Beyoncé lançou na sexta-feira, dia 29 de março, o seu primeiro álbum country, "Cowboy Carter", um projeto que tem chamado a atenção para a longa história dos artistas negros no estilo musical, e que enfatiza os esforços para mudar a narrativa de uma indústria maioritariamente masculina e branca, com o fim de criar uma Nashville mais inclusiva.
"Quando vemos alguém que está no topo da sua arte e está a arrasar, pensamos: "Fogo, podia ser eu", é muito emocionante", contou Williams à AFP.
Por isso, a cantora acredita que o disco de Beyoncé seja um "momento histórico para colocar o country negro em destaque".
Williams é uma das cerca de 200 artistas associados ao Black Opry, um grupo que há três anos apresenta e amplifica as vozes de artistas negros que trabalham em géneros como country e folk.
"Sempre fui uma grande fã de música country e sempre senti-me isolada nesta experiência. Especialmente como mulher negra queer, não vemos muita representatividade, nem nos artistas, nem nos fãs, nem no material de marketing", explicou a fundadora do Black Opry, Holly G.
"Quando comecei o Black Opry, percebi que estamos todos nisto, só que não temos a mesma plataforma nem as mesmas oportunidades que alguns dos nossos colegas brancos", defendeu.
Resistência à mudança
O nome do grupo é uma referência direta ao Grand Ole Opry, o quase centenário espaço de apresentações country cuja história complicada foi marcada por intérpretes negros, mas que ao longo do tempo também se destacou por artistas e líderes políticos ligados a ideologias racistas.
A marginalização de artistas negros na música country ganhou importância após o álbum de Beyoncé, diz Charles Hughes, autor do livro "Country Soul: Making Music and Making Race in the American South" (Alma do Country: Fazer Música e Fazer Cor na América do Sul, em tradução livre).
Hughes espera que o "efeito Beyoncé" lance os músicos e compositores do género que têm trabalhado arduamente para "abrir portas".
O country é um estilo musical essencialmente americano, com influências africanas: o banjo, por exemplo, surgiu de instrumentos trazidos para a América e para o Caribe pelos escravos no século XVII.
No entanto, o country contemporâneo desenvolveu uma imagem predominantemente branca, machista e conservadora, e os líderes da indústria resistem à mudança.
No início do século XX, a indústria musical adotou rótulos para catalogar as músicas nos rankings de mais ouvidas, como "hillbilly" (provinciano) para a música feita por brancos e "race records" (gravações de cor) para a música americana de raízes negras, classificações que mais tarde evoluíram como country e R&B, respectivamente.
"Esta separação inicial era baseada apenas na cor da pele, e não no som da música", afirma Holly G.
As divisões permanecem até aos dias de hoje, o que significa que os músicos negros - e especialmente as mulheres negras, já que para as artistas femininas em geral é muito mais difícil ter sucesso nas rádios country - enfrentam enormes obstáculos para entrar na corrente dominante.
"A música pode soar exatamente igual à das outras pessoas na rádio, e dizem-me: 'A sua não é country'", explica à AFP Prana Supreme, integrante do duo de country mãe-filha O.N.E. The Duo.
"A minha esperança é que, daqui a alguns anos, a menção da raça de um artista, no que diz respeito ao lançamento de géneros musicais, seja irrelevante", declarou Beyoncé recentemente.
Mas Holly G não acredita numa mudança na indústria até acontecer. Acha que "Beyoncé é uma das celebridades mais poderosas do mundo. E foi capaz de aproveitar isso para ter sucesso neste espaço".
"Mas acho que isso se deve ao fato da indústria sentir-se intimidada por Beyoncé", pontuou, "não porque estejam abertos a apoiar mulheres negras".
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