Conquistaram a sua autonomia e não prescindem dela, sobretudo se não sentirem que essa escolha lhes trará, no futuro, um bem maior. Há 50 anos, a escritora e empresária norte-americana Helen Gurley Brown apresentava o livro que viria a chocar uma sociedade que não estava preparada para ouvir falar de independência feminina e de sexo antes do casamento. Na obra «Sex And The Single Girl», publicada pela editora Bernard Geis Associates, lançada em 1962, Helen Gurley Brown, que se tornou mais tarde a editora da revista Cosmopolitan, fazia um apelo destemido.

Incentivava as mulheres a colocar de lado o tradicional plano de casar e ter filhos e a lutarem pela sua carreira profissional e independência financeira. A obra que veio, mais tarde, inspirar a realização da série televisiva «Sexo e a cidade», ganhou rapidamente o estatuto de bestseller, vendendo mais de dois milhões de exemplares, em apenas três semanas. Cinco décadas depois, a escritora é relembrada na mais recente biografia escrita por Brooke Hauser.

A obra chama-se «Enter Helen - The Invention of Helen Gurley Brown and the Rise of the Modern Single», foi publicada pela editora Harper Collins e foi lançada no início de 2016. Uma obra que, hoje, se dirige a um público totalmente distinto daquele para quem falava Helen Gurley Brown, em 1965. Leia também o artigo que explica por que é que viver sozinho é uma tendência que veio para ficar e o que explica o que é que as mulheres afinal querem.

A realidade portuguesa

No século XXI, a mulher-modelo preconizada por Gurley Brown existe e está em ascensão. Hoje, mais do que nunca, as mulheres priorizam a sua carreira profissional, em prol de uma vida familiar e, embora, algumas tenham em perspetiva casar, um dia, esse é um objetivo que fica para segundo plano. Outras optam mesmo por não casar. Autónomas financeiramente e habituadas a terem o seu espaço.

Não querem prescindir da sua liberdade pessoal para se dedicarem a um projeto de vida a dois. Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) provam que, nas últimas décadas, o número de mulheres solteiras aumentou significativamente em Portugal. Se em 1991 havia cerca de 500 mil mulheres solteiras, os últimos dados recolhidos pelo INE, nos Censos de 2011, mostram que são agora mais de dois milhões.

Paralelamente, o número de casamentos diminuiu drasticamente, cerca de 50 por cento. Em 1990, registaram-se cerca de 72 mil casamentos face a cerca de 31 mil, no ano de 2014. Por outro lado, a idade média para o primeiro casamento é cada vez mais tarde. De acordo com as estatísticas apuradas em 2015, as mulheres casam-se por volta dos 31 anos. Enquanto em 1980, casavam aos 23 anos.

Mudança social versus padrões culturais

Na opinião da socióloga Rosário Mauritti, este aumento do número de mulheres solteiras em Portugal e o adiamento do casamento para a faixa etária dos 30 anos prendem-se com dois fatores cruciais. O primeiro é a aposta que existe cada vez maior por parte do sexo feminino na carreira profissional. «Está provado que as mulheres são mais qualificadas do que os homens», afirma.

«De acordo com os últimos estudos, entre os novos diplomados, 60 por cento são mulheres. Por outro lado, sabemos também que quanto mais elevado for o nosso nível de qualificação, mais valor tendemos a dar à autorrealização profissional e, hoje em dia, ainda é muito difícil construir um projeto de vida familiar e pessoal e, ao mesmo tempo, assegurar uma carreira altamente reconhecida», refere a especialista, investigadora no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES).

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Outra(s) mudança(s) em curso

A segunda razão para esta mudança social, de acordo com a socióloga, está relacionada com as representações culturais do homem e da mulher, que ainda hoje permanecem muito desiguais. «A verdade é que todos nós continuamos a pensar que o papel da mulher é ser esposa e mãe e que cabe a ela a maioria das responsabilidades domésticas e familiares. Ora, este pensamento é pouco conciliável com as escolhas e com o estilo de vida das mulheres atuais que são profundamente autónomas», analisa a especialista.

Na opinião da socióloga, «enquanto existir esta diferenciação tão vincada na esfera familiar, dificilmente a mulher moderna se sentirá seduzida pelo casamento que implica a acumulação de vários papéis (esposa, mãe e profissional). A mulher conquistou a sua autonomia e não vai prescindir dela, se não sentir que essa escolha lhe trará, no futuro, um bem maior», refere a especialista.

As novas mulheres solteiras

A psicóloga Filipa Jardim da Silva diz que juntar num único perfil as mulheres solteiras é redutor. No entanto, ressalva que há características que são transversais. «Hoje, estas mulheres têm uma qualidade de vida distinta das de antigamente. A maioria tem autonomia financeira e uma maior disponibilidade para se dedicar ao que quer, sem limitações», diz.

As redes sociais também vieram trazer uma grande mais-valia para estas mulheres, de acordo com a especialista, apresentando-lhes inúmeras oportunidades de interagirem com outras pessoas, de explorarem o mundo e de terem um papel ativo na sociedade. Rute tem 39 anos. Gosta de viajar e adora a sensação de desapego e liberdade que só a vida de solteira lhe pode dar. Já esteve quase para casar, tinha apenas 24 anos.

Mas, atempadamente, percebeu que não era a altura e a pessoa certas. Mais tarde, viveu um grande amor por um homem com quem se imaginava casada, mas que acabou por se revelar uma desilusão. Hoje, diz já ter perdido o sonho do casamento. «Casar faz parte daquele conjunto de princípios que os nossos pais nos incutem desde pequenos, mas hoje vejo a vida de uma forma completamente diferente», confessa.

«O mais importante é saber viver feliz. A vida não é uma receita com ingredientes pré-definidos, por isso, simplesmente, deixo a vida acontece», refere a fotógrafa e relações públicas. O poder que as mulheres solteiras detêm sobre o seu tempo e espaço é uma das maiores vantagens que estas destacam do seu estilo de vida centrado em si mesmas.

Vida sexual

Uma investigação norte-americana, que avaliou o comportamento sexual das mulheres solteiras dos Estados Unidos da América, provou que o título de solteira está muito longe do conceito de abstinências sexual. De acordo com o estudo que envolveu cerca de 6.500 mulheres entre os 20 e os 44 anos, 36 por cento destas mulheres são solteiras e 70 por cento são sexualmente ativas.

A sexóloga Vânia Beliz confirma que as mulheres solteiras vivem a sua sexualidade com outra liberdade. «Muitas mulheres após o casamento não têm mais nenhum parceiro, uma mulher sem compromisso fica mais livre para outras experiências, que poderá gerir de acordo com a sua vontade», explica a especialista. Muitas privilegiam a sua independência e individualidade e, por isso, preferem relações esporádicas. Outras querem preservar a sua intimidade e o seu espaço, evitando relações que possam vinculá-las», sublinha.

Fazem-no, «relacionando-se, por exemplo, com pessoas que têm as mesmas motivações, como homens que têm outros relacionamentos. Mas há também quem canalize a sua satisfação para outras áreas da vida, como a profissional. A mulher de hoje quer ser livre e mais independente e não admite a submissão que tantas vezes uma relação comporta», conclui ainda Vânia Beliz.

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Uma nova massa de consumidoras

O aumento do número de mulheres solteiras em Portugal acabou também por se repercutir nos padrões de consumo. Uma alteração que obriga empresas e marcas a (re)definir (novas) estratégias. «O peso das mulheres solteiras tem uma significativa influência, dada a especificidade das necessidades postuladas que escapam, em geral, às mulheres com vínculos conjugais», confirma Mário Frota, presidente da Associação Portuguesa de Direito do Consumo.

Embora as mulheres já liderassem a lista de principais consumidores, por serem tradicionalmente as donas de casa, com a maior presença de mulheres solteiras na nossa sociedade, estas passaram a destacar-se em novos segmentos do mercado de consumo. «O enfoque da mulher passou a estar no círculo dos seus interesses pessoais e em experiências que lhes conferem uma maior autoestima», realça.

As alterações não se ficam, contudo, por aqui. «Procuram essencialmente produtos e serviços que tendem a privilegiar a forma, a estética, o seu rejuvenescimento e a exploração da sua imagem e auferem uma capacidade de deambulação, que, em geral, quem tem compromissos conjugais, não detém», explica ainda Mário Frota.

Texto: Sofia Santos Cardoso