A propósito da cimeira da ONU sobre o clima, a COP26, que decorre em Glasgow, na Escócia, entre 31 de outubro e 12 de novembro, a Lusa ouviu o presidente da Associação Portuguesa de Geólogos, Luís Lopes, e Ana Monteiro, geógrafa e professora do departamento de Geografia da Universidade do Porto.
Ambos têm uma opinião diferente da mais comum sobre as alterações climáticas, não as atribuindo unicamente à ação do Homem e à emissão de gases com efeito de estufa decorrentes das atividades humanas. A cimeira de Glasgow, a 26.ª organizada pela ONU e que junta mais de cem chefes de Estado e de Governo, pretende precisamente levar a humanidade a diminuir essas emissões, para conter o aquecimento do planeta e a as alterações climáticas.
Luís Lopes nem sequer usa a frase “alterações climáticas”, optando por “mudanças climáticas”. Porque a palavra alteração remete para algo que nunca existiu e que passa a existir, pelo que mudança é mais correto, porque as mudanças do clima são cíclicas e sempre existiram, explica.
Geógrafa e climatóloga, professora catedrática e investigadora do Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Ana Monteiro salienta que “a variabilidade é intrínseca ao clima”, sendo verdade que nos últimos 40 a 50 anos se está a tornar “mais impulsivo”, o que no passado já aconteceu. E sim, as ações da humanidade interferem no “’cocktail’ gasoso” do planeta.
No entender da especialista a descarbonização (diminuindo drasticamente as emissões de gases com efeito de estufa resultantes da atividade humana), “por si só”, não resolve o problema, ainda que não seja uma “má medida”, até pela melhoria da qualidade do ar.
Mas, insiste, as alterações climáticas não são só causadas pelo Homem, ainda que este, pelas suas ações, esteja a “forçar” essas mudanças, colocando energia e compostos gasosos diferentes no sistema climático.
Então serão as conferências da ONU sobre o clima inúteis? “Não direi que são inúteis, mas não são o único caminho”, responde.
Também Luís Lopes não considera a reunião de Glasgow inútil, defende que é importante reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, porque isso dá mais qualidade de vida às pessoas.
As conferencias da ONU baseiam-se em milhares de estudos, com muitos a apontar a ação do Homem nas mudanças do clima, mas “não está quantificado o peso da atividade humana”, diz o professor do Departamento de Geociências da Universidade de Évora, investigador do Instituto de Ciências da Terra, acrescentando: “Obviamente que terá algum efeito, até pela quantidade de pessoas que vivem no planeta”.
Mas alerta para extremismos, pede que se pare para pensar, que se evitem discursos alarmistas e fundamentalismos.
“A meu ver, vivemos num período onde os extremos radicais toldam o raciocínio lógico e onde qualquer discurso que não aponte como causa principal a atividade humana para as ´alterações climáticas´ é imediatamente conotado com o negacionismo e bloqueia qualquer discussão livre e aberta, indispensável para o avanço do conhecimento”, diz.
Mas, aponta, a verdade, científica, é que há outros mecanismos que influenciam o clima. Um deles o movimento de nutação (oscilação periódica do eixo de rotação da Terra com um ciclo de 18,6 anos, resultante da força gravitacional da Lua sobre a Terra), outro, os ciclos de Milankovitch (relativos à órbita da Terra), movimentos que influenciam o clima.
E lamenta depois que seja transversal na sociedade a iliteracia científica, uma questão “grave e profunda”.
Ana Monteiro fala de “iliteracia climatológica” e lamenta “poucas mudanças de atitude a todos os níveis”.
“Com tanta informação porque é que isto não muda nada? Ou tão pouco?”, questiona.
A geógrafa não percebe porque não se explica que ao haver uma mudança num local essa mudança vai beneficiar esse local. Porque em questões do clima as mudanças devem acontecer à escala local, é por aí que se deve começar, salienta.
“Uma mudança à escala local eu percebo e por ela estou disposta a mudar o meu estilo de vida. Mas se a mensagem for a de que o planeta está a aquecer eu não percebo. Eu oiço o discurso, dramático, de que está em causa a nossa sobrevivência enquanto espécie. Mas para eu mudar de atitude a história tinha de me ser contada de outra forma”, diz a professora.
E defende que devia haver um Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC - cientistas que têm alertado em relatórios para os efeitos do aquecimento global) “que fizesse o caminho da escala local para a escala global”, começar com mudanças a nível do bairro, que as pessoas entenderiam, para chegar às mudanças globais.
As mudanças no clima, salienta, não se combatem, o que é preciso é haver uma adaptação. Não podemos, continua, espantar-nos porque chove em agosto, porque é natural que tal aconteça, e achar que isso é um problema que alguém tem de resolver. O que é preciso é agir na adequabilidade dos edifícios, dos cursos de água, promover a adaptação à escala de rua, de condomínio, pensar como revestir os edifícios, estudar se é melhor alcatrão ou pedra num determinado local.
Mas, diz, não é assim que tudo está a ser feito, é ao contrário. “Quando dizem que o urso polar está a desaparecer isso não mobiliza ninguém. Mas se falarem de uma diferença de cinco graus na cidade do Porto, e que isso se relaciona com a morbilidade, eu começo a interessar-me”.
“Receio que isto (atual situação, a ser debatida na COP26) leve a que as pessoas pensem que se estão a portar bem e que vão ter um prémio do sistema climático. Mas o sistema climático não reage assim. Se nos portarmos todos bem aqui a boa resposta pode acontecer nas ilhas Fiji”.
Ana Monteiro acrescenta: “E há uma via tão simples, que é a de promover a adaptação à escala local”, responsabilizando as pessoas, que iriam perceber o que era preciso fazer. Porque hoje ninguém se sente responsável pelo aquecimento global, porque ninguém se sente responsável pelo que não percebe.
E depois diz que o IPCC vai no sexto relatório sobre o tema, que “acrescenta mais informação, mas não conhecimento”, e de tudo resulta alarme e angústia nas pessoas, que ficam sem saber o que fazer.
Por outras palavras, Luís Lopes defende algo semelhante. O que é preciso é, diz à Lusa, agir sobre a ocupação do território, algo que já no tempo dos descobrimentos se sabia. É não construir em leitos de rios, não construir em bons terrenos agrícolas, por exemplo. E em Lisboa, e por todo o lado, “há estruturas que não estão no sítio certo”.
“Mais do que lutar, temos é de nos adaptar às mudanças do clima. Há 13 a 15 mil anos que o nível do mar está a subir. Vai continuar essa tendência, temos de nos adaptar”, diz.
Luís Lopes lembra as cheias do verão passado na Alemanha, as notícias que davam conta de que a chuva tinha provocado as mortes, e lembra também as imagens, de leitos de rios ocupados por urbanizações.
Por isso defende que os geólogos deviam dar parecer na avaliação de riscos, “com vista a uma gestão responsável e consciente da ocupação do território”.
E independentemente do "peso da atividade humana" nas questões do clima o que é preciso “é arrumar a casa, cuidar do nosso espaço e agir de forma responsável evitando consumos excessivos (seja do que for)”.
Isso é algo que todos podem fazer, e diz Luís Lopes que no limite, se não tiver outra implicação, certamente contribuirá para alguma estabilidade financeira.
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