Li uma vez uma história curiosa que falava sobre um pescador que quando ia à pesca, nunca tapava o balde onde colocava os caranguejos que apanhava. Esta situação intrigava todos os que o conheciam. Tanto que um dia lhe perguntaram se ele não se preocupava com a grande possibilidade dos caranguejos fugirem devido ao balde estar sempre destapado. O pescador acabou então por revelar o seu segredo, dizendo que apanhava caranguejo português, uma espécie destes crustáceos que tem uma particularidade: quando um deles começa a trepar o balde para sair, os outros vão logo atrás dele e puxam-no para baixo!
Os anos passaram desde a primeira vez que li esta simples história e confesso que me continua a fazer o mesmo sentido, senão mais! Existem diversos fatores psicológicos que condicionam as nossas escolhas como o modo como fomos educados e cuidados (e, em consequência, o modo como nos vemos), experiências difíceis e de sucesso no passado, o tipo de motivação que temos, a presença de medo, culpa ou vergonha, entre outras. O que é facto é que somos um povo aventureiro, destemido e capaz de grandes feitos. Já o provámos. Basta pensarmos nos imensos portugueses que tiveram e têm sucesso em tantas áreas, sendo alguns até referências mundiais e da humanidade. A questão é que tenho encontrado numerosos casos de pessoas que procuraram ir além (por exemplo, criando uma empresa com um produto inovador; fazendo uma investigação sobre um tema por explorar e de grande importância; fornecendo um serviço que as pessoas precisam diariamente mas que ninguém se tinha lembrado de implementar) e que se debatem com imensos obstáculos na criação e manutenção da sua obra. Sem me querer prender em detalhes, aquilo que constato é que não é nada fácil tentarmos fazer diferente e melhor! Parece-me que vivemos numa sociedade onde a repetição e a reprodução são mais bem vistas e facilitadas do que a inovação e a mudança. Claro que o ser humano resiste, e de que maneira, ao mudar e que tendemos a ficar em zonas de conforto (mesmo que se tenham tornado desconfortáveis). Mas por vezes sinto que é algo fundamentalmente cultural. Nós portugueses podemos ficar mais satisfeitos em estarmos todos em baixo do que aprendermos com alguém que consiga subir, mesmo que contribua para a melhoria da nossa condição e bem-estar. Surgem logo dúvidas, dificuldades burocráticas, cópias do original, receios dos que nos rodeiam e todo o tipo de obstáculos que obrigam a uma resiliência sem fim. No limite, podemos preferir impedir que o outro faça algo só para ficarmos todos nivelados. Mesmo que isso seja pior para nós e para todos.
O movimento empreendedor que encontramos em Portugal está a contribuir para a criação de inúmeros projetos, mesmo que muitos acabem por ser eliminados pelo próprio mercado. Criar é bom, trás variabilidade e desde que responda às necessidades das pessoas e das organizações de uma forma melhor do que as soluções anteriores. No entanto, talvez precisemos de olhar para quem consegue singrar como uma fonte de inspiração e menos como uma fonte de problemas. A sociedade portuguesa precisa, tanto mas tanto, da colaboração, da partilha de recursos e conhecimentos, do incentivo aos jovens e da defesa dos mais idosos, da aprendizagem conjunta e da criatividade, com vista a uma melhor vida e uma melhor produtividade. É preciso avançar e deixar avançar. Já nos basta o caranguejo português.
Luis Gonçalves
Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta
Psinove – Inovamos a Psicologia
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