Estaremos programados para desejar sempre mais? Seja comida, informação ou influência, por que razão nunca nos sentimos saciados? Michael Easter, especialista em mudança de comportamento, mostra que o nosso maior problema é a mentalidade deixada pelos nossos antepassados que tinham de procurar e consumir constantemente porque as ferramentas de sobrevivência (comida, bens materiais, informação, poder) eram escassas. Mas com a capacidade moderna de satisfazer facilmente o nosso antigo desejo de ter mais, o "cérebro de escassez" está agora a revelar-se um problema. Easter viajou pelo mundo e falou com inovadores e cientistas que estão a encontrar explicações para o fenómeno. O produto dessa reflexão e viagem é o livro Cérebro de Escassez (edição Nascente). Para o autor, a solução "não é almejarmos cegamente menos. É entendermos por que razão desejamos mais, abandonarmos os nossos piores hábitos e apreciarmos melhor o que já temos".
Do livro, publicamos o excerto abaixo:
Porque é que ansiamos mais
A romancista Margaret Atwood disse certa vez que os seres humanos têm um "talento para a insaciabilidade". O pioneiro da Psicologia, Abraham Maslow, descreveu‑nos como o "animal eternamente insatisfeito". Não foram os primeiros a perceber isto. A humanidade há muito que reconheceu que desejamos e consumimos constantemente mais e alertou acerca das desvantagens dos nossos desejos. Consideremos os ensinamentos do cristianismo acerca da luxúria, da gula, da ganância e da inveja. E o reconhecimento do budismo de que os desejos e apegos são a causa de todo o sofrimento. Ou histórias como o mito grego de Midas, a história hindu de Kirtimukha e a história chinesa de T’ao T’ieh. Estes ensinamentos religiosos e mitos antigos alertam‑nos para o mesmo fenómeno: quando cedemos ao nosso apetite ilimitado por mais, acabamos por nos devorarmos.
Parecemos acreditar que as nossas condições internas e externas serão perfeitas e que conseguiremos finalmente "chegar" e descansar assim que cumprirmos o nosso próximo desejo. Isto é uma ilusão. Após satisfazermos o nosso desejo do momento — quer seja grande ou pequeno —, o nosso cérebro parece produzir o próximo. É uma sensação de estarmos a um passo de onde queremos estar. Porém, assim que fazemos a jogada triunfante, o tabuleiro expande‑se. Observei isto em mim próprio. Passei grande parte dos meus 20 anos a perseguir um qualquer destino perfeito que acreditava estar escondido na bebida seguinte. Nunca o encontrei. A busca quase me matou.
Quando fiquei sóbrio, aos 28 anos, deixei realmente de me devorar. Isto é, até procurar algo de novo pelo qual ansiar. O meu desejo nunca desapareceu. Em vez disso, mudou o seu foco para querer mais de outras coisas: dinheiro e estatuto ou estímulo, a partir de compras rápidas ou da próxima refeição fora de casa. Mas porquê? Esta questão levou‑me ao trabalho de Leidy Klotz.
Klotz é bacharel em engenharia civil, mestre em engenharia de construção e doutor em engenharia arquitetónica. Tudo das melhores escolas de engenharia do país. Atualmente, é cientista e professor de engenharia na Universidade da Virgínia, onde investiga grandes questões acerca de projetos e como estes podem melhorar o mundo e a nossa experiência nele. Ganhou dezenas de milhões de dólares em doações e prestou consultoria nos Departamentos de Energia e Segurança Interna, na National Institutes of Health e no Banco Mundial.
Porém, o problema de ser um especialista em algo é que a nossa experiência, por vezes, pode arrastar‑nos tanto para o fundo da toca do coelho daquilo que nos ensinaram, disseram e condicionaram a fazer e a pensar, que não conseguimos ver além disso. Mesmo os melhores e mais brilhantes padrões de comportamento e de pensamento dos quais poderão não se aperceber são, na melhor das hipóteses, não ideais. Ou, na pior das hipóteses, simplesmente idiotas.
Klotz descobriu o seu ponto cego há alguns anos. Aconteceu quando foi superado por uma pessoa hesitante no que diz respeito à utilização da casa de banho e que acreditava sinceramente no coelhinho da Páscoa. O seu filho de três anos, Ezra. Klotz estava a mostrar a Ezra os fundamentos da engenharia. Os dois estavam a construir uma ponte com legos. Tinham feito o tabuleiro — a parte da ponte por onde as pessoas caminham ouconduzem — e cada um estava a construir um pilar para elevar o tabuleiro.
Porém, quando conectaram tudo, a ponte revelou‑se instável. O pilar de Ezra era mais curto do que o deKlotz, o que fazia o tabuleiro ficar num ângulo estranho. O doutor em engenharia tinha a solução. Procurou mais peças no balde dos legos para elevar o pilar mais curto. Após ter encontrado as peças certas, olhou para cima e viu que Ezra tinha feito algo notável. Removera peças do pilar mais alto.
E esta foi claramente a melhor coisa a fazer em comparação com o acrescento de mais peças —disse‑me. A ponte não estava apenas nivelada, como também era mais estável, por estar a uma altura mais baixa. A solução de Ezra também recorria a menos legos, o que dava a ambos mais recursos para a construção de uma cidade inteira à volta da ponte. Para Klotz, foi um momento elucidativo. Uma espreitadela fora da toca do coelho. Subtrair peças não lhe tinha sequer passado pela cabeça.
E então questionei‑me — disse — Será que negligenciamos a subtração enquanto forma de mudar as coisas? Klotz removeu as peças de um dos pilares e a ponte ficou novamente instável. Começou então a levar a ponte desequilibrada e legos a mais aonde quer que fosse. Quando os alunos de engenharia o consultavam durante o período em que tinha o gabinete aberto, a ponte aguardava em cima da sua secretária. Quando tinha reuniões improvisadas com colegas professores de engenharia, tirava a ponte e os legos da pasta. "Conserta isto", dizia a todos.
Juntas, estas pessoas tinham centenas de anos de escolaridade na resolução de problemas através de uma conceção eficiente, mas todos fizeram algo nada ao jeito de Ezra. Acrescentaram mais peças. Todos eles, superados por uma criança de 3 anos.
— Estava interessado em compreender a razão de ser tão contra intuitivo subtrair — disse Klotz. Assim, concebeu uma série de experiências.
Cada experiência deu a um grupo de pessoas um problema diferente para resolver. Numa experiência, osparticipantes tiveram de — adivinhou — estabilizar uma plataforma de legos. Noutra, tiveram de melhorar o fluxo de um buraco de minigolfe. Noutras experiências, os participantes tiveram de aprimorar dissertações, receitas ou itinerários turísticos. Foram oito experiências no total. Em cada uma, os participantes podiam resolver o problema acrescentando ou subtraindo elementos. O busílis é que subtrair era sempre a solução mais eficiente.
Consideremos a estabilização da plataforma de legos. Era uma mesa torta de uma perna só. A remoção do único apoio permitiria que a plataforma ficasse nivelada e robusta. E o buraco do minigolfe? Obstruído. Era como um buraco acumulador. O seu formato era em L, com ângulos, armadilhas de areia e coisas do género.
Klotz fez inclusivamente o possível por dissuadir a adição e incentivar a subtração. "Cobrava" aos participantes dinheiro falso por cada lego que acrescentavam à estrutura ou recurso que instalavam no buraco do minigolfe. Nalgumas experiências, disse inclusivamente aos participantes, "tenham presente de que podem acrescentar coisas bem como retirá‑las".
Não interessava. Os participantes puseram mãos à obra e imediatamente começaram a acrescentar. Uniram à estrutura todos os tipos de pilares de Instalaram moinhos de vento, para‑choques angulares e armadilhas de areia no buraco. Ao acrescentarem mais legos e obstáculos, os participantes resolveram o problema, mas fizeram‑no de forma ineficiente e a um custo mais elevado. As suas soluções consumiram mais tempo e mais recursos.
Klotz contou‑me a crítica imediata a estas experiências, especialmente a do lego. — É que as pessoas dizem, "oh, bem, estamos condicionados a acrescentar e a construir com legos". E a minha resposta sarcástica é, "bem, porque é que estamos condicionados a acrescentar e a construir com legos?" Mas eu percebo. Foi por esse motivo que desenvolvemos este estudo com grelha.
Neste "estudo com grelha", Klotz pediu aos participantes que trabalhassem com uma grelha de 25 por 25 centímetros num ecrã de computador. Alguns dos quadrados da grelha eram aleatoriamente de cor verde e os restantes eram brancos (imagine um jogo de palavras cruzadas). O objetivo era colocar os quadrados verdes num padrão simétrico. Os participantes podiam fazê‑lo clicando nos quadrados brancos para os tornar verdes ou nos quadrados verdes para os tornar brancos. Ao contrário da construção com legos, disse Klotz, esta experiência era desprovida de contexto social.
— Podíamos resolver a grelha acrescentando doze quadrados coloridos ou subtraindo quatro — disse‑me Klotz. E até dissemos às pessoas, "resolvam isto com o mínimo de movimentos e o mais rapidamente possível". Acrescentar estava obviamente errado. E ainda assim, a grande maioria dos participantes acrescentaram mais quadrados verdes, em vez de transformarem o excesso de quadrados verdes em brancos.
Klotz inverteu inclusivamente a equação numa das experiências. Forneceu aos participantes um programa demasiado extenso para uma viagem turística a Washington, DC. Incluía doze excursões diferentes. A seguir, perguntou ao grupo como é que piorariam aquele planeamento. A maioria dos participantes considerou ser pior remover as excursões, fazer menos, ainda que, objetivamente, fazer menos excursões tivesse aliviado o programa e conduzido a uma viagem realista.
A conclusão de todas estas experiências é esta: no cérebro humano, menos é igual a mau, pior, improdutivo; mais é igual a bom, melhor e produtivo. O nosso cérebro de escassez funciona por um padrão para mais e raramente considera menos. E quando consideramos realmente menos, pensa‑ mos muitas vezes que é uma porcaria.
— As pessoas ignoram sistematicamente a subtração disse‑me Klotz. — Se as pessoas pensassem em adição ou subtração, então, escolher acrescentar seria uma coisa. Mas se as pessoas nem sequer pensam nesta opção básica de subtração, então, isso é um grande problema. Esta é sem dúvida a questão mais fundamental acerca de como poderemos mudar e melhorar as coisas. Vou acrescentar, fazer mais, ou vou tirar, fazer menos? E estamos a descobrir que as pessoas ignoram sistematicamente a opção de subtrair e fazer menos.
A sua investigação foi capa da prestigiada revista Nature em 2021.
Assim que percebemos este fenómeno, percebemo‑lo por todo o lado. Para citar alguns exemplos recentes aleatórios: as leis federais são 17 vezes mais longas do que em 1950. Os lares americanos são três vezes maiores do que eram em 1970. Temos 233% mais roupa do que tínhamos em 1930. O tamanho das porções dos restaurantes é quatro vezes maior em comparação com 1950. Tudo, desde os nossos automóveis a frigoríficos, passando por micro‑ondas e cafeteiras, é maior e está repleto de recursos tecnológicos inteligentes (por exemplo, porque é que a minha máquina de lavar louça precisa de se ligar à nuvem?). Os novos reitores de universidades têm quase dez vezes mais probabilidades de adicionarem novos currículos do que de subtrair currículos que não estão a funcionar. "Sim, e…" é a regra da comédia de improviso, e o termo foi adotado como linha pela comunidade empresarial. Setores inteiros, tais como a academia e a medicina, experimentaram um aumento de 44% no número de administradores profissionais desde o início dos anos 2000. Criamos e consumimos hoje 90 vezes mais dados e informação do que há apenas 15 anos. Quadros de alto nível passam hoje em média 130% mais tempo em reuniões do que na década de 1960. Vou ficar por aqui.
Porém, não há nenhuma prova sólida de que qualquer uma dessas pistas para mais seja melhor. Consideremos as reuniões. Mais de dois terços dos gestores disseram que a maioria das suas reuniões são improdutivas e ineficientes. Disseram que este novo fluxo de reuniões impede que eles e os seus funcionários concluam tarefas importantes, interrompe o seu pensamento e (de forma bastante contraintuitiva), na verdade, afasta ainda mais as suas equipas.
Não é à toa que estamos a experimentar aquilo a que os investigadores dão o nome de "escassez de tempo". É uma sensação de que não temos tempo suficiente. A verdade é que temos mais tempo do que nunca, graças aos avanços na longevidade humana e à natureza mutável do trabalho. Mesmo assim, sobrecarregamos a nossa vida com tanta atividade compulsiva, coisas "para fazer", que nos sentimos pressionados.
De facto, todo o nosso sistema económico favorece a adição em vez da subtração. Julgamos o poder e a prosperidade de uma nação medindo o produto interno bruto (PIB). É uma medida de todos os produtos e serviços que um país produz. A única forma de melhorar o PIB? Adicionar. Faça mais, produza mais e extraia mais.
Este fenómeno de adição não é novo. A novidade é que agora temos muitíssimas outras formas de adicionar e peças com as quais podemos adicionar. Klotz explicou que existe de facto um "conjunto de forças biológicas, culturais, históricas e económicas que nos empurram para mais".
A seleção natural é como os bifes de 3,99 dólares que os antigos casinos costumavam utilizar para atrair jogadores. Tem sido grelhar até à morte. É provavelmente a teoria científica mais escrutinada de sempre. Propõe o seguinte: as características que nos fazem ter mais descendentes e sobreviver tornam‑se mais prevalentes com o tempo. Características que não são eliminadas.
Vejamos a escassez. Os antropólogos de Harvard escrevem que "a seleção natural atua mais fortemente não em tempos de abundância, mas em tempos de tensão e escassez". Afirmam que a escassez modificou fundamentalmente a mente e o corpo humanos. Configurou‑nos para adquirir e consumir.
Por exemplo, os seres humanos começaram a divergir dos seus antepassados símios algures entre 9,3 e 6,5 milhões de anos atrás, quando um período de arrefecimento global levou a uma escassez de alimentos na selva. Os macacos que eram um pouco mais altos e cobriam melhor o terreno conseguiam obter mais comida, sobreviver e espalhar os seus genes. Ao longo das gerações, estes macacos começaram a ficar de pé e a caminhar sobre dois pés, pois issopermitia‑lhes cobrir ainda mais terreno e evitar os perigos da escassez. Estes tornaram‑se os primeiros seres humanos. Evoluímos para adicionar e adicionar quase sempre fazia sentido nos nossos antigos mundos de escassez, pelo que se tornou o nosso padrão.
Porém agora, décadas de investigação descobriram que muitos dos nossos maiores problemas — tanto a nível pessoal como social — advêm da nossa capacidade moderna de satisfazer facilmente o nosso antigo desejo por mais. Os cientistas intitulam‑no de incompatibilidade evolutiva. Ocorre quando os comportamentos e as características que nos ajudam num ambiente nos prejudicam noutro ambiente.
Lembre‑se de que agora temos uma abundância de todas as coisas para as quais fomos configurados adesejar. Tudo, dos alimentos que comemos, à informação que digerimos, às escadas sociais que subimos e aos bens que possuímos mudou de formas que entram frequentemente em conflito com os nossos impulsos evolutivos. Obedecer consistentemente ao nosso desejo por mais no nosso mundo de mais parece estar a pôr muitos de nós doentes e infelizes de maneiras óbvias e inexploradas.
O nosso desejo por estímulo, comida rica em calorias, coisas que possuímos, informação, estatuto, entre muito mais, está a sair‑nos pela culatra no nosso mundo concentrado de drogas, comida de plástico, compras online, pesquisas no Google, redes sociais, entre outros. E as empresas criaram todo um arsenal de novas tecnologias recorrendo ao antigo ciclo da escassez para nos levarem ainda mais longe.
Infelizmente, não podemos resolver todos estes problemas modernos com uma qualquer dieta inovadora ou rotina de exercício físico, compromisso com a meditação, desintoxicação dos media ou um fim de semana ao estilo Marie Kondo. Lembre‑se, o nosso cérebro foi concebido para procurar e dar prioridade constantemente a "sinais de escassez". Aqueles sinais no nosso ambiente que nos fazem sentir como se não tivéssemos o suficiente. Eles desencadeiam a mentalidade de escassez.
"Este efeito de mentalidade de escassez manifesta‑se inclusivamente em pessoas relativamente ricas e abastadas", disse‑me Kelly Goldsmith, uma cientista da Universidade de Vanderbilt que estuda a forma como os sinais de escassez nos afetam. O seu trabalho revela que mesmo o mais ligeiro sinal de escassez — como o leite ou a tinta numa caneta chegar ao fim — compelia as pessoas que tinham muito a procura‑ rem mais de todos os tipos de coisas e a tomarem decisões que as prejudicavam a longo prazo.
— Descobrimos que quando ameaçamos o acesso das pessoas às coisas do quotidiano, elas se apoderam de mais para si e são menos propensas a dar aos outros —, disse Goldsmith. Mais faz com que nos sintamosseguros. Como se estivéssemos a fazer algo para resolver este problema de escassez apercebido.
E se não conseguirmos saciar imediatamente a nossa sede por mais, a ideia do que nos falta consome‑nos. A Associação Americana de Psicologia explicou, "a nossa mente é menos eficiente quando sente que falta alguma coisa — seja dinheiro, tempo, calorias ou até mesmo companheirismo".
Lembre‑se daquilo que o pai da Psicologia americana, William James, disse acerca de como a nossa vida é oculminar daquilo a que prestamos atenção. Poder cerebral que poderíamos ter usado para planear antecipadamente e resolver problemas reais ou simplesmente ficarmos satisfeitos e desfrutar da nossa condição atual é sugado por um vórtice de desejo.
"Esta privação", escreveram os cientistas, "poderá conduzir a uma vida absorvida por preocupações que impõem défices cognitivos contínuos e reforçam ações autodestrutivas".
Isto é linguagem científica para "ficamos obcecados e fazemos coisas idiotas e isso prejudica‑nos".
E, no entanto, não fomos concebidos para saber quando cometemos excessos. O progresso proporcionou‑nos mais e melhor de tudo, mas raramente paramos e o apreciamos. Fomos projetados para nos habituarmos e subir a fasquia. Queremos tudo ainda mais, ainda melhor.
Conforme afirmou o neuroendocrinologista e vencedor da bolsa MacArthur Genius, Robert Sapolsky: "Se fôssemos concebidos por engenheiros, à medida que consumíssemos mais, desejaríamos menos. Porém, a nossa tragédia humana frequente é que quanto mais consumimos, mais fome temos. Cada vez mais, mais rapidamente e mais fortemente. O que ontem foi um prazer inesperado é aquilo a que temos direito hoje eaquilo que não será suficiente amanhã".
O lendário treinador de basquetebol Pat Riley deu a isto o nome de "doença de ter mais". Ao longo da sua carreira, tendo acumulado oito títulos em campeonatos da NBA como treinador ou diretor‑geral, apercebeu‑se de que as equipas campeãs de todos os desportos normalmente não conseguem vencer novamente no ano seguinte. "O êxito", escreveu ele, "é muitas vezes o primeiro passo em direção ao desastre". Inicialmente, os atletas profissionais só querem mais vitórias. Mas assim que ganham um campeonato, o "mais" muda. Começam a concentrar a sua atenção numa escassez recentemente percebida. Agora, querem mais patrocínios, mais tempo de jogo, mais dinheiro, mais reconhecimento individual.
É possível inclusivamente observar isto a desenrolar‑se em exames ao cérebro. Uma investigação da Universidade de Cambridge mostra que o nosso cérebro altera a sua resposta química a uma recompensa com base nas nossas experiências e expetativas passadas. Por exemplo, digamos que ganha‑ mos um milhão de dólares. Parece ótimo, certo? Assim é.
Mas apenas se tivermos antecipado ganhar menos de um milhão. Se esperávamos ganhar um milhão, nesse caso, é bom. Porém, se planeámos ganhar dois milhões, ganhar um milhão será uma deceção.
Subtrair, é claro, não é inerentemente melhor. Nem o é adicionar. Simplesmente, temos andado a adicionar há muito, muito tempo. E agora há mais indústrias a descobrir o ciclo da escassez e a aproveitá‑lo para nos acelerarem rapidamente em direção a mais.
Ao seguirmos o padrão da adição, fazemos frequentemente escolhas que, na melhor das hipóteses, não são as ideais. Ou, na pior das hipóteses, são simplesmente idiotas. A resposta, todavia, nem sempre é subtrair. Menos pode conduzir ao seu próprio conjunto de problemas. Precisamos de fazer a pergunta mais profunda e considerar como podemos encontrar o suficiente. Nem muito, nem muito pouco. Para encontrar o suficiente, precisava de descobrir e saber mais acerca de todos os lugares onde existe o ciclo da escassez, na tecnologia e para além dela. Precisava de descobrir onde, porquê e até que ponto estamos a ser empurrados. Precisava deser intencional e compreender, profundamente, a razão de entrarmos no ciclo e os motivos das forças maiores que o estão a utilizar.
Thomas Zentall descobriu algo engraçado acerca dos seus pombos apostadores.
— Normalmente, mantemo‑los em gaiolas pequenas e parecem adaptar‑se bastante bem a viver sozinhos em gaiolas — disse ele. Todos os números, dados e cálculos sugerem que a sua vida é boa. — Porém, por vezes, colocamo‑los em gaiolas grandes. Vivem mais como viveriam na natureza.
Podem socializar, mas não apenas socializar: a gaiola foi projetada para se parecer mais com o seu ambiente natural. Voam um pouco e vão para poleiros, que é onde normalmente andam na natureza.
Questionou‑se acerca do que aconteceria se presenteasse os pombos com os dois jogos depois de terem passado algum tempo a viverem como um pombo no seu habitat natural.
— Depois disso, as aves começam a escolher de forma otimizada — disse Zentall. — Escolhem o primeiro jogo. O jogo sem risco.
Zentall disse‑me: — Existe um modelo denominado estimulação ideal. Afirma que os animais e nós, seres humanos, temos um nível de estimulação que preferimos e, quando fica abaixo disso, procuramos estímulos. Descobrimos que, se os pombos tiverem formas alternativas de estimulação mais parecidas com a sua vida na natureza, isso parece reduzir a probabilidade de escolherem o jogo de azar durante um período substancial de tempo.
Os pombos conseguiram perceber, de certa forma, que já tinham o suficiente. Estavam satisfeitos com o quetinham, desejavam menos e não queriam escapar para o ciclo da escassez.
— E quando pensamos nos seres humanos hoje — continuou Zentall —, acho que muitos de nós ficamos entediados com a facilidade de obter Passamos menos tempo a explorar e a procurar comida. Passamos menos tempo no exterior. Os nossos mundos sociais mudaram. Por isso, procuramos outras formas de preencher esta lacuna na estimulação, de nos distrairmos ou de nos confortarmos. — É mais provável que tal como os pombos não estimulados em gaiolas pequenas e estéreis, caiamos num ciclo de escassez fabricado. Preenchamos a nossa vida com um consumo irracional e contraproducente. — Quando as nossas necessidades não são satisfeitas — disse Zentall —, jogamos, fazemos compras online, comemos só por comer, usamos excessivamente as redes sociais ou até drogas.
No extremo do cérebro de escassez, disse Zentall, está a adicção. Viu comportamentos de adicção nos seus pombos degenerados que vivem em gaiolas estéreis, sem estímulos. Os seus colegas observaram‑no em ratos de laboratório e outros animais que vivem da mesma forma. "E, em muitos aspetos, os seres humanos não são muito diferentes dos meus pombos", disse‑me Zentall.
Zentall alude a uma nova e controversa teoria da adicção. Desde a década de 1990, julgamos que a adicção é causada por fenómenos químicos invisíveis nas profundezas do cérebro, mas há pensadores como Zentall que têm vindo a perceber que temos mais em comum com os pombos e outros animais sem estímulos do que poderíamos imaginar. E as suas teorias não se aplicam apenas às drogas e ao álcool. É uma estrutura que pode ajudar‑nos a compreender a origem de qualquer hábito que proporcione conforto a curto prazo em detrimentodo crescimento e da realização a longo prazo.
Agora que começara a ligar o ciclo da escassez ao cérebro de escassez, estava na altura de deixar a segurança de minha casa. Se realmente queria perceber como domar o cérebro de escassez, precisava de conhecer pessoas nos extremos. Pessoas à procura de respostas no mundo real e não apenas em laboratórios esterilizados e através do Zoom.
Esse extremo cérebro de escassez parecia‑me um bom ponto de partida. Primeira paragem, Bagdad.
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