Qualquer pessoa que visita a ilha do Porto Santo faz a pergunta: ”Se esta é uma ilha vulcânica, porque é que tem areia amarela?”. E a resposta não podia ser mais natural.
Podia ser uma areia banal, de uma qualquer praia de Portugal, mas é uma areia especial, uma areia carbonatada biogénica. Um nome pomposo explicado ao SAPO Lifestyle por João Baptista, investigador integrado do Centro de Investigação e GeoBioTec, da Fundação para a Ciência e Tecnologia da Universidade de Aveiro, licenciado em engenharia geológica e doutorado em geociências.
“As areias das praias portuguesas e europeias são siliciosas, de quartzo, e sentimos logo a diferença na sua composição. A do Porto Santo distingue-se das demais porque se trata de uma areia carbonatada biogénica, que tem cálcio, magnésio e estrôncio, composta, essencialmente, por bioclastos de algas vermelhas (Rodófitas) e outros micro fósseis. Uma série de espécies, de seres vivos deram origem à areia”, explica o investigador.
João Baptista começou a estudar as propriedades das areias de Porto Santo em 1995 e hoje, em conjunto com uma vasta equipa de investigadores e médicos, pretende promover a ilha como estância singular de saúde natural. “Porque para além da areia existem outros recursos como a água, que potenciam o turismo de saúde”, explica.
Pensa-se que esta areia se tenha formado há cerca de 35 mil anos, quando o Porto Santo tinha um clima tropical e quatro vezes o tamanho que tem hoje. “Sabemos que nessa altura houve condições excecionais de temperatura, de luminosidade e alimento abundante que permitiu que se desenvolvesse na zona norte da ilha, entre os 50 e os 100 metros de profundidade, toda uma fauna e flora marinha específica”, conta o investigador.
Para além destas condições, a ilha atualmente apresenta um conjunto de parâmetros microclimáticos que dificilmente se reúnem noutras ilhas do espaço biogeográfico da Macaronésia (nomeadamente o Arquipélago dos Açores, Canárias e Cabo verde). “E porquê? Porque aqui temos temperaturas da água do mar à volta dos 24 graus, uma temperatura exterior que ronda os 26/30 graus, uma humidade relativa entre os 70 e 80% e areias com temperaturas que podem atingir os 60/70graus”.
“Em dias de céu limpo, temperaturas agradáveis e vento fraco, é muito difícil caminhar descalço sobre a areia, que pode atingir os 65 graus”, explica.
Mas o que torna esta areia tão especial e única?
“A areia contém muito cálcio, magnésio e estrôncio, ou seja, tem elementos bioessenciais que depois vão ser importantes para os tratamentos de psamoterapia (terapia com areia)”. O investigador explica que os campos de ação têm incido sobretudo no tratamento de patologias osteoarticulares, ou do foro reumático e dermatológico e nas dores fantasma de pacientes com membros amputados.
A areia do Porto Santo é extremamente fina e é composta por partículas lamelares que têm uma grande adesividade à pele. “Por isso brincamos e dizemos que as pessoas na praia parecem panadinhos”, brinca João Baptista, quando explica quais as propriedades deste recurso natural.
Ao passear pelo extenso areal da praia do Porto Santo, é frequente ver-se turistas enterrados na areia, mas atenção, este não é o processo para se fazer o tratamento.
“Eu acho que a natureza está bem feita e aqui temos no meio envolvente aquilo que precisamos. Mas o tratamento em ambiente natural depende da mãe natureza. A radiação do sol destrói a carga bacteriológica, o sol aquece a areia, a areia é lavada e purificada pela água do mar, etc. Mas em espaço controlado conseguimos chegar à temperatura ideal e preparar a areia a nível bacteriológico, para ser administrada ao paciente”, explica João Baptista.
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Os passos do tratamento
Neste ambiente controlado, o paciente entra numa banheira e, aos poucos, vai sendo coberto de areia, que idealmente deverá aquecer gradualmente até aos 40 e os 43 graus. O ácido do suor que o paciente liberta proporciona a dissolução química parcial dos carbonatos, permitindo que o cálcio, o magnésio e o estrôncio penetrem na pele. “E é essa a ação da parte química com a parte térmica que promove o sucesso terapêutico”, indica.
É fundamental um acompanhamento do paciente durante todo o processo, para o manter hidratado e garantir que não sofre quebras de tensão. Terminado o banho, à medida que o suor vai secando, os iões vão sendo absorvidos pelo corpo e incorporados nos fluidos celulares e intercelulares e também na corrente sanguínea.
“Durante um tratamento o paciente perde cerca de 1kg/1,5kg. São reações termoquimicoterápicas bastante fortes, porque perdemos gordura e água. Não se esqueça que durante 30 minutos fica sujeita a uma temperatura superior à do seu corpo”, remata o investigador.
No entanto é importante referir que “este tratamento não é recomendado a pessoas com patologia cardíaca, pessoas com problemas de circulação ou varizes e todas as patologias onde o calor se transforma num elemento perturbador”, alerta João Baptista. E, acima de tudo, os pacientes devem ser criteriosamente selecionados em função do seu tipo de patologia e devem ser devidamente acompanhados. Para além dos técnicos do Spa (onde são feitos os tratamentos), deve haver um acompanhamento clínico (exames de diagnóstico e análises de sangue antes e depois do tratamento).
“Uma coisa é fazer um tratamento experimental, outra coisa é seguir um tratamento para curar determinada patologia. É fundamental um acompanhamento clínico muito criterioso”, remata João Baptista.
O Hotel Porto Santo é o único local no mundo onde se pratica a geomedicina e a psamoterapia. João Baptista e a sua equipa multidisciplinar, juntamente com uma equipa de médicos da Faculdade de Medicina da Universidade de Oslo e de duas clinicas que fazem tratamento da dor na Noruega e, entre 1999 e 2001 o hotel do Porto Santo começou a trazer grupos para serem tratados nas areias. Ou seja, nós tratávamos da areia e os médicos controlavam o paciente e aí foram definidas as áreas onde as areias podem ser administradas.
O único problema é que a areia, um dos recursos mais preciosos da ilha,não se regenera e há que gerir bem a sua manutenção para o Porto Santo desbravar caminho e continuar a luta pela conquista do título de estância singular de saúde natural.
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