A Transplantação Renal (TR) afirmou-se no contexto da transplantação de órgãos sólidos como a pioneira, a mais praticada e a que apresenta melhores resultados.

Os candidatos a esta terapêutica, que revolucionou a Medicina nos últimos 50 anos, são os doentes renais crónicos, que graças a ela vivem mais e melhor. Trata-se de doentes cujos rins por causas diversas (diabetes, hipertensão arterial, nefropatias, malformações congénitas, etc.) deixaram de funcionar e que para viverem necessitam de terapêuticas substitutivas da função renal: diálise e/ou transplantação renal. Esta última é a melhor opção pois é praticamente sobreponível à realidade fisiológica normal proporcionando uma sobrevivência maior e com muito melhor qualidade de vida.

A grande limitação da TR é a escassez de órgãos que assim impede que se inverta a tendência do contínuo aumento da lista de espera para transplante. Na verdade, só cerca de 30% dos doentes em lista de espera são transplantados em cada ano, o que é manifestamente insuficiente.

Os rins para TR podem ser de dador falecido ou de dador vivo o que condiciona o número de TR ao número de dadores, daí a importância das campanhas de sensibilização da população para esta problemática, particularmente no que respeita aos dadores vivos. No nosso país, o número de transplantes renais nos dois últimos foi de cerca de 430, isto é, 43 por milhão de habitante (pmh), o que sendo escasso para as necessidades nos coloca nos 5 primeiros lugares a nível europeu.

A distribuição dos órgãos a transplantar é feita segundo critérios imunológicos muito rigorosos baseados na identidade antigénica entre dador e receptor segundo o sistema HLA (antigénios leucocitários humanos). Mas para além de todos estes aspectos dos dadores e da necessidade de aumentar o seu número um outro problema crucial é a imunossupressão. Trata-se da terapêutica que tem como objectivo aumentar a tolerância do receptor ao enxerto, evitando ou pelo menos diminuindo significativamente a sua rejeição.

Atualmente a transplantação de órgãos tem à sua disposição um conjunto de drogas imunossupressoras de grande eficácia e que vêm permitindo cumprir satisfatoriamente os seus principais objectivos: prolongar a sobrevivência do doente e do enxerto com um mínimo de efeitos secundários associados. O cumprimento rigoroso desta medicação tomada diariamente nas doses e às horas prescritas é fundamental para o sucesso do transplante. Se não se tomar como está prescrito, por esquecimento, por desleixo ou por outra razão qualquer, pode surgir de imediato a rejeição do órgão com as respectivas consequências: perda do enxerto com necessidade do doente fazer terapêutica dialítica ou mesmo em casos mais graves a morte do doente. É evidente que a terapêutica imunossupressora será mais fácil de cumprir nos casos em que a sua administração é mais simples como, por exemplo, nos casos de uma única toma diária do medicamento.

Em todo o caso, o doente deve ser educado para o seu cumprimento rigoroso e mesmo auxiliado com meios que facilitem essa disciplina diária usando, por exemplo, caixas ou outros processos de distribuição horária dos medicamentos. Se o doente tiver cuidado com o seu transplante e cumprir rigorosamente as orientações do médico, nomeadamente, em relação à imunossupressão o enxerto renal pode durar 20 ou mesmo mais anos, embora a sobrevivência média actual seja à volta dos 12 anos para os transplantes de dador falecido e de cerca de 18 anos para os transplantes de dador vivo.

Seja como for o doente transplantado deve ter a noção que sendo o enxerto renal um bem escasso deve fazer tudo para o preservar e tratar o melhor possível para que dure o maior número de anos, pois, como disse Sir Roy Calne, um dos pioneiros da transplantação: “Um rim não é um direito é um privilégio”.

Alfredo Mota
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Director do Serviço de Urologia e Transplantação Renal dos HUC