Rui Nunes é um campeão. Não desiste da vida. A mãe, Ana Novo Barros, não se cansa de dizer que o filho «nasceu com a bola nos pés». Até outubro de 2016 o Rui respirava futebol, jogava como extremo esquerdo do Abambres Sport Clube, e bem. No campo esquecia-se da vida cá fora e marcava muitos golos.

Todos dedicados à mãe. Fã número um do filho, não havia jogo em que Ana não o acompanhasse e com ele vivesse as vitórias. E nem sequer a rivalidade futebolística – mãe do Benfica, Rui do Porto – os impedia de vibrarem juntos.

As bolas eram as suas maiores aliadas. De tal maneira que Ana chegou a furar umas quantas porque lhe «partia tudo o que tinha em casa.» Persistente, «o Rui passou a amassar papéis, ou a usar caricas e tampas de garrafa para dar toques. Esta paixão nasceu mesmo com ele. O Rui assiste aos jogos de todas as ligas.»

Aos nove anos, Rui foi visto por um olheiro num torneio de rua e começou a jogar. Primeiro no Vila Real e depois no Abambres. Sempre jogou como atleta federado. Os momentos mais marcantes até podiam ter sido as convocatórias para a Selecção, no entanto, na perspectiva da mãe, «todos os jogos foram importantes, porque o Rui entrava em campo e aquele era o mundo dele. Só queria jogar e marcar golos, golos e golos. E viver aquilo com uma grande emoção.» Aprendeu princípios e valores para a vida.

A mãe e os irmãos na bancada eram uma claque de peso. «Davam-me conforto para jogar», diz o ex-jogador. Até outubro de 2016 a vida de Rui era o futebol, até que, através de um exame de rotina, lhe diagnosticaram e uma cardiopatia hipertrófica apical. Ninguém em casa conhecia a doença e ficaram a conhecê-la da pior forma. «É obrigatório os atletas federados fazerem electrocardiogramas anualmente. E daquela vez chamaram-me da clínica onde ele tinha feito o raio X, a dizer que algo não estava bem. Houve até um médico daqui que nos disse que o exame não era dele, porque aquele era um coração envelhecido», conta Ana. Um novo electrocardiograma e um ecocardiograma no Hospital da Luz Arrábida, no Porto, confirmaram o diagnóstico. Já a ressonância magnética nuclear mostrou tratar-se de um problema genético, que não apareceu devido ao excesso de esforço futebolístico.

«Ninguém nos conseguiu explicar porque é que nos exames anteriores não tinha sido detectado nada. Temos todo o historial de exames e não se percebe porque é que no electrocardiograma anterior o coração do Rui era perfeitamente normal», conta Ana, desconsolada. «Temos que lutar sempre até ao fim. Mesmo quando se pôs a hipótese de ele ser operado para pôr um desfibrilhador, era algo por que tínhamos que passar», assume a 'mãe coragem'. A operação foi posta de parte, mas o Rui não voltará a jogar. Pelo menos a nível profissional. No clube ninguém acreditava que o jovem atleta tinha a doença. E diziam nos balneários: «Ele vai voltar a jogar.» O embate maior foi quando veio a confirmação. Lá não cabia a palavra voltar.

Mas o Rui é um vencedor. Evidentemente que a notícia não o deixou indiferente. «Nem percebi bem, mas tentei abstrair-me. A princípio não conseguia ver jogos de futebol. Depois concentrei-me nos estudos.» E concentrou-se bem. Com apenas 17 anos entrou em Enologia, na Universidade de Vila Real. «O curso tem Química, que é a disciplina de que mais gosto», atira. Talvez influência da mãe, que é docente naquele Departamento.

A vida académica não lhe dá tréguas. Primeiro foi a praxe, as cantorias e as interacções com o sexo oposto, que o ensinaram a lidar melhor com o que a vida lhe trouxe. «Era cansativo, mas foram todos impecáveis».

Depois vieram os testes e com eles o estudo, os intervalos, as saídas com os novos amigos. O Rui, entretanto, já fez 18 anos. Idade maior para sonhar e ele não desistiu de o fazer. Quer ser treinador de futebol. «Tem sido muito solicitado para ser adjunto dos clubes onde jogava, não só no Abambres, como no Vila Real. Mas é muito recente. Penso que há sempre a sensação: eu queria era estar do outro lado.» Ana apoia-o a 500%. «Se quiser mesmo ser treinador de futebol há-de tirar o curso e vai chegar lá. Há a hipótese de ser treinador dos pequenitos. O Rui tem muito jeito para miúdos. Talvez pudesse começar por aí e depois ir crescendo.» Este pode ser o futuro de Rui. Antes desenrola-se o presente. O presente em que Rui está a crescer e vai conquistando aos poucos a sua independência.

Para além disso, faz coisas próprias da idade. Sai com os amigos, vê televisão, joga computador e está a tirar a carta de condução. É sobretudo com a mãe que vê futebol. Com os irmãos, Bruno (21 anos) e João (10 anos), joga às cartas. À sueca, à bisca, à guerra. O João apelidou-os de 'quarteto fantástico'. «É assim que ele nos vê», conta a mãe, orgulhosa.

E é em modo quarteto que vão à Régua aos domingos, passear à beira Douro. Nem o frio que se faz sentir os impede de jogar futebol ao ar livre. Porque o Rui continua a jogar de forma recreativa. No início, quando deixou de ir aos treinos, «o Rui era como se fosse um drogado com falta da dose diária. A dor mais forte que sentiu aconteceu quando foi assistir a um jogo da ex-equipa. Os miúdos dedicaram-lhe o primeiro golo. Foi marcante», lembra a mãe.

A reabilitação cardíaca veio ajudar no processo. Rui estava reticente, porque dizia que só ia encontrar velhos. O médico respondia: não vais para lá fazer amigos. Mas o Rui acabou por fazê-los. A reabilitação acontece às segundas e quintas-feiras – das seis e meia às oito da noite, não é mais do que uma ginástica especial. «Faço passadeira. Comecei a correr cinco minutos de vez em quando, com a enfermeira a medir as pulsações», conta.

A enfermeira Fátima é uma espécie de personal trainer que até põe jogos de futebol para ele ver quando está a fazer os exercícios. Neste ginásio especial treinam pessoas com problemas cardíacos e...padres. Têm falado muito em realizar um desafio de futebol entre os dois grupos. O Rui está ansioso: «Acho que vai ser muito bom. Tenho muitas saudades de jogar, mesmo que seja para levar na brincadeira. Quanto mais não seja, para matar o vício do futebol.» A vida que o aguarde, porque fora do campo o Rui revela-se também um vencedor.

Texto de Maria João Veloso

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