“Foi no tempo das cerejas que nasceu, pra grande orgulho esta menina encantada. Do dia, não há certezas”. Nem todos os princípios das boas histórias se desfiam com um “Era uma vez…”. Assim é no livro que a fadista Carminho dedica à menina nascida no Fundão, em julho de 1920, tornada nome maior de Portugal e que, hoje, “descansa” no Panteão Nacional.
Um conto de princesas tendo como mote Amália Rodrigues? Também, porque com o encanto de todas as histórias de superação. Da família que deixa as serranias das beirãs e chega à cidade grande, da criança que no coração e na alma aconchega a música e que se torna a maior embaixadora da cultura portuguesa. Carminho que por inúmeras vezes já cantou a diva da canção nacional, recorda-a em “Amália, já sei quem és”, obra endereçada ao público infantil, que nasce com ilustrações de Tiago Albuquerque.
À conversa com Carminho percebemos as motivações da cantora e compositora para um livro que é “uma passagem de testemunho de geração em geração”, uma “celebração da Amália”, no ano em que volve um século sobre o seu nascimento. Uma viagem à vida e obra da fadista contada em sextilhas, uma das formas poéticas utilizadas no Fado tradicional. Linhas que também nos trazem curiosidades: Amália nunca vendeu limões.
Conversa onde temas como a determinação, o arrojo e a coragem são palavras presentes e onde a autora, entre outros, dos álbuns “Fado”, “Alma” e “Canto”, não esquece que “Amália foi professora na linguagem do Fado e eu identifico-me com ela”.
Carminho, este livro marca a sua estreia nos escaparates. Quer contar-nos como nasce “Amália, já sei quem és”?
Este livro nasceu de uma proposta que chegou pela editora Penguin Random House, na pessoa da Joana Gonçalves, a editora da chancela infantil Nuvem de Letras, que me desafiou a escrever a biografia da Amália para crianças. Fiquei logo bastante entusiasmada e aceitei.
As histórias contadas às crianças vão preservando e imortalizando a memória destas figuras maiores, porque vão dando a conhecer e há uma passagem de testemunho.
Porque endereça o livro, especificamente, ao público infantil? Prende-se com a preservação da memória de Amália Rodrigues?
Uma das razões pela qual aceitei e que gostei tanto deste desafio foi exatamente por acreditar que as histórias contadas às crianças vão preservando e imortalizando a memória destas figuras maiores, dando-as a conhecer. Há uma passagem de testemunho de geração em geração dos feitos e da importância que estas figuras, nomeadamente a Amália, têm no mundo.
Carminho, para além da homenagem aos cem anos sobre o nascimento de Amália, o seu livro é uma viagem emocional à vida da fadista. O que mais a tocou ao rememorar esta vida?
Este livro é uma celebração da Amália, da vida dela e do percurso que teve, neste ano tão especial em que celebramos os seus cem anos. Este desafio levou-me a mergulhar mais profundamente na vida da fadista, uma vida que eu conheço bem. Contudo, ao pesquisar, há sempre novos detalhes que se vão descobrindo. Foi muito bonito voltar às suas conquistas e à sua determinação. É sempre bom relembrar, e é isso que também quero deixar às crianças, a determinação de uma pessoa que nunca desistiu, que desde criança sonhou ser o que queria ser e lutou, foi muito determinada, muito arrojada, teve de ser muito corajosa, porque enfrentou tempos difíceis. Acabou por ficar na vida das pessoas com toda a dignidade e com todo o amor que ela merece.
Uma vida tão preenchida como a de Amália dá-nos episódios de grande riqueza. Quer partilhar connosco alguns deles que tenham sido uma descoberta ao escrever o livro?
Ao fazer a pesquisa descobri, realmente, alguns pormenores e detalhes que me escapavam, por isso tive a preocupação de procurar sobretudo documentação que estava no discurso direto, na primeira pessoa, dito pela própria Amália, para ser fiel à sua vida e à verdade. Uma delas, que ficou na cabeça da maioria das pessoas, é que a Amália vendia limões. Ela quis reforçar a ideia de que nunca vendeu limões, mas que vendia vinho com a sua irmã Celeste no porto de Alcântara. São detalhes que não mudam muito o correr da história, mas que se aproximam mais da pessoa da Amália. O facto do avô de Amália ir para a janela contar quantas pessoas paravam para a ouvir cantar o Fado, numa rua em êxtase, também é um dos pormenores que eu mais gosto do livro.
A Amália é uma figura que está presente na minha vida desde sempre, é uma figura não só importante do ponto de vista histórico, mas também como bússola.
Enquanto fadista e vindo de uma família onde o fado é uma presença marcante que afinidades encontra entre si e Amália Rodrigues?
A Amália é uma figura que está presente na minha vida desde sempre. É uma figura não só importante do ponto de vista histórico, mas também como bússola de várias decisões que muitas vezes temos de tomar nesta linguagem. A Amália foi professora na linguagem do Fado e identifico-me com ela no sentido de que admiro a sua coragem e determinação, nunca desistindo e tendo a coragem de dar passos audazes dentro da linguagem e fora dela também, mas sem medo. Gosto muito do facto de Amália ser muito destemida e determinada. Ao rever a sua história, inspiro-me sempre e, a Amália, volta a ser para mim uma referência dessas qualidades.
Presumo que houve um trabalho estreito com o ilustrador Tiago Albuquerque. Encontra na ilustração a poética que imprimiu à sua escrita?
O trabalho a par com o Tiago Albuquerque foi importantíssimo, porque propus-me escrever este livro em verso e em sextilhas, uma das formas poéticas utilizadas no Fado tradicional. Isto para levar mais informação às crianças sobre o que é a linguagem do Fado. Tem de se ser mais preciso e tentar pôr o máximo de informação possível em seis frases que rimam. A ilustração é muito importante para suportar e apoiar a escrita. Por exemplo, há um capítulo que fala da primeira casa de Fados onde Amália cantou e onde foi muito relacionada. Por lá passaram vários artistas de referência a cantar. A ilustração alusiva tem escrito “Retiro da Severa”, a primeira casa de Fados onde Amália cantou. Na parede vemos umas fotografias do Marceneiro e da Hermínia Silva que eram os artistas cabeça de cartaz na casa de Fados na época.
Foi-se fazendo uma composição que ajuda a trazer mais informação à história. No caso da ilustração onde se recorda a gravação em Londres no Abbey Road, há uma fotografia dos Beatles pendurada na parede. Assim, as pessoas relembram que era o estúdio onde os Beatles gravaram muitos dos seus discos. Isso é muito importante porque casa a ilustração com o texto.
“Amália, já sei quem és” vai ser o primeiro livro que vai ler ao seu bebé?
Vou ter muito gosto em ler este livro ao meu filho porque acredito que ele também vai gostar desta figura maior que é a Amália Rodrigues e espero que ele se inspire nas suas qualidades e no seu percurso.
Comentários