Presente na maior parte dos cereais (trigo, centeio, cevada e aveia), o glúten integra a nossa alimentação quotidiana quase sem darmos por ele.

Os cereais do pequeno-almoço, o pão e os produtos de pastelaria que muitas vezes compõem os nossos lanches são todos exemplos de alimentos que constituem um risco para a saúde dos celíacos.

Assim, e considerando o papel central que a refeição tem na vida social, não é de estranhar que, para além das restrições alimentares, o diagnóstico da doença celíaca esteja associado a limitações das actividades com a família e amigos. Com a ajuda da dietista da Associação Portuguesa de Celíacos e de uma nutricionista, a saber viver explica-lhe como tirar o melhor partido do problema.

Imunidade comprometida

«A doença celíaca é um problema mundial de saúde pública devido à sua prevalência, à frequente associação com morbilidade variável e não específica (isto é, com a prevalência de outras doenças numa determinada população) e à probabilidade de aparecimento de complicações graves decorrentes da má absorção de nutrientes, sobretudo osteoporose e doenças malignas do tracto gastrointestinal», alerta a nutricionista Ana Pimenta de Pinho Martins.

Ou seja, na presença de alimentos que contêm glúten, o organismo reage como se de uma ameaça se tratasse, provocando alterações nas características normais do intestino delgado, «considerando que grande parte da nossa imunidade começa neste órgão, retirar o glúten da alimentação é a opção mais correcta», aconselha Isabel Hoffmann Miles, presidente da Iberia and Angola World Academy of Anti-Aging Medicine.

Sintomas camuflados

Segundo a Associação Portuguesa de Celíacos (APC), estima-se que cerca de oito mil portugueses sofra desta doença. No entanto,  acredita-se que existam muito mais casos não diagnosticados, dada a sua componente hereditária.

A dificuldade de identificação da patologia é um dos desafios para quem padece da mesma, pois embora as primeiras manifestações ocorram no segundo ou terceiro semestres de vida, com a introdução da diversificação alimentar, a verdade é que podem decorrer anos de mal-estar antes de se chegar a um diagnóstico concreto.

«Muitas vezes, os testes não acusam a intolerância, mas clinicamente estão presentes as manifestações», salienta Isabel Hoffmann Miles. Perda de apetite, tristeza e irritabilidade, dejecções mais frequentes, moles e volumosas (diarreia), abdómen mais saliente e distendido e anemia são alguns dos sinais de alerta.

Vigilância apertada

A doença celíaca não tem cura. Apesar disso, os pacientes podem ter uma boa qualidade de vida. Para tal, basta seguirem uma dieta isenta de glúten para eliminar, por completo, a sintomatologia. Mas nem sempre é fácil, «a obediência à dieta não é de fácil cumprimento, requer mudanças definitivas em relação ao tipo de alimentos normalmente consumidos, influenciando as práticas alimentares de família e amigos» realça Ana Pimenta de Pinho Martins.

Informar os outros sobre as implicações da patologia é a primeira precaução a ter, seja em casa seja ou fora dela. «No caso específico das crianças, é fundamental que os pais convoquem uma reunião com os professores responsáveis para que se tomem as devidas precauções em todas as refeições» recomenda a nutricionista.

Desafios diários

O desconhecimento da doença pode criar situações de risco, principalmente fora de casa.

«A ingestão de glúten pode acontecer involuntariamente, por exemplo, através de utensílios, superfícies, óleo de fritura, utilizados para preparar alimentos com glúten e usadas depois na preparação de produtos sem glúten», refere Ana Pimenta de Pinho Martins. É importante que o doente informe o restaurante das suas limitações. Como o maior desafio é fazer as refeições fora de casa, Rita Jorge, dietista da APC, deixa alguns conselhos.

«Tenha alimentos sem glúten em casa de familiares e amigos onde faça refeições com frequência, almoce ou jante cedo, quando a cozinha dos restaurantes não está tão ocupada e o risco de contaminação cruzada é menor, opte por pratos de confecção simples, como grelhados, arroz, salada e fruta ao natural, e indique sempre a sua intolerância e os cereais que não pode/pode comer», explica.

Palavras proibidas

Como o teor em glúten não é igual em todos os cereais, alguns são mais facilmente tolerados do que outros. O milho e o arroz, por exemplo, são inofensivos. Mas atenção, «se após a ingestão de  pequenas quantidades de glúten não existir manifestação de sintomas, isso não significa que o alimento não faça mal. Está demonstrado que o sistema imunológico desencadeia alterações que, ainda que não sejam logo perceptíveis, atingem diversos órgãos e causam lesões», reforça Ana Pimenta de Pinho Martins.

Por isso, a leitura dos rótulos é imprescindível. «Referências a derivados dos quatro cereais agressores ou designações como espessantes, proteínas de cereais, proteínas vegetais, fécula, amido de trigo, extractos de levedura, amiláceos, amidos modificados, malte, xarope de malte e extracto de malte são sinais de alarme que a devem levar a recusar o produto», avisa a nutricionista.

Soluções caseiras

Para contornar o problema dos elevados custos dos produtos sem glúten, a dietista da APC sugere «fazer o próprio pão, bolos e biscoitos, até porque facilita as refeições intermédias fora de casa, consumir produtos sem glúten produzidos por marcas de consumo geral, como por exemplo farinha, massas de arroz, salsichas».

Além disso é importanto que «leia os rótulos com atenção, tenha sempre na mala snacks como iogurtes, fruta ou nozes, alimentos saudáveis, saciantes e muito menos dispendiosos do que os produtos próprios para celíacos».

Já para Ana Pimenta de Pinho Martins, «a dieta sem glúten deve basear-se em alimentos naturais que não contenham glúten, reservando o consumo de produtos manufacturados sem glúten para ocasiões especiais. Até porque, para terem um sabor, textura e aparência mais agradáveis, é frequente os alimentos sem glúten serem mais ricos em açúcar e gorduras», sublinha ainda esta especialista.

Benefícios para todos?

Na opinião de Isabel Hoffmann Miles, não são só os doentes celíacos a beneficiarem de uma alimentação sem glúten. «Geneticamente, não estamos preparados para absorver o glúten  correctamente e a perturbação do intestino afecta o sistema imunológico. É por isso que muitas doenças autoimunes, como a asma, estão associadas a esta proteína» refere.

A dietista da APC confirma, «algumas pessoas apresentam melhorias a nível de desconforto gástrico quando retiram o glúten da alimentação mas ainda não existem estudos científicos que comprovem existir vantagens
para um indivíduo saudável não ingerir glúten».

Talvez por isso, a nutricionista Ana Pimenta de Pinho Martins afirme que «familiares e amigos de doentes celíacos podem adoptar uma alimentação sem glúten para os encorajarem e motivarem para o cumprimento da dieta e para evitarem os riscos de contaminação cruzada».

Mesmo uma pequena quantidade de glúten é prejudicial para o celíaco. Tenha em conta quatro gestos básicos:

1. Faça refeições sem glúten para toda a família e não confeccione em simultâneo alimentos com e sem glúten.

2. Armazene os produtos sem glúten devidamente identificados.

3. Para o fabrico de produtos de pastelaria utilize as mesmas receitas, substituindo a farinha convencional por uma mistura de farinha de arroz, fécula de batata, fubá de mandioca e amido de milho.

Menu glúten free

Ana Pimenta de Pinho Martins, nutricionista, traça um plano diário:

Pequeno-almoço: Leite simples ou iogurte natural ou aromatizado (consultar os rótulos) sem açúcar, pão sem glúten com compota, marmelada ou queijo

A meio da manhã e da tarde: Leite ou iogurte natural, pão ou bolachas sem glúten e uma peça de fruta

Almoço e jantar:
Sopa de legumes, sempre com leguminosas (feijão, grão, lentilhas, entre outras), carne, peixe ou ovos acompanhados de arroz, batata ou massa sem glúten e salada ou legumes cozidos. À sobremesa, uma peça de fruta

Bebida: Água, quer às refeições, quer no intervalo das mesmas

Texto: Sandra Diogo com Rita Jorge (dietista), Ana Pimenta Martins (nutricionista) e Isabel Miles (especialista em medicina anti-aging)