatuto de entidade de utilidade pública.

Com efeito, com o contributo da Federação Nacional de Mediação de Conflitos, temos hoje a Lei da Mediação, a lista de mediadores publicitada pela DGPJ - Direcção-Geral da Política de Justiça, e um conjunto de protocolos, a fim de divulgar amplamente a prática da Mediação.

Sempre com a meta de promover o respeito pelas melhores práticas e técnicas conhecidas, agrega e aglutina todos os mediadores que exercem a mediação em Portugal, continente ou ilhas, seja do ponto de vista individual ou coletivo ou, ainda, associativo. Para mais, segue o Código de Deontologia e de Boas Práticas do Mediador de Conflitos. Desde 2018, promove congressos anuais, conferências e encontros reflexivos sobre a prática da mediação, para divulgação e promoção da mesma e para (in)formação contínua dos mediadores.

Assim, sendo a mediação de conflitos um dos pilares de um Estado de Direito democrático (a Justiça) a FMC defende-a, desenvolve-a e divulga-a junto dos cidadãos e instituições. Colocando-a como procedimento primordial e preventivo na resolução de litígios, e constitui-se como entidade fundamental na cooperação com outras entidades, públicos e privados, que procuram facilitar o acesso a uma resolução eficaz e duradoura dos conflitos entre cidadãos, empresas e instituições.

Recentemente, reuniram-se com a Secretária de Estado da Justiça, Maria José Barros. Qual o objetivo deste encontro?

Sim, reunimos e foi muito interessante. Antes de mais, importa realçar que a reunião ocorreu entre a Exma. Sra. Dra. Secretária e sua equipa e a FMC. Estiveram presentes a nossa Presidente, Célia Nóbrega Reis, e eu, como Diretora da Federação.

O encontro ocorreu, por um lado, na sequência da eleição da nova direção da Federação e, por outro, da tomada de posse da Secretária de Estado, que fez um primeiro encontro com todas as entidades ligadas à justiça.

Fomos muito bem recebidas, e a Secretária aceitou, imediatamente, nosso convite para participar do VII Congresso Internacional de Mediação de Conflitos, promovido pela FMC.

Nesse sentido, o objetivo desse encontro foi, naturalmente, apresentar cumprimentos à Secretária e, conjuntamente com a mesma, validar o diagnóstico relativamente à ausência de reconhecimento da atividade de mediação e dos seus profissionais. A par disso, ver de que forma podemos, em conjunto, divulgar, promover e levar ao conhecimento dos cidadãos qual é a atividade desempenhada pelos mediadores.

A Secretária reconheceu a necessidade de valorizar a mediação como profissão em Portugal e percebeu a importância de construir uma ponte entre os mediadores e os poderes Executivo e o Legislativo.

Que entraves ao vosso trabalho vos coloca este não reconhecimento?

Embora a mediação seja praticada há 25 anos em Portugal, infelizmente poucas pessoas a conhecem, e optam por este meio de solução de conflitos.

Contudo, não nos queremos focar no negativo, até porque acreditamos que o momento atual é animador. Podemos referir, a título de exemplo, o recente Congresso Internacional de Mediação de Conflitos, organizado pela Federação, no qual foram abordados temas como o (re)conhecimento dos mediadores.

Entre os oradores presentes, podemos destacar a Secretária de Estado da Justiça, Dr.ª Maria José Barros, que anunciou que o governo vai apresentar o “Plano Estratégico Nacional” para os meios “RAL” (Meios de Resolução Alternativa de Litígios) até ao final do corrente ano.

Contou, ainda, com a presença da Dr.ª Andrea Oliveira, representante da Ordem dos Advogados, que fez saber que a Ordem está a preparar um conjunto de atividades que visarão promover o conhecimento e o recurso à mediação por parte dos Advogados.

Nas conclusões do Congresso, ficou muitíssimo claro que há um assinalável êxito no recurso à mediação, e um crescente reconhecimento da mediação e dos seus profissionais.

Assim, acreditamos que uma nova fase está por vir, aumentando o conhecimento/divulgação do que é a mediação enquanto meio de resolução de conflitos, bem como o impacto que proporcionará na forma como as pessoas comunicam e se relacionam.

Adicionalmente, as pessoas terão mais conhecimento sobre o valor executivo do acordo realizado em mediação, bem como a possibilidade de serem os protagonistas das suas vidas e escolhas. Afinal, neste espaço, os próprios tomam as suas decisões, que serão mais satisfatórias do que se decididas por terceiros.

Entrevista concedida por escrito em outubro de 2024.

Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik