“Esta farmácia está de luto”, pode ler-se nos nas montras de muitas farmácias do país. O motivo? Não um, mas vários. Os farmacêuticos estão em luta e queixam-se dos sucessivos ataques à sustentabilidade do setor de há uns anos para cá.
Das 2900 farmácias existentes no país, 600 correm o risco de fechar já em 2013. Segundo a Associação Nacional de Farmácias (ANF), 1250 farmácias estão atualmente com fornecimentos suspensos,e já há rutura de stocks, o que está a levar à falta de medicamentos nas farmácias e, consequentemente, aos cidadãos. Já é comum um utente não conseguir aviar uma receita toda de uma vez numa farmácia, como era normal até agora.
Os motivos que estão levar a este soluçar no funcionamento das farmácias, como dito acima, são vários: a saída dos medicamentos não sujeitos a receita médica (MNSRM) que estavam em exclusivo nas farmácias até 2005; a abertura das parafarmácias nas grandes superfícies; a redução dos preços dos medicamentos; o estreitamento das margens; e o aumento dos custos da atividade, com o alargamento dos horários de trabalho. Todos juntos estao a colocar em risco um negócio que em tempos já foi muito próspero.
O alerta vermelho foi dado no passado mês de julho, quando um estudo da Nova School of Business & Economics veio confirmar o risco de insustentabilidade que o setor está a enfrentar. Pedro Pita Barros, economista e especialista em Saúde e também coordenador do estudo, disse na altura ao “Expresso” que as farmácias «defrontam uma situação económica em que a atividade normal não permite cobrir os custos fixos numa maioria de farmácias». Para Pita Barros, «no prazo de um a dois anos, consoante a capacidade de cada farmácia aguentar a crise, poderemos começar a assistir a encerramentos generalizados».
Do lado da Ordem dos Farmacêuticos (OF), a mensagem é também contra as políticas que têm vindo a degradar o setor: «Nos últimos sete anos, a política do medicamento tem assentado sobretudo em medidas visando a redução de preços. Tratou-se de uma sequência de medidas avulsas e conjunturais, que não resultaram da devida avaliação integrada do sistema de saúde e visaram objetivos imediatistas. Por isso mesmo, não resolveram os problemas estruturais de sustentabilidade do SNS. Mas criaram problemas de natureza económica e financeira aos operadores do circuito do medicamento», diz o bastonário Carlos Maurício Barbosa no site da OF.
Numa manifestação de protesto, farmacêuticos e utentes uniram-se e, em outubro passado, entregaram no Ministério da Saúde uma petição que reuniu mais de 230 mil assinaturas, para pressionar o Governo a tomar medidas para não deixar colapsar o setor.
Setor em ebulição
Para além destas dificuldades, as farmácias poderão também ficar sem crédito para novas encomendas e pagamentos a fornecedores já em novembro, em resultado de uma decisão da ANF de adiar por mais 20 dias o pagamento às farmácias das verbas relativas às comparticipações do Estado. Ou seja, em vez de receberem esse dinheiro a 20 de outubro, as farmácias só o receberão a 20 de novembro. Porém, sem esta verba, a maioria dos farmacêuticos não consegue pagar aos fornecedores e fazer novas encomendas, o que poderá agravar a situação de falta de medicamentos nas farmácias já neste mês.
Com esta medida, a ANF pretende pressionar a indústria farmacêutica para que as farmácias possam também fazer-lhes pagamentos a 90 dias (em vez de a 30 dias), condições de que
já goza o Estado português. Questionado pelo jornal “i”, o presidente da ANF, João Cordeiro, foi perentório: «Só ficamos sem medicamentos se a indústria recusar fornecer às farmácias e grossistas o mínimo de condições que oferece ao Estado». Porém, esta medida é vista como muito arriscada por parte das farmácias, pois são elas que se veem a braços com a falta de dinheiro para cumprirem com os seus compromissos. «É uma eutanásia coletiva”, afirma o farmacêutico Luís Cunha, diretor técnico da farmácia Duque D’Ávila, em Lisboa.
Entretanto, a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma) já veio a público manifestar-se contra esta medida da ANF. Em comunicado, refere que «lamenta profundamente que se tomem decisões que dificultam o acesso dos doentes portugueses aos seus medicamentos. (…). Face à Lei da Concorrência, os prazos de pagamento entre os vários agentes económicos não podem ser concertados. A decisão agora comunicada às farmácias por uma das suas associações não representa uma solução para os doentes, pelo contrário».
“Eu estarei cá até à última aspirina”
A farmácia Duque d’Ávila (antiga Cardeira) existe desde 1913, perfazendo 100 anos em 2013. Uma data que Luís Cunha não sabe se vai comemorar, pois a sua farmácia é uma das que está em risco de fechar. «Como estou a sobreviver? Com um empréstimo bancário e recurso a capitais próprios».
A decisão da ANF de adiar a transferência das comparticipações do Estado para as farmácias está a agravar a situação, ao colocar um problema de liquidez imediata às farmácias, que não têm como comprar mais medicamentos e suportar os custos fixos. «Até ao dia 20 [de novembro] terei de inventar uma solução. Tenho de injetar 25 mil euros de capital, mas como se já injetei tudo o que tinha? Provavelmente irei vender o meu carro», conta o farmacêutico.
Entretanto, os farmacêuticos ainda acreditam numa solução e pedem a reposição das margens e o acréscimo de 96 cêntimos por embalagem para ajudar a reequilibrar o negócio. Nesta luta, Luís Cunha garante: «Eu estarei cá até à última aspirina».
@ Sónia Santos Dias
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