A dor no calcanhar e face plantar do pé é uma queixa comum nos serviços ambulatórios clínicos. São várias as patologias associadas a este tipo de queixa, entre elas temos a fasceíte plantar.
A fáscia plantar é uma multicamada de aponevrose fibrosa que se origina a partir da tuberosidade medial do calcâneo, e se estende pela face plantar, funcionando como elemento de absorção de impactos, suportando o arco formado pelo pé.
A fasceíte plantar é uma lesão de sobreuso que resulta de microlesões de repetição na fáscia plantar, levando á inflamação deste tecido. O diagnóstico é tipicamente clínico, com realização de testes apropriados para avaliar o apoio plantar, força e tónus muscular, sensibilidade, coordenação, reflexos e equilíbrio. Poderão ser utilizados exames complementares de diagnóstico para excluir outras causas de dor no calcanhar ou pé.
A ressonância magnética demonstra normalmente edema, e/ou espessamento acentuado na corda central da fáscia plantar. A eletromiografia pode ser útil para testar um comprometimento nervoso, e o Rx pode ser importante caso se suspeite de um esporão do calcâneo, que está muitas vezes associado á fasceíte plantar.
A causas mais comuns
As queixas podem estar associadas a diferentes causas como por exemplo: fraturas de stress no calcâneo, síndrome do túnel társico, neuromas, atrofia na almofada do calcanhar, e esta queixa pode surgir em simultâneo com uma dor na região lombar. As queixas como dormência, parestesia ou fraqueza não são comuns, no entanto se existirem, suspeitamos de causa neurológica.
Estudos demonstraram que apenas 50% dos pacientes com dor no calcanhar apresentavam um esporão no calcâneo, e apenas 10% dos pacientes com esporão no calcâneo eram sintomáticos. A fasceíte plantar é a causa mais comum de dor no calcanhar, cerca de 80%, e que cerca de 1 em 10 pessoas padecem da patologia durante a sua vida. O local da dor pode ser posterior, inferior ou plantar, e apresentar-se mais distalmente sobre a aponevrose plantar, ou irradiar-se até à zona do antepé.
Os sintomas de uma fasceíte plantar surgem como uma dor afiada, tipo “facadas”, na base do calcâneo. É normalmente mais intensa pela manhã, ao sair da cama, quando se levantam após um longo período sentados, ou quando permanecem muito tempo de pé. É mais intensa quando se inicia um exercício, trata-se de uma dor incapacitante, que vai diminuindo ao longo do dia, dependendo da fase de evolução da doença.
É uma das lesões mais comum nos corredores. Fatores de risco como pé planos (pé chato), pés cavos (com arco plantar alto e rígido), pronação excessiva, obesidade, contractura do tendão de aquiles, ou mau calçado desportivo (normalmente com um suporte do arco plantar inadequado, uma palmilha solta, ou uma calcanheira), podem contribuir para o desenvolvimento desta condição.
A etiologia pode ser devida a alterações biomecânicas, doenças reumatológicas ou neurológicas. Como complemento ao tratamento de uma fasceíte plantar, devemos recorrer a um podologista, profissional especializado na anatomia e fisiologia podal. Através da observação do padrão de marcha, da palpação, da Podobarografia/Podobarometria (um exame computorizado do apoio podal, muito importante) e exames complementares, são identificadas as compensações que o paciente realiza, e se necessário o profissional indica e elabora os suportes plantares necessários.
A elaboração de suportes plantares é um processo individual e personalizado, executado em diferentes materiais consoante os resultados obtidos e o doente. No caso dos desportistas, os materiais para os suportes plantares serão distintos, tendo particular atenção o tipo de modalidade praticada.
Existe uma correlação entre a fasceíte plantar com profissões que requerem um prolongado tempo de pé, que tenham de subir muitas escadas, ou que permaneçam muito tempo sentados (Ex: Cabeleireiros, Polícias, Enfermeiros, Empregados de mesa).
A limitação funcional depende da severidade da lesão, os pacientes podem manifestar as suas queixas apenas quando aumentam a intensidade da corrida e ou a distância percorrida. Em caso mais severos os pacientes podem sentir-se limitados para caminhar durante as suas atividades diárias ou para subir escadas.
Esta condição ocorre igualmente em ambos os sexos nas pessoas jovens. Alguns estudos demonstram que o pico de incidência pode ocorrer em mulheres entre os 40 e os 60 anos de idade. Após o verão, observa-se uma maior incidência de fasceítes plantares, principalmente no género feminino, devido ao tipo de calçado utilizado durante esta fase do ano (chinelos de meter o dedo) que obriga a um sobre esforço da musculatura plantar, facto este comprovado no nosso serviço de medicina física e de reabilitação.
O tratamento inicial, como na maioria das lesões por sobreuso/overuse deve seguir o PRICEMM (Proteção, Gelo, Descanso, Compressão, Elevação, Medicação e Modalidades).
A massagem com gelo pode ser facilmente realizada pelo paciente em casa (com um copo plástico cheio de água no congelador, ou um saco de ervilhas congeladas), durante 10 minutos sem parar, idealmente depois das atividades e no final do dia. O descanso é relativo, deverá englobar atividades de baixo impacto como bicicleta, natação ou musculação.
A compressão com tape ou pé elástico, colocando o pé numa posição neutra pode ajudar em casos mais graves. O uso de palmilhas de gel podem oferecer ao paciente uma maior conforto. Manter-se sentado com o pé elevado pode reduzir o edema, e consequentemente ajuda na inflamação.
Os anti-flamatórios não esteroides são utilizados para tratar a dor na fase aguda, para controlo da dor e da inflamação, mas nenhum estudo avaliou a eficácia desta medicação independentemente do tratamento conservador.
A evidência sugere que a fisioterapia pode ajudar a recuperar mais rapidamente e os custos associados ao tratamento podem diminuir. Os tratamentos podem incluir uma combinação de terapia manual com exercícios que demonstraram reduzir a dor. Estes tratamentos envolvem agentes físicos, como o laser, os ultrassons, a massagem ao pé e a toda a fáscia plantar, alongamentos da cadeia posterior e fáscia plantar, mobilização do tornozelo e pé, treino propriocetivo e o reforço da musculatura dos estabilizadores da tibiotársica e músculos do pé.
Outro tratamento frequentemente utilizado são as ondas de choque radias e focais podem ser utilizadas com bons resultados. Podem ser utilizadas isoladamente ou associadas á fisioterapia, complementando com o alongamento da fáscia e reforço muscular.
As ondas de choque provocam um estado inflamatório inicial, com a chamada de agentes inflamatórios ao local, e por uma série de processos químicos e celulares, levando a uma renovação tecidular com substituição dos tecidos deteorados por tecidos novos. Este processo necessita de um tempo para a renovação tecidular de cerca de uma semana, e como tal deve ser realizada 1 sessão de ondas de choque por semana. As radiais de 3 a 5 e as focais cerca de 3 sessões, uma vez por semana.
A cirurgia raramente é necessária, sendo indicada quando a dor é intensa, e as restantes medidas não se verificaram eficazes, consistindo na desinserção da fáscia ao nível do calcanhar.
Como medidas preventivas, é aconselhado o uso de calçado adequado e em boas condições, com um bom suporte plantar. Para a prática de exercício físico o calçado deve ser escolhido tendo em conta cada modalidade. É igualmente aconselhável a manutenção do peso e o uso de um tapete de stress para pessoas que permaneçam muito tempo sentadas.
No caso de esta condição se manter por tempo indefinido sem tratamento adequado pode afetar a cadeia adjacente o membro contralateral e até mesmo a coluna.
As explicações são da médica fisiatra Anabela Marques, em parceria com a podologista Carla Ferreira e as fisioterapeutas Carla Pereira e Sofia Cardante.
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