Nos últimos anos, temos sido desafiados a alterar uma série de comportamentos e hábitos de consumo com o intuito de diminuir a nossa pegada ecológica. A conversa não é nova e remonta, pelo menos, há mais de vinte anos num tempo em que um macaco – o Gervásio – nos entrou pela casa dentro e mostrou como era fácil reciclar.
O uso excessivo do plástico é um dos grandes problemas do planeta. Se refletirmos, desde que nos levantamos, ao momento em que nos deitamos, o plástico está mais presente nas nossas vidas do que imaginamos. Desde a escova de dentes, o porta-chaves, a cadeira em que nos sentamos, o teclado do computador em que escrevemos, a caneta onde anotamos coisas, a capa de telemóvel, a armação dos óculos de sol, as embalagens onde acondicionamos comida ou bebida, até à roupa que usamos, o plástico está presente.
Versátil e duradouro, que material é este? Em colaboração com o Vitra Design Museum e V&A Dundee, o MAAT inaugurou na quarta-feira, dia 22 de março, a exposição Plástico: Reconstruir o Nosso Mundo, dividida em três secções, que nos leva a conhecer a história deste material, hoje em dia tão banalizado.
“Para mim, a mensagem principal desta exposição é começarmos a pensar o plástico de outra forma, dar-lhe um novo valor e qualidade. Há plástico de boa qualidade e ainda é fantástico para diversas coisas, se o usarmos onde realmente faz sentido e onde não há alternativa melhor”, explica Anniina Koivu, curadora da exposição, consultora e professora de design.
Breve história do material que moldou as nossas vidas
Na primeira parte da exposição, os visitantes podem assistir a uma instalação videográfica, da autoria de Asis Khan. Num ambiente escuro e imersivo somos convidados a fazer uma viagem pelos oceanos e pelas suas diferentes formas de vida, mas também pelos ciclos de vida do plástico que terminam em milhares de partículas no fundo dos mares.
Seguimos para a segunda secção, onde o letreiro “Synthetica” salta-nos à vista. Vitrinas enchem-se de história e objetos vindos de vários espaços de arte do mundo. Aqui viajamos até à Antiguidade onde o plástico era outro: de origem natural.
A utilização industrial de recursos como o marfim dos dentes de elefantes, hastes, chifres e cornos de animais selvagens, carapaça de tartaruga ou o âmbar era muito comum. Ora em peças de decoração, produtos pessoais como pentes, instrumentos musicais como nas teclas do piano, ou em lazer como nas bolas de bilhar. Contudo, estas matérias foram-se tornando cada vez mais escassas devido ao aumento da indústria que levou à extinção de algumas espécies.
Assim, era necessário encontrar alternativas e é aqui que surge a primeira espécie de plástico: a celuloide, também conhecido como Parkesine. Criada pelo químico Alexander Parkes, foi o primeiro plástico feito pelo homem. Mais barato e com a possibilidade de colorir começou por imitar materiais mais caros como o coral, a carapaça de tartaruga, o âmbar ou madrepérola, permitiu uma maior acessibilidade e democratização do consumo. A aplicação de maior sucesso da celuloide foi nas películas de filmes.
Começou a ser possível repetirem-se peças, e não apenas produzir uma só. Devem imaginar como é que os designer enlouqueceram com esta ideia. De repente tudo era possível
Contudo, “o grande passo realmente aconteceu em 1907 quando um homem chamado Leo Baekeland, um cientista belga, inventou a baquelite”, explica Anniina Koivu. Este foi o primeiro plástico sintético, uma combinação química do fenol com o formaldeído, que veio revolucionar o mundo.
A baquelite era mais barata que a celuloide, e além disso, era moldável e esse processo era extremamente rápido, permitia uma produção em massa. “Começou a ser possível repetirem-se peças, e não apenas produzir uma só. Devem imaginar como é que os designer enlouqueceram com esta ideia. De repente tudo era possível”, conta a curadora.
Este produto era bastante resistente, mesmo submetido a altas temperaturas, o que o levou também a indústria elétrica e de telecomunicações a apaixonar-se pelo plástico e utilizá-lo nos objetos mais importantes como a rádio, gramofones ou colunas.
Avançando na exposição, avançamos também no tempo para sala da “Pós Modernidade”. Na década de 1920, a indústria petroquímica rendeu-se às propriedades destes polímeros e reúne esforços para promover a investigação nesta área. “A matéria em si era barata, mas fazer um molde era um grande investimento. Então havia um interesse grande da indústria em fazer do plástico um produto de massas”, explica Anniina.
Assim, nesta altura são descobertos outros plásticos como o polistireno, usado no isolamento, o cloreto de vinilo - vulgo vinil, o acrílico que imitava vidro, o nylon muito utilizado na indústria têxtil, e o polietileno, um dos plásticos mais versáteis e que ainda hoje utilizamos para a fabricar quase tudo o que embalamos.
Aqui percebemos também que o plástico foi muito importante durante a II Guerra Mundial e, na verdade, nos EUA a sua produção quadruplicou. Os pilotos sentavam-se em cockpits de acrílico, os paraquedas eram feitos de nylon e os impermeáveis de vinil. “Esta é a altura em que o plástico se torna ubíquo”, realça Anniina.
Foi neste período de guerra que também se alterou a forma como o público em geral via o plástico, uma vez que até aí, apesar de ser um material democrático, também era desconsiderado porque imitava matérias de valor superior.
Ainda na mesma sala, percebemos que a partir da década de 1950 a sua utilização começou a ser promovida na construção, com os edifícios pré-fabricados. Ainda hoje, em países como os EUA, utiliza-se muito o PVC para as paredes.
Outra vitória imperiosa do plástico nesta década foi nas cozinhas, onde começou por substituir as loiças de cerâmica, porcelana ou vidro. “Isto significou um alívio para as donas de casa que tinham de fazer menos trabalho e havia campanhas com isso: era mais rápido, mais fácil de limpar, mais higiénico e podiam assim disfrutar melhor do tempo”, lembra Anniina. Além disso, as cores garridas e o facto de ser inquebrável acabou por conquistar as gerações mais jovens.
“Provavelmente muitos de vocês lembram-se de ter bonecos de madeira, eu lembro-me. E depois apareceram as barbies que eram muito mais atraentes. Estava mesmo a acontecer uma mudança em tudo”, partilha a também designer.
De bestial a besta
Mas não se engane o leitor: a besta não é o plástico em si, mas sim o uso que se fez dele. Se por um lado a cultura do recipiente de plástico de longa duração de vida e reutilizado várias vezes, vencia; por outro também as embalagens descartáveis ganhavam terreno. “Na imagem que vemos atrás [de uma família a atirar ao ar loiça de plástico] ilustra que todos estes objetos que aqui estão levariam 40 horas a limpar. Então porque é que nos vamos chatear com isso, se podemos simplesmente usar e deitar fora?”, explica Annina.
A política de uso único começou a ganhar força com a utilização massiva de sacos de plástico – de polietileno - nas compras, ou ainda pelas embalagens de comida - de poliestireno -impulsionadas pelo espírito do self service onde a pessoa não teria de esperar porque já estaria tudo acondicionado em embalagens. Contudo a maior preocupação foram as garrafas de refrigerantes e de água, feitas de PET, que contribuíram em grande escala para o desperdício do plástico e a poluição dos oceanos.
E é neste momento da História, e da exposição, que começam a surgir os primeiros movimentos ambientalistas alertando para o impacto do plástico no meio ambiente. Curiosamente, os compostos químicos que o tornaram útil, versátil e duradouro, são também os que dificultam a sua decomposição que pode levar milhares de anos. “Os cientistas começam a alarmar-nos, indicando que algo está errado com o nosso consumo de plástico. E esta foi a primeira vez que o mundo começou a refletir sobre isto”, diz Anniina. E mais uma vez: é preciso procurar soluções.
Soluções: um mundo para explorar, mas existem boas hipóteses
Por fim, entramos na última sala, e também a terceira secção desta exposição, onde se apresentam soluções para o abrandamento, reutilização e reinvenção do uso como o conhecemos. Conhecemos diversos projetos e propostas para o futuro.
Os bioplásticos, ou seja, plásticos construídos de material biodegradável como algas, resíduos agrícolas ou cogumelos, estão na linha da frente, mas ainda a dar os primeiros passos.
Daniel Caramelo, designer e orador da talk que se realizou no âmbito da exposição, explicou uma parte da complexidade do tema. “Ainda não se tem certeza que os bioplásticos conservem tão bem por causa da propriedade-barreira. A maior parte da nossa alimentação, a que vem do supermercado embalada, tem propriedades barreira, isto é, propriedades para transição de oxigénio, ou de gás ou proteções à luz. E é um fator distintivo na aquisição destes materiais para o packaging”, explica.
Daniel trabalha com o grupo Nabeiro na conceção das máquinas de café e concorda que também passa pelos designers pensarem em alternativas para reduzir a pegada ambiental. “Por exemplo, na questão da logística. Nós conseguimos fazer embalagens, aquelas hexagonais, que ocupam menos espaço no transporte e assim estamos a diminuir o número de vezes que esse transporte tem de fazer para transportar a mesma quantidade de embalagens. Isto é uma coisa invisível, mas é uma preocupação nossa”, explica.
Também o ciclo de vida de um produto é importante e os designers têm um papel crucial neste parto, tal como explica Anniina. “Por exemplo podem desenhar produtos mais modulares, que podem ser desmontadas, em vez de descartadas num todo, ou seja, pensar no produto de forma a que se algo se estragar, poder ser reparada só aquela peça, em vez do produto todo”, diz.
Apesar de a exposição pôr na mão dos designers, cientistas e indústria, uma grande responsabilidade quer no problema, quer na solução, Anniina acredita que está nas mãos de todos fazer a mudança. “Não vamos mudar o mundo, mas podemos mudar pequenas coisas e atitudes”, começa por dizer. “O consumidor deve ser mais exigente, o designer mais atento e pensar na reparação. A indústria pode ser mais cuidadosa e investir na boa qualidade do material, porque há bom e mau plástico, como vemos na questão da reciclagem. Se todos começarmos a insistir na qualidade, algumas coisas podem mudar e melhorar”, diz.
Muitas das alternativas e projetos apresentados na exposição não estão aprovados, porque devem obedecer a uma série de testes e legislação que nem sempre é fácil quando se fala de um produto que ainda não é para as massas.
A curadora avisa porém que não há, e provavelmente não haverá, nenhum material que assuma exatamente a mesma função do plástico em todos os seus usos, por isso a alternativa não é o extermínio desta matéria, insubstituível em várias aplicações. “Nós dizemos que plástico é plástico, mas não é. Existem milhares e milhares de plásticos, porque existem sempre diferentes combinações químicas e essa é a grande dificuldade, por exemplo, para reciclar. E esse é um dos grandes desafios dos cientistas”, conclui.
No final da exposição temos ainda propostas para se alcançar uma economia circular onde a redução e reutilização são as palavras de ordem. O plástico parece estar para ficar. Contudo é preciso pensar na sua utilização e necessidade.
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