Como surge a ideia para o argumento da sua primeira longa-metragem?
Quando tinha 18 anos, eu fui para Londres estudar cinema. Cheio de grandes sonhos... Mas a vida lá fora não foi sempre a mais agradável. Houveram vários momentos difíceis, de grandes sacrifícios, dúvidas, etc. No entanto, quando eu regressava a Portugal e estava com a minha família, dizia sempre que “estava tudo bem”. E eles diziam-me o mesmo. Com tempo, apercebi que estávamos todos a sofrer, tanto quem fica, como quem sai, mas, no entanto, tal nunca era falado. Era quase tabu admitir que este “primeiro adeus” é difícil.
Quando falei desta situação com alguns amigos e colegas, apercebi-me que não era o único. Estes sentimentos eram bastante universais e no entanto, eu nunca tinha visto um filme que realmente os explorasse. Querendo abrir a conversa sobre este tema do “ninho vazio” foi o que me levou ao argumento de “A Minha Casinha”.
Quando pais têm filhos, eles sacrificam muitas coisas por nós, e um dia, do nada, nós vamos embora. Eles passam décadas a trocar amigos, sonhos, carreiras, pelos filhos, e depois nós ‘damos de frosques’. De um dia para o outro, a casa fica vazia e os pais têm de mudar as suas prioridades e olhar para eles próprios como já não faziam há vários anos. No entanto, também é necessário aos jovens sair de casa (algo que infelizmente em Portugal, somos dos países que os jovens saem mais tarde de casa dos pais) e crescerem. E não é fácil a quem sai, quando eventualmente chega a casa e sente que já mudou tanto quando estava para fora, que já não é mais a pessoa que eles se lembram.
Por isso, eu queria que este filme servisse como uma carta de amor aos sacrifícios e esforços invisíveis que todos os pais fazem pelos filhos para que eles “voem”, mas também à necessidade de emancipação pela parte dos filhos para que voem alto.
Porquê esta temática da emigração?
Infelizmente, quer queiramos ou não, Portugal é um país de emigrantes. Ao longo dos séculos, os portugueses viajaram pelo mundo em busca de melhores oportunidades. Agora, o mesmo ciclo continua de uma maneira diferente. 'A Minha Casinha’' serve como uma reflexão das narrativas modernas de migração. No século 21, à medida que os jovens deixam Portugal em busca de melhores oportunidades no estrangeiro, nós queríamos que o filme explorasse as tensões emocionais e conexões que surgem dessas partidas.
Com o intuito de encontrar paralelismos com as viagens da geração dos nossos pais, que também por si tiveram de emigrar ou então de ficar presos num país estático, um país que apesar de já ter saído há muitos anos de uma ditadura, ainda se encontra numa “ditadura de mentalidades”.
Contudo, apesar do filme ter um elemento grande de emigração, o seu tema pode ser aplicado a qualquer pessoa, não só as que emigraram.
O fundamental da história é o facto de todos termos de um dia, mais cedo ou mais tarde, dizer adeus à “nossa casinha”, aos nossos pais e à nossa família e traçar o nosso próprio caminho.
É um tema já muito falado ao longo dos últimos anos. Acha que o seu filme consegue trazer uma perspetiva nova?
“A Minha Casinha” demonstra uma perspetiva que ainda não vi em nenhum outro filme: A perspetiva de todos... Dos pais e dos filhos. Não tomamos partido de quem certo e quem está errado, pois na realidade ninguém está certo e ninguém está errado.
É normal para os filhos terem de crescer e sair do “ninho” mas também é normal e compreensível que tal seja complicado para os pais, que de repente têm de olhar para a sua vida de uma maneira diferente.
“A Minha Casinha” é um filme que celebra a beleza das imperfeições, enquanto navega pelas dificuldades de pais redescobrindo-se e filhos lidando com a independência.
Outro fator bastante diferenciador do filme é a estrutura narrativa e a maneira como foi filmado. Filmado ao longo de um ano durante as diferentes estações, nós vemos a família apenas quando o filho regressa nas férias da universidade. Isto coloca a audiência nos “sapatos” das personagens e faz com que os espectadores estejam a descobrir o que aconteceu ao mesmo tempo que eles. A cada estação, uma nova revelação, um novo desafio e uma nova perspetiva sobre as complexidades de crescer e envelhecer. Da calorosa primavera à introspeção do inverno, às vibrantes cores das folhas de outono, o filme captura não apenas a beleza visual, mas também a paisagem emocional da dinâmica familiar, encapsulando a dificuldade das transições da vida.
Foi fácil arranjar financiamento para o filme?
Arranjar financiamento para um filme em Portugal não é difícil. É quase impossível. Especialmente quando se tenta fazer um filme diferente, que não encaixa perfeitamente na categoria de “filme de autor” nem na categoria de “filme comercial”.
Isto, pois a indústria em Portugal é bastante binária no tipo de filmes que é possível fazer. Regra geral, temos:
- O filme considerado “artístico” que recebe o selo dos festivais de cinema, tem temas bastante profundos, mas não tem interesse nenhum em trazer um grande número de pessoas à sala de cinema para o ver... Estes são habitualmente financiados pelo ICA e depois muitos poucos Portugueses os veem ou têm interesse em ver.
- Ou o filme considerado “extremamente comercial”, o que em Portugal quer dizer comédias simples, que entretêm mas não têm muito “conteúdo”, só que chegam a um grande número de espectadores.
E estes dois tipos de cinemas devem existir, obviamente. Mas penso que não deviam ser a única maneira de se fazer filmes.
Penso que deve haver espaço para filmes que entretêm e ao mesmo tempo façam refletir, comerciais e artísticos. E foi com esse intuito que fiz “A Minha Casinha”. Só que assim tornou bastante difícil encontrar financiamento em Portugal.
Para finalizar este filme, tivemos de usar todas as nossas poupanças, fazer uma campanha de crowdfunding e pedir favores a todos os atores e equipa técnica (que trabalharam a custo reduzido por gostarem da história e do projeto).
Para além disso, e também crucial para conseguir fazer este filme, foi o apoio logístico do município de Baião.
Porque escolheu rodar o filme em Baião?
A procura do local de filmagens de “A Minha Casinha” foi bastante extensiva, não só pelo continente, mas também pelas ilhas.
Contudo, sabíamos que para conseguir fazer este filme sem nenhum financiamento do Estado, precisaríamos de encontrar um município que acreditasse no projeto e tivesse os recursos necessários para o conseguir apoiar logisticamente.
Mal encontrámos Baião, sabíamos que eram os parceiros certos. A região era de uma beleza magnífica, tendo vistas de cortar a respiração. Lembro-me do momento em que vi a estação de comboios pela primeira vez. Fiquei apaixonado.
Mas para além desta beleza do território, os membros do município também se mostraram bastante cooperantes, com uma atitude incrível para ajudar. Por exemplo, Rafael Pereira ficou encarregue do projeto a nível logístico e revelou ter instintos incríveis como produtor, conseguindo ajudar-nos a obter tudo o que precisávamos e mais. Ele foi tão excecional que eventualmente até o trouxemos a bordo da equipa, tornando-o Diretor de Produção.
Baião foi mesmo uma parceria única, não só pela parte do município, como eventualmente pela parte das próprias pessoas, que nos abriram as portas de casa deles com uma simpatia pouco comum hoje em dia.
Que desafios teve pela frente e que lições reteve das filmagens em Baião?
Um dos grandes desafios deste filme foi filmar narrativamente de acordo com as estações, pois isso queria dizer que precisávamos de apanhar a região em quatro estações diferentes, ou seja, os atores e locais tinham de se manter disponíveis sempre que regressávamos, ao longo do ano, o que nem sempre foi fácil.
Mas para tal, decidimos que o que quer que acontecesse quando não estávamos a filmar, nós iríamos incorporar na história, durante a elipse temporal. Ou seja, por exemplo, se um ator, cortasse o cabelo para outro projeto, então a personagem também o teria feito.
Outro enorme desafio foi ter filmado uma das estações pouco após a invasão da Ucrânia pela Rússia. A nossa produtora e diretora de fotografia, Anastasiia Vorotniuk, é Ucraniana e por isso foi incrivelmente difícil para ela. Contudo, apesar da sugestão de adiarmos, a Anastasiia teve um espírito e uma força impressionante, e quis até continuarmos com as filmagens, para de certa maneira, a distrair de tantas notícias terríveis que vinham e continuam a vir. Quase que filmar tornou-se terapêutico.
Uma das grandes lições que retive destas filmagens foi preparar o máximo possível, mas ser flexível e estar sempre pronto a mudar o plano. Isto é importante não só para rodagens, mas também para a vida. Vivemos em tempos difíceis e é importante sermos flexíveis, pois por muito que planeemos a nossa vida, nunca se sabe o que é que aí vem...
Como recebeu a distinção do público na estreia mundial, na 30.ª edição do Festival de Cinema de Austin?
Foi uma surpresa enorme termos ganho tal distinção. Apenas ter o filme no Festival de Cinema de Austin já foi um sonho tornado realidade, não só por ser um festival de qualificação aos Óscares, mas também por já ter impulsionado filmes de realizadores como Richard Linklater, Greta Gerwig e Darren Aronofsky. Poder partilhar o mesmo ecrã com filmes como os destes gigantes do cinema é um privilégio. Por isso, ganhar um prémio ainda por cima, foi mesmo algo de outro mundo.
Nós estávamos com bastante receio da reação do Público Americano, pois “A Minha Casinha” era dos poucos filmes estrangeiros. Contudo, na sala de cinema, foi incrível o quão o filme lhes tocou. Fê-los rir, chorar, surpreender... A reação foi espetacular.
Mas mesmo assim, nunca na vida esperávamos ganhar o Prémio do Público, especialmente com a competição que tínhamos, alguns filmes que agora foram nomeados aos Globos de Ouro e até ganharam.
Por isso, foi uma sensação incrível, provando-nos realmente que não é dinheiro que importa, mas sim uma história que toque as pessoas. E esta sem dúvida tocou os Americanos...
Qual o percurso que antevê para o filme depois da estreia nacional?
O nosso intuito depois da estreia nacional é estrear o filme em cinemas pelo resto da Europa e América, com um foco grande em França, Reino Unido e Estados Unidos.
Como os temas são bastante universais, qualquer audiência irá se conseguir relacionar com a história.
Em Portugal, posteriormente o filme irá para streaming, canais de Televisão e eventualmente encontrará a sua “casinha” na RTP.
Depois da incursão inaugural nas longas-metragens, está já a preparar um segundo filme?
Sim, estou agora a preparar uma segunda longa-metragem internacionalmente, que será provavelmente uma co-produção entre Portugal, Reino Unido e Estados Unidos. O meu objetivo de carreira é conseguir mudar ligeiramente o paradigma do cinema português. Hoje em dia, quando alguém ouve “filme português”, quase que estremece. Eu quero que isso mude e que os portugueses comecem a apostar mais em cinema feito por nós. Só que sabemos que isso será um processo bastante demorado. “Roma não se construiu num dia” e por isso ‘A Minha Casinha’ foi o meu primeiro passo, fazendo com que os portugueses que foram ver, tenham visto que se pode fazer algo diferente em Portugal. As reações foram mesmo bastante positivas e penso que esse é a primeira etapa: Haver cinema diverso no nosso país (Para tal, o financiamento terá também de aceitar apoiar mais cinema como este). Lentamente, com tempo, os portugueses que apostarem num bilhete de cinema português vão começar a gostar e a chamar outros portugueses para se desmitificar esta ideia de que “um filme português é aborrecido”.
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