Passadas cerca de três décadas sobre o aparecimento dos primeiros casos de VIH/SIDA, ainda muitas pessoas acreditam que este é um flagelo de homossexuais, toxicodependentes ou uma realidade de terceiro mundo. Mas os números de pessoas infetadas com o Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) na Europa provam que, ao contrário do que diz o ditado, «o mal não acontece só aos outros». É silencioso e pode atingir qualquer pessoa que tenha relações sexuais desprotegidas, com particular atenção para o sexo feminino.

De acordo com as Nações Unidas, 52% do total de pessoas no mundo a viver com VIH são mulheres, sendo que na Europa Ocidental e na na Europa Central o sexo feminino representa 29% dos infetados. Só em Portugal, de acordo com dados do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge relativos a 2012, as mulheres já representam 26,6% dos 42 580 casos notificados no país. Ainda sem cura, hoje já existem, no entanto, tratamentos que tornam possível controlar os efeitos do vírus e manter uma boa qualidade de vida.

Vulnerabilidade feminina

Por receio ou preconceito, o VIH ainda é alvo de muito desconhecimento e poucos sabem que a mulher está mais vulnerável a ser infetada pelo vírus. Teresa Branco, médica internista e coordenadora do programa SHE em Portugal, explica porquê. «Numa relação heterossexual desprotegida, por motivos anatómicos e fisiológicos, a mulher tem duas vezes mais risco de ser infetada do que o homem», refere.

«Mas também porque muitas mulheres não estão conscientes do risco que correm. É preciso que, numa nova relação, se mantenha o uso do preservativo até que a realização de um teste ao VIH afaste essa possibilidade. E também pensar que a infeção não se vê, nem se sente durante muitos anos e que uma pessoa pode transmitir o vírus sem saber que está infetada», acrescenta a especialista.

Terapêutica no controlo da doença

Embora o HIV/SIDA seja a principal causa de doença e morte nas mulheres em idade fértil, há cada vez mais tratamentos eficazes para travar a deterioração progressiva do sistema imunitário. «Ao contrário do início da epidemia, a terapêutica é agora simples e bem tolerada. Existem muitos antirretrovirais, que se combinam para o tratamento da infeção», sublinha a médica.

«Com estes medicamentos, que têm de ser tomados de forma muito rigorosa, é possível controlar a multiplicação do vírus, reconstituir o sistema imunitário e manter a qualidade de vida das pessoas infetadas», revela ainda Teresa Branco.

Maternidade e parto

O conhecimento que hoje existe do comportamento do vírus no organismo permite ter filhos sem que a doença seja transmissível da mãe para o filho. Se o diagnóstico do VIH durante a gravidez for seropositivo, a médica sublinha que «é muito importante que se faça o tratamento com fármacos que controlam o vírus e que a grávida seja vigiada de uma forma regular».

«É possível, desta forma, reduzir a transmissão de mãe para o filho para níveis muito baixos. Menos de 2%», assegura. «O parto pode decorrer de uma forma natural se a mulher estiver sob tratamento eficaz, mas o bebé também vai receber medicamento antirretroviral durante as primeiras semanas de vida, como proteção adicional», diz ainda. A amamentação materna está fora de questão, já que é uma das formas de transmissão do vírus.

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Envelhecer com o VIH

Graças aos avanços da ciência, as terapêuticas também permitem evitar a aceleração de algumas patologias habituais na terceira idade. Como esclarece a médica, «na mulher infetada pelo VIH, os problemas associados ao envelhecimento podem ser mais graves ou aparecerem mais cedo», sublinha a especialista.

«No entanto, hoje em dia, pensa-se que este risco pode ser minimizado com o diagnóstico precoce e o tratamento destas enfermidades, incluindo a doença cardiovascular, a renal ou a osteoporose, entre outras. Tal como a menopausa, que pode aparecer mais cedo ou apresentar mais sintomas, deve ser acompanhada e tratada por especialistas», complementa ainda Teresa Branco.

Prevenir a doença

A redução do número de novos casos passa, na sua opinião, «por medidas de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento das pessoas infetadas. No caso das mulheres, também pelo rastreio sistemático de todas as grávidas e dos seus parceiros. É igualmente importante que as mensagens de prevenção sejam dirigidas não só às mulheres em idade fértil, como às que vão ainda iniciar a sua vida sexual ou que estão já na menopausa», refere.

Em Portugal, a Direção-Geral de Saúde pretende diminuir o número de novos casos de VIH em 25% e da mortalidade por Sida 50% até o final de 2016. Um objetivo relevante que, para poder ser atingindo, também depende do contributos que as principais iniciativas de apoio à mulher seropositiva podem dar para esclarecer e auxiliar as mulheres infetadas:

- Programa SHE 

SHE são as iniciais de Strong, HIV Positive, Empowered Women. É o primeiro projeto europeu de apoio a mulheres com VIH e está implementado em Portugal desde 2012. Reúne profissionais de saúde e seropositivas para, em conjunto, partilharem experiências e ideias, ajudando as mulheres a sentirem-se capacitadas para melhorar a sua qualidade de vida.

- Plataforma Tal Como Tu  

Plataforma online, criada em 2011, por e para mulheres seropositivas, com o objetivo de dar a conhecer o problema do VIH/Sida. Une médicos e doentes do sexo feminino na partilha das suas experiências face à doença.

- SER + 

É um programa criado pela Associação Portuguesa para a Prevenção e Desafio à Sida para divulgar iniciativas de várias naturezas, a fim de combater o estigma da mulher que vive com esta condição. Promove o apoio social, psicológico, redução de riscos e minimização de danos à mulher seropositiva, bem como campanhas de sensibilização, informação, entre outras iniciativas.

Texto: Fátima Lopes Cardoso com Teresa Branco (especialista de medicina interna do serviço de infecciologia do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca e coordenadora do programa SHE em Portugal)