Profissionalmente, Marta Pereira da Costa é engenheira civil e faz investigação no Laboratório Nacional de Engenharia Civil. A paixão pela guitarra é tão grande que vai deixar a engenharia para se dedicar a tempo inteiro à música.
“Quero fazer uma coisa diferente e fazê-la bem feita”, diz ela nesta entrevista que decorreu em sua casa, no centro de Lisboa, numa tarde ensolarada de Outono.
Qual é a sua atividade?
Tirei o curso de engenharia civil em 2005 e fui trabalhar para um gabinete de projetos. Desde 2009 trabalho no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, como bolseira de investigação. Todos os dias dou aulas de piano num Colégio em Lisboa a crianças dos seis aos dez anos.
Paralelamente toca guitarra. Começou há quanto tempo?
Há mais de dez anos. Ainda hoje é muito raro encontrar mulheres a tocar. Curiosamente é um instrumento que parece destinado aos homens.
O gosto pela guitarra portuguesa tem alguma coisa a ver com o facto de o Rodrigo cantar fado?
Não. Conheci-o na casa de fados onde ele cantava e que eu comecei a frequentar quando comecei a tocar.
Foi influenciada por alguém?
Pelo meu pai que adora fado. Como tenho um bom background musical, comecei a tocar piano com quatro anos e também toquei viola, e como ele gostava muito de fado e não conhecia mulheres a tocar, desafiou-me a ter aulas e a experimentar.
Teve aulas com quem?
Com o Carlos Gonçalves, que foi guitarrista da Amália durante muitos anos. É um professor fantástico que me motivou imenso. Tive a sorte de contactar com outros grandes guitarristas que muito me ensinaram, nomeadamente Fontes Rocha, Ricardo Rocha, Mário Pacheco, Paulo Parreira, Ricardo Parreira, Pedro Caldeira Cabral e, em Coimbra, Paulo Soares!
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Teve aulas particulares. Não foi propriamente para uma escola?
Naquela altura não havia escolas. A única maneira de aprender era ter aulas com um guitarrista que nos passava o conhecimento através daquilo que fazia. Ou seja, o guitarrista tocava e nós tentávamos imitar. Não havia partituras, nada escrito e o que há hoje em dia é muito pouco. A maneira de passar o conhecimento no fado é através da experiência.
Também canta fado?
Não. Gosto muito de ouvir mas não tenho voz para cantar. Fui para a guitarra apenas com o intuito de descobrir um instrumento novo. Comecei a gostar do que aprendia e também a gostar do som que conseguia tirar e até tive alguma facilidade no início porque já tocava viola com relativo à vontade, o que me deu uma motivação extra para continuar.
Demorou quanto tempo a aprender?
Cerca de nove meses depois de começar, toquei em público pela primeira vez com o meu professor Carlos Gonçalves acompanhando a fadista Ana Sofia Varela. A partir daí comecei a frequentar casas de fado. Comecei a tocar no Clube de Fado, do Mário Pacheco, que gostou da ideia de ter lá uma rapariga a tocar, e ele próprio me ensinou mais para poder tocar com ele à noite e em espectáculos seus.
E foi assim que se entusiasmou verdadeiramente pelo fado e pela guitarra?
Comecei a conhecer as pessoas do meio, fadistas, músicos, e quanto mais aprendia mais vontade tinha de aprender. Cheguei a preferir ir a casas de fado do que a sair com os meus amigos a bares ou discotecas. E foi nos fados que conheci o Rodrigo. Há dez anos.
Agora já leva a guitarra muito a sério?
Já está a ser muito a sério. Tenho feito muito trabalho em casa e, simultaneamente, estou a gravar o segundo disco do meu marido. Já tinha tocado um tema no primeiro disco e agora decidimos que estava na altura de o acompanhar em todo o disco o que está a ser um grande desafio. De gravação para gravação estou a trabalhar e a aprender imenso. Noto que estou a crescer, a evoluir, a descobrir coisas novas, e estou a gostar muito da experiência.
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Tem tocado em locais públicos?
Têm surgido várias oportunidades: espetáculos, programas de televisão, entrevistas e eu própria vou tendo novas ideias e novos projetos que gostava de experimentar. Não havendo mulheres a tocar, e eu tendo tanta vontade, acho que posso arriscar e fazer algo diferente.
Toca quando?
Toco todas as noites três horas, depois de um dia inteiro de trabalho, aulas de piano, de estar com os meus filhos e de os pôr a dormir. Quando chego ao fim do dia, tenho de fazer um esforço para começar a tocar, mas depois acabo por me esquecer do cansaço e nem dou pelas horas. Às vezes até toco de manhã antes de ir trabalhar; e nos fins-de-semana toco para a família.
Precisava que o dia tivesse mais horas?
Precisava! Como não é possível, tomei uma decisão e a partir de Janeiro vou dedicar-me só à guitarra. E acho que vou conseguir viver das aulas de piano, do trabalho que possa vir a ter nas casas de fado e também dos espetáculos que forem surgindo. Isto é aquilo que eu gosto mesmo de fazer, e sinto que posso ser mesmo boa a tocar guitarra, se tiver tempo para trabalhar. Por isso, tenho de arriscar.
Quer chegar onde?
Estou a montar um espetáculo e gostava de poder mostrá-lo também fora de Portugal. O meu objetivo é ter qualidade naquilo que faço. Quero fazer uma coisa diferente mas, mais do que isso, quero fazê-la bem feita.
Deixar a vida estável que tem para ir atrás do sonho é uma prova de coragem.
Tinha decidido que ia tentar conciliar as coisas até conseguir fazer as duas bem feitas. Quando percebi que precisava de mais tempo para tocar guitarra, tive de optar porque nunca gostei de fazer nada pela metade. Acredito que posso ser mais útil tocando guitarra, por ser especialmente invulgar numa mulher, do que sendo apenas mais uma engenheira.
É muito organizada?
Tenho que ser. Desde pequena que os meus dias são muito preenchidos: tenho piano desde os quatro anos, viola desde os oito. Quando entrei para uma escola de música, para além do instrumento, tinha formação musical e classe de conjunto, mais natação e equitação, mais tarde andebol e futebol para além das horas de estudo em casa. Habitualmente tocava piano até às 11 da noite e só a partir daí é que estudava para a escola e não me deitava sem ter tudo pronto.
A guitarra ocupa tudo ou ainda sobra tempo para outras atividades?
Atualmente ocupa tudo por causa do disco do Rodrigo e da preparação dos espetáculos, mas, antes dos meus filhos nascerem, ainda jogava futebol na equipa feminina do IST.
É tão feminina e também joga futebol?
É verdade. Sou engenheira, toco guitarra portuguesa e joguei futebol, três atividades tradicionalmente masculinas.
Os seus bebés gostam de a ouvir tocar?
Adoram. Os meus filhos têm dois anos e já sabem o “Dó” no piano, e pedem muitas vezes para experimentar os sons fininhos e os sons graves, e quando eu estou a tocar guitarra têm imensa vontade de mexer, mas na minha guitarra não podem tocar nem com um dedo. Quando ouvem fado no carro, por exemplo, sabem o que é e dizem que é guitarra portuguesa e que o pai canta fado.
Como está a ser a experiência da maternidade?
Sempre quis muito ser mãe por isso estou a adorar a experiência. E sou um verdadeiro polvo pois consigo dividir-me pelo trabalho no LNEC, pela guitarra e também dou a máxima atenção aos meus filhos, brinco muito com eles e ensino-lhes muitas coisas.
Como se define como pessoa?
Sou determinada, trabalhadora, perfecionista, muito crítica, insegura, sou muito carinhosa e generosa para as outras pessoas, tento dar tudo o que tenho, mesmo quando é complicado, e sou amiga dos meus amigos.
Texto: Palmira Correia
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