Estudos nacionais e internacionais comprovam que a perda de audição, que pode assumir diferentes graus e ter na sua origem diferentes causas, pode comprometer a qualidade de vida do doente quando o problema não é tratado atempadamente. Em Portugal, segundo dados da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), mais de 60% da população vive atualmente com níveis de ruído acima dos recomendados. A percentagem é preocupante.

Em entrevista à Prevenir, Pedro Paiva, audiologista, explica o que torna um ruído perigoso, aponta os sintomas que exigem uma observação atenta e recomenda cautela na exposição a uma série de sons. «Estes ruídos acima dos níveis recomendados provocam efeitos negativos para o sistema auditivo das pessoas, além de provocar alterações comportamentais e orgânicas», adverte mesmo o especialista.

A partir de que altura é que um ruído pode ser considerado potencialmente perigoso?

Os níveis de ruído recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) são de 55 decibéis (dB) e, segundo a APA, mais de 60% da população portuguesa vive atualmente com níveis de ruído acima dos recomendados. Destes, 19% encontra-se mesmo exposta ao que a OMS considera como barulho incomodativo, acima dos 65 dB. Quando o ruído ultrapassa os 85 dB, é considerado prejudicial à saúde auditiva e provoca efeitos negativos irreversíveis à nossa audição.

O que é que pode ser considerado poluição sonora?

A poluição sonora caracteriza-se como a alteração da condição normal de audição devido ao ambiente causado por um som. Embora não se misture no meio ambiente, como outros tipos de poluição, causa vários danos ao corpo e à qualidade de vida das pessoas.

O ruído é o que mais potencia a existência da poluição sonora e costuma ser provocado pelo som excessivo das máquinas pesadas de indústrias, das obras, dos meios de transporte e das áreas de lazer e recreação, entre muitas outras. Estes ruídos acima dos níveis recomendados provocam efeitos negativos para o sistema auditivo das pessoas, além de provocar alterações comportamentais e orgânicas.

Que tipos de sons devem ser evitados pelas pessoas no dia a dia?

Todos os dias, são várias as atividades de rotina que nos expõem a níveis de poluição sonora altamente prejudiciais para a nossa saúde. Sem nos darmos conta, estamos expostos a situações em que o ruído ambiente é constante e com um elevado impacto nocivo para o nosso bem-estar.

Para termos uma noção de valores de ruído, um restaurante com movimento costuma alcançar os 70 dB enquanto um secador de cabelo chega até aos 90 dB. Um camião e uma buzina de automóvel podem atingir até 100 dB enquanto uma turbina de avião pode ir aos 130 dB. O tiro de arma de fogo próximo, como acontece com quem gosta de caçar, pode chegar até aos 140 dB.

Veja na página seguinte: Os sintomas a que deve estar atento

A perda auditiva induzida pelo ruído e a poluição sonora estão relacionadas?

A perda auditiva é considerada adquirida quando se desenvolve após o nascimento, podendo ser de três tipos. Uma delas é a perda de audição neurosensorial, que em muitos casos ocorre devido a fatores genéticos, exposição excessiva ao ruído, na qual se insere a poluição sonora, entre outros. É uma desordem do ouvido interno geralmente causada pela lesão das células ciliadas da cóclea.

Uma vez danificadas, estas células não recuperam por si próprias e não podem ser clinicamente tratadas, sendo uma perda auditiva irreversível. Em mais de 95% dos casos, é recomendado o uso de aparelhos auditivos ou implantes cocleares como tratamento.

Quais são os sintomas de que estamos a perder audição?

As pessoas com perda auditiva sofrem, essencialmente, de uma redução significativa no volume do som. Colocar a televisão ou a rádio muito altos, pedir constantemente para as pessoas repetirem o que foi dito, aproximar um ouvido da pessoa que está a falar ou demonstrar dificuldade em compreender conversas ao telefone, recusando-se muitas vezes até a atender, podem ser sinais deste tipo de perda auditiva.

Em casos mais graves, a pessoa não compreende conversas, apresenta uma enorme dificuldade de audição na presença de ruído, coloca todos os aparelhos num volume altíssimo e fica confuso com a falta de perceção da direção do som.

Que tipo de consequências apresenta a perda auditiva no contexto familiar, pessoal e profissional? 

Estudos comprovam que a perda de audição pode comprometer bastante a qualidade de vida do doente quando o problema não é tratado. A perda auditiva está associada a estados de depressão, de ansiedade, de baixa autoestima e de irritabilidade, bem como a outras questões que afetam a capacidade de viver plenamente. E as pessoas mais próximas nem sempre compreendem que existe um problema auditivo.

Essa situação leva a situações de conflito e constrangimento, sendo o doente percecionado como anti-social. Para estas, pode parecer que a pessoa com perda de audição apenas ouve quando quer e o que quer. Este é, de facto, o comentário mais utilizado. Para além das consequências físicas, a pessoa com perda auditiva cria um isolamento social muito grande, evitando atividades sociais.

Cria um distanciamento do seu círculo social e, consequentemente começa a tornar-se inativo e dependente. Por exemplo, se convidam uma pessoa com problemas auditivos para um jantar de família e ela não consegue compreender as conversas e interagir com as outras pessoas, é bastante provável que comece a recusar convites e a não comparecer a este tipo de eventos sociais.

Veja na página seguinte: As zonas de maior poluição sonora em Lisboa

Quais são as zonas de maior poluição sonora em Lisboa?

Segundo os últimos dados publicados, cerca de 20% da área do concelho de Lisboa possui níveis de ruído recomendados e as zonas que apresentam valores de ruído ambiente superiores a 60 e 70 dB correspondem a áreas próximas de vias de trânsito rodoviário intenso. A ferrovia possui uma expressão muito localizada, ao passo que o tráfego aéreo influi nas
imediações do aeroporto e rotas de aproximação.

Outras fontes pontuais referem-se à concentração de atividades de diversão noturna, principalmente o Bairro Alto, o Cais do Sodré, as docas de Alcântara e a zona do Parque das Nações. De todas estas, Alcântara é a zona prioritária ao nível da necessidade de redução do ruído, uma vez que reúne todas as fontes do mesmo. O rodoviário, o ferroviário, o aéreo e até o pontual.

Como é que se pode combater a problemática do excesso de ruído em Portugal? Que estratégias de intervenção defende?

Existem alguns procedimentos que poderemos adotar para prevenir a perda de audição por trauma acústico. No caso dos leitores de música portáteis, não devemos abusar da utilização destes aparelhos e devemos ter em conta alguns aspetos como não utilizar mais de metade da capacidade do volume do aparelho, colocar o auscultador apenas num ouvido e ir alternando os
ouvidos ao longo do dia, não utilizar mais do que uma hora seguida, entre outros.

No caso dos espaços com elevados níveis de ruído, como bares, discotecas e concertos, existem no mercado soluções simples,
práticas e económicas de protetores auditivos, que isolam o som, fazendo com que as pessoas possam desfrutar da música, mas em níveis mais reduzidos de ruído. Contudo, o que é essencial reter e compreender é que já não é necessário viver com a perda auditiva.

Existem atualmente diversos aparelhos auditivos com tecnologia avançada e praticamente invisíveis, que ajudam facilmente as pessoas a recuperarem a sua audição. O essencial é que, assim que notam que algo pode não estar bem, as pessoas procurem ajuda especializada.

Texto: Filipa Basílio da Silva