Mesmo sem nos darmos conta, os nossos ouvidos estão constantemente em ação. No trânsito, num concerto de rock ou na viagem de comboio para o trabalho, quando, de auscultadores postos, nos concentramos na nossa playlist e viajamos até à memória do primeiro beijo ou de uma festa na praia. Esta capacidade de moldar o nosso estado de espírito, de nos criar emoções fortes, tornou a música um bem essencial.

Mas, como em tudo, exige-se moderação. Ultrapassados problemas como a otite crónica ou o sarampo (praticamente eliminado pela vacinação), a exposição à música alta tornou-se, para a Organização Mundial de Saúde, a principal causa de surdez evitável. E, aos poucos, estudos científicos vão mostrando que o uso continuado de auscultadores pode estar a causar estragos na saúde auditiva, sobretudo entre os jovens.

Efeito semelhante à esclerose múltipla

O trabalho pioneiro de uma equipa de cientistas da Universidade de Leicester, no Reino Unido, constatou que a música alta, ouvida através de auscultadores, causa surdez. Mas há mais. O efeito nos nervos é semelhante ao provocado pelo processo inflamatório associado à esclerose múltipla. De acordo com o trabalho, publicado na reputada revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, níveis de ruído superiores a 110 decibéis eliminam o isolamento das fibras nervosas que transportam os sinais do ouvido para o cérebro.

«Verificámos que, após a exposição, se perde o revestimento à volta do nervo auditivo, em cerca de metade das células analisadas. É como se descascássemos o cabo elétrico que liga o amplificador ao megafone», ilustra a responsável pelo estudo, Martine Hamann.

O uso sistemático de auscultadores

Neste tema, todas as atenções se viram para os adolescentes, a geração Mp3, sempre de auscultadores nos ouvidos, muitas vezes com a música no volume máximo. O médico especialista em otorrinolaringologia Eurico de Almeida admite que esta alteração no comportamento levanta um novo problema.

«O recurso sistemático aos fones, usados num volume elevado, provoca, a curto prazo, perda auditiva temporária, alterações ao nível do sistema nervoso, dor de cabeça e instabilidade. O primeiro sinal, após o seu uso continuado, é a dificuldade na compreensão da palavra», refere o especialista.

Evite os auriculares

A questão, relativa à utilização de auriculares, é que o som, elevado, está muito próximo do ouvido. «A maioria dos leitores de Mp3, hoje em dia, pode atingir os 100 dB, o que é muito, dado a proximidade da fonte sonora com a membrana do tímpano. Ao longo do tempo, vai provocando perda auditiva gradual», explica o especialista. O dano torna-se, portanto, ainda maior quando se usam fones de inserção no canal auditivo externo dentro do ouvido, em que é menor a distância entre a saída de som e a membrana timpânica.

Além disso, estes não bloqueiam o som exterior, pelo que os utilizadores têm tendência para aumentar o volume, para se sobrepor ao ruído ambiente. «A energia sonora é transformada em energia mecânica ao nível dos ossículos do ouvido médio, atingindo o ouvido interno com uma quantidade muito maior do que seria desejável às células ciliadas da cóclea», explica a audiologista Fernanda Gentil.

«A longo prazo, os danos são irreversíveis», acrescenta. «Além da perda auditiva neurossensorial, a má perceção da palavra é evidente assim como o aparecimento de zumbido perturbador», alerta ainda a especialista.

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O que fazer para reduzir os riscos de surdez

O risco de danificar o ouvido depende de vários fatores, como o volume a que a música está, a distância às colunas ou auscultadores (dentro do ouvido ou exteriores) ou a frequência com que se usam os auscultadores. O primeiro conselho é nunca exceder os 50 a 60 por cento do volume dos aparelhos de Mp3, nem ultrapassar uma hora por dia de escuta e recordar que quanto maior o volume, menor deve ser a duração da escuta.

Deixar o ouvido descansar e nunca adormecer com os auscultadores postos são outras regras de ouro. No fundo, o ouvido humano é como qualquer outro órgão. A sua exposição sonora excessiva pode causar dano. A forma mais rigorosa de avaliar o estado da audição é através de um audiograma. Um zumbido permanente ou a dificuldade em distinguir sons são alguns dos sinais de alarme.

No entanto, numa fase inicial, os danos causados pela agressão auditiva podem ser reversíveis. No caso dos voluntários no estudo da universidade britânica, ao fim de três meses, os nervos anteriormente danificados recuperaram o revestimento de mielina e a audição voltou aos seus parâmetros normais.

Os cuidados a ter ao ouvir música:

- Se a pessoa ao seu lado também a conseguir ouvir, o volume está demasiado alto.

- Faça intervalos ao longo da utilização.

- Nunca adormeça com os auscultadores ou auriculares postos.

- Não os use mais do que uma hora por dia.

- Prefira auscultadores a auriculares.

Os cuidados a ter na discoteca ou num concerto:

- Guarde uma distância mínima de três metros das colunas.

- Faça intervalos em zonas mais sossegadas.

- Evite que as pessoas lhe gritem ao ouvido.

- Evite nas 24 horas seguintes expor-se a ruídos muito elevados.

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Como saber se o som está muito alto?

Níveis de som superiores a 110 decibéis eliminam o isolamento das fibras nervosas que transportam os sinais do ouvido para o cérebro.

- Conversa normal: entre 40 dB e os 60 dB

- Concerto de rock: entre 110 dB e os 120 dB

- Auscultadores: atingem os 110 dB

- Ao pé das colunas pode atingir os 140 dB.

Sinais de alarme

Estas são as situações em que deve ir médico:

- Se alguns sons lhe parecerem demasiado elevados.

- Se for mais fácil ouvir vozes masculinas do que femininas.

- Se tiver dificuldade em perceber os sons agudos.

- Se tiver a sensação de apito nos ouvidos.

Texto: Sara Sá com Eurico de Almeida (médico especialista em otorrinolaringologia) e Fernanda Gentil (audiologista da Clínica ORL –Dr. Eurico de Almeida)