As (aparentes) incongruências do Relatório Mundial de Felicidade da ONU de 2018

O Relatório Mundial de Felicidade da ONU de 2018 coloca Portugal a meio da tabela, na modesta 77º posição, bem atrás de países da América Latina, como o Brasil (28º), percecionados por muitos de nós como pouco seguros, e até mesmo atrás dos (quase) desconhecidos Uzbequistão (44º) e Cazaquistão (60º), países que já fizeram parte da extinta União Soviética, os quais geralmente associamos a países com baixo poder de compra.

Logo que fui confrontada com estes factos, a minha primeira reação foi de incredulidade, para de seguida ter colocado em causa a metodologia deste estudo. Estando Portugal na UE, percecionada como uma da zona mais próspera do planeta, como poderia o nosso povo sentir tamanha infelicidade? Foi algo que me intrigou. Sempre que este estudo era publicado (começou em 2008), fazia a mim mesma esta pergunta: como poderia ser verdade? Este ano, porém, tomei a decisão de investigar melhor este assunto.

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Deste estudo fazem parte 156 países e inclui parâmetros bastante objetivos como o rendimento per capita, mas ao mesmo tempo, inclui parâmetros mais subjetivos como a generosidade ou a liberdade de tomar decisões.  Se relativamente ao rendimento per capita (estamos na 41º posição), nada há a dizer, é mensurável e nada tem de subjetivo, o que dizer, então, de termos uma das piores posições (8º) em termos de perceção de corrupção, bastante atrás de países como, por exemplo, o Brasil?

É a nossa perceção que está a conduzir-nos para o sentimento de infelicidade

É a nossa perceção que conduz a este o sentimento de infelicidade. Tratando-se de um tema tão subjetivo, é natural que assim seja. A nossa perceção de felicidade encontra-se fortemente influenciada por circunstâncias ambientais, onde a nossa noção de felicidade é obtida de forma comparativa. Este relatório evidencia que existe um diferencial muito grande entre a realidade percecionada e a que desejaríamos, o que conduz consequentemente a este estado de infelicidade.

Também resulta da perceção de termos em Portugal um desenvolvimento económico com uma distribuição injusta. Como foi concluído em 2015, por Oishi e Kesebir, da Universidade de Virgínia, quando há desigualdade de rendimentos, a felicidade gerada pelo crescimento económico é anulada pela insatisfação gerada por essa desigualdade, daí a distribuição de riqueza ser um aspeto muito importante para a felicidade. Assim, crescimento com igualdade é crescimento feliz, e crescimento com desigualdade é crescimento infeliz.

E ainda vários estudos mostram que há uma percentagem muito elevada da população portuguesa que sofre de doenças psicossociais, como a ansiedade, depressão ou síndroma de Burnout, conduzindo ao elevado consumo de ansiolíticos e antidepressivos, e até passando pelo consumo exagerado de medicamentos para dormir. Assim, percebe-se que algo não vai bem na nossa sociedade.

Um aumento preocupante da infelicidade devido às componentes laboral e familiar

Num outro artigo já publicado sobre o elevado stress laboral em Portugal, referi que esta realidade tem contribuído para um aumento da prevalência de algumas doenças, sobretudo a nível psicológico, nomeadamente no aumento da ansiedade. Também é um fenómeno preocupante o bullying no emprego, realidade que tem vindo a aumentar e que segundo vários estudos abrange uma percentagem muito elevada da população portuguesa. Esta problemática contribui de igual modo para dificuldades psicológicas e transtornos psicossociais muito sérios.

Mas não é só ao nível laboral que se encontram evidencias de grande insatisfação dos portugueses. Do mesmo modo, ao nível das relações familiares, observa-se uma enorme insatisfação, traduzida sobretudo pelo elevado número dos casais divorciados ou separados, que é consequência da insatisfação com a relação, sobretudo devido à falta de compromisso com o outro, ou devido à procura de outro tipo de desafios que possam possibilitar o descobrir outras facetas da sua própria identidade.

Afinal estarão os portugueses assim tão tristes?

Poderia referi muitos outros factos, mas penso que os dados apresentados anteriormente já são suficientes para suportarem uma resposta à minha questão inicial sobre se os portugueses estarão assim tão tristes.

De facto, o estado de tristeza tem uma prevalência significativa na população portuguesa!

Agora, a pergunta que se coloca é: perante esta constatação, o que fazer? Será uma inevitabilidade, o denominado “fado” português? É evidente que não, a felicidade pode ser alcançada alterando o conteúdo da nossa consciência e que corresponde a modificar o nosso estado interno de estar.

A felicidade como um estado interno de estar a que chamamos “fluxo”

Para que possa perceber melhor este tema da felicidade, vou apresentar-lhe o que está na raiz da noção de felicidade. Um dos grandes estudiosos deste assunto é o psicólogo Dr. Mihaly Csikszentmihalyi. Segundo ele, a felicidade é um estado interno de estar a que chamou “fluxo” (em inglês, flow) e é alcançada alterando o conteúdo da nossa consciência:

"Uma pessoa pode sentir-se feliz ou infeliz, independentemente do que realmente está acontecendo à sua volta, apenas mudando o conteúdo da sua consciência" - Mihaly Csikszentmihalyi

O “fluxo” é o estado que quando a pessoa se envolve tão intensamente numa atividade, mais nada importa; a experiência é tão agradável que a pessoa continua a realizá-la sem se importar com o esforço necessário. Quando se atinge o estado de “fluxo” com grande intensidade, o “êxtase”, até pode parecer que se vive numa realidade alternativa. É a felicidade genuína, uma das melhores emoções que se pode viver.

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O “fluxo” um estado vivido quando há um equilíbrio perfeito entre a atividade realizada e as competências necessárias para o bom desempenho da mesma. Um desequilíbrio em que a tarefa é demasiado exigente para as competências da pessoa, conduz a mesma para estado de ansiedade; um desequilíbrio em sentido contrário, quando a tarefa é pouco exigente, leva a pessoa para um estado de desmotivação ou aborrecimento.

Para além da motivação mais intrínseca, em que realiza uma tarefa que lhe dá imensa satisfação, há que considerar a motivação extrínseca, que é influenciada pela opinião dos outros, por exemplo, a boa opinião dos colegas ou chefia na execução dessa mesma tarefa. É aqui que entra a componente da interação social, em que uma tarefa realizada em grupo geralmente traduz-se num grau de satisfação superior a uma tarefa semelhante, mas realizada individualmente.

Agora, como proceder à transformação para entrar no estado de “fluxo”?

E como proceder a essa transformação e entrar no estado de “fluxo”? Esse será o tema do meu próximo artigo. Falar-lhe-ei sobre a importância de felicidade mais de longo prazo, em termos de sentido de propósito, e irei apresentar-lhe três recomendações que o irão ajudar nessa jornada para a felicidade genuína. Fique, pois, atento à minha próxima publicação.

Elisabete Condesso / Psicóloga e Psicoterapeuta

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