As crianças portuguesas precisam de mais iodo para melhor desenvolverem as suas capacidades cognitivas e quocientes de inteligência. Estudo põe a nu carências em metade da população mais nova e recomenda uma intervenção com suplementos desde a gravidez.
As crianças portuguesas têm falta de iodo. O alerta é do coordenador do “Estudo Aporte do Iodo em Portugal”, iniciado em 2004 pelo Grupo de Estudos da Tiróide da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM). Segundo Edward Limbert trata-se de uma carência moderada, mas que é preciso combater de imediato. Os números assim o exigem: cerca de metade das crianças em idade escolar possui níveis abaixo dos recomendados.
O problema tem de ser atacado logo na gravidez, explica o investigador, que recomendou, no XII Congresso Português de Endocrinologia, decorrido em Tróia, que Portugal adoptasse medidas legislativas à semelhança de Espanha, no sentido de as grávidas receberem suplementos de iodo, como acontece, por exemplo, com o ácido fólico.
O estudo demonstra que 80% das grávidas portuguesas têm níveis de ingestão de iodo abaixo do desejável e 20% níveis muito baixos. E o que é que isto provoca? “O problema não é propriamente para as grávidas, mas para os fetos”, respondeu. E esclareceu: “Vários estudos vieram a mostrar que mesmo as carências menores, como a que temos em Portugal e noutros países da Europa, podiam ser prejudiciais para o desenvolvimento dos fetos nascidos dessas mães, uma vez que a falta de iodo tem influência no sistema nervoso do bebé.” Em resultado disso, “as crianças já em idade escolar podem vir a ter problemas de aprendizagem, défice de atenção e quocientes de inteligência baixos ”.
Edward Limbert explicou ainda que a solução é simples e pouco dispendiosa para o Governo. O apelo foi bem recebido pelo director-geral da Saúde, Francisco George, que se comprometeu no sentido de tornar a suplementação de iodo na gravidez uma prática corrente em breve. “Já é um bom começo”, reagiu o investigador.
Peixe do mar ajuda
Questionado pelo Jornal do Centro de Saúde sobre se é recomendável que as grávidas façam análises no sentido de controlarem os seus níveis de iodo, foi peremptório: “Não é preciso”, tranquilizou. “As análises foram feitas em termos populacionais e verificou-se que há um défice; agora há que dar o suplemento a todas as grávidas”, desvendou.
No entanto, o problema não fica resolvido, uma vez que a intervenção nas futuras mães não actua na carência detectada nas crianças actualmente em idade escolar. Para o resto da população, a recomendação da Organização Mundial da Saúde, explicou o responsável, “vai no sentido de se fazer iodização do sal, ou seja, pôr uma percentagem de iodo no sal das cozinhas”. Tal como no caso das grávidas, “tem de ser uma medida legislativa, como aconteceu em Itália e na Dinamarca”. Por enquanto, “a prevenção tem de ser em duas frentes, depois tem de se ir fazendo a monitorização até para se ver se as quantidades são adequadas”, sublinhou.
Até lá, a solução passa por incluir “mais peixe e substâncias vindas do mar, ricas em iodo”, na alimentação dos mais novos, referiu. “Tem é de ser peixe de mar”, ressalvou. E prosseguiu: “O leite também tem algum teor de iodo, em virtude da alimentação das vacas, e a verdade é que nas escolas onde era dado leite às crianças encontrámos valores mais positivos.”
O responsável lembrou ainda que se “ouve muita história da profilaxia silenciosa”. Por outras palavras, que há a ideia de que as pessoas que vivem junto ao mar recebem mais iodo. Todavia, isso não é totalmente verdade, tanto que nos Açores e na Madeira as crianças têm mais carência de iodo do que no resto do país. “O iodo apenas existe onde há abundância de algas, o que não acontece nas regiões autónomas”, clarificou. E idas à praia? “A absorção é demasiado baixa para ser suficiente”, esclareceu.
Um problema ignorado
O professor destacou que este foi um problema ignorado até à data. “Não se falava nisso”, desvendou. O último estudo deste género no país foi feito há 30 anos “e os dados ainda eram piores do que estes”, enalteceu. O problema é que “naquela altura não se valorizava a importância da carência de iodo, só se pensava no aspecto de poder provocar o chamado bócio endémico, que é provocado por uma carência muito, muito marcada”. Edward Limbert sublinhou que se “pensava que uma vez resolvido esse problema não seria preciso pensar mais nisso”. Por isso, nada se fez. Só mais tarde surgiram investigações a demonstrar que a realidade é outra.
A SPEDM considera o défice de iodo um dos principais factores de risco para o aparecimento de alterações da função da tiróide. Uma deficiência de hormonas tiroideias pode resultar em prejuízos no desenvolvimento físico e mental, cuja seriedade depende do grau de insuficiência. “Razões mais do que suficientes para que se tomem medidas rapidamente”, concluiu o especialista.
Alguns dados
80% das grávidas com níveis de iodo abaixo do desejado
46,9% crianças apresentam níveis de iodo baixo
Aveiro e Coimbra foram as cidades que apresentaram piores resultados (70% com défice de iodo)
Lisboa e Portalegre estão melhor (26%)
Bócio endémico foi praticamente erradicado
3679 crianças estudadas, de 78 escolas do continente
O que é?
O iodo é um elemento que existe em pouca quantidade na natureza e fundamental ao organismo para produzir as hormonas da tiróide, pelo que a sua quantidade na alimentação condiciona o funcionamento e as doenças relacionadas com aquela glândula. As necessidades de iodo aumentam desde o nascimento até à adolescência, mantendo-se depois constantes no adulto, excepto na gravidez e na amamentação, em que a necessidade é maior. A sua deficiente ingestão pode levar à diminuição da produção das hormonas tiroideias (hipotiroidismo) e ao aumento do tamanho da tiróide (bócio).
Texto: Sandra Cardoso
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