Segundo a Sociedade Portuguesa de Diabetologia, cerca de 40 crianças, com menos de 4 anos, desenvolvem anualmente diabetes tipo 1. É uma notícia angustiante para os pais e incompreensível para os filhos. Estes ainda não têm capacidade para compreender porque não podem comer tantos doces como os amigos ou porque têm de “levar uma pica”. Conheça a história de Maria João, diabética desde os 2 anos.

Quando o relógio marca as 8h30 significa que chegou a hora de acordar a Maria João Teixeira para lhe dar o bom-dia e o biberão. Antes, porém, é necessário dar-lhe medicamentos e administrar-lhe insulina. A pequena Maria tem diabetes tipo 1, apenas 3 anos e depende da insulina para viver. Findo o ritual da “pica”, como lhe chama, e depois de ter tomado o pequeno-almoço, vai para o jardim-de-infância. Este ano, os seus pais, Ana Isabel e José Teixeira, encararam o começo do ano lectivo com uma certa angústia e nervosismo. Estava latente o peso da notícia recebida no dia 26 de Maio de 2009. 

A diabetes obriga o controlo rigoroso da glicemia, a adopção de cuidados imprescindíveis para a saúde e a toma de insulina várias vezes ao dia. Todavia, não impede a Maria de ter uma vida normal, igual à de tantas outras crianças da sua idade.

Já na escola, pelas 10h00, faz um pequeno lanche, normalmente composto por fruta, bolachas de água e sal e iogurte. “Quando tem os níveis de açúcar controlados, administro mais uma unidade de insulina, para poder beber leite achocolatado light, por ter menos hidratos de carbono”, conta Ana Isabel, de 31 anos e assistente técnica na Câmara Municipal de Armamar. “Andava muito triste”, desabafa, “porque os outros meninos bebiam leite e ela não. Causou-lhe nervosismo, o que contribuiu para o aumento dos níveis de glicemia. Mas quando lhe enviei o leite, os níveis foram repostos, porque já não ficou stressada.”

Brinca imenso com os amiguinhos antes de ir almoçar a casa, altura em que faz novamente a medição da glicose. Se os níveis estiverem a rondar os 80 ou os 120, toma a insulina e come de imediato. Caso ultrapassem os 120, tem de esperar cerca de 15 minutos para almoçar. Nesta refeição, nunca falta sopa, hidratos de carbono (arroz, massa ou batatas), carne ou peixe e fruta. Regressa à escola e pelas 15h30 mede os níveis, toma a insulina e só depois faz a merenda da tarde, que inclui iogurte, pão ou bolachas e, por vezes, sumo light. De volta a casa, pelas 17h30, quer logo brincar com o seu irmão, Zé Luís, de 5 anos. “Gosta muito de brincar com as bonecas, com os carrinhos do irmão e de fazer puzzles”, comenta Ana Isabel, que lhe mede os níveis de glicose e administra a insulina antes do jantar. A última medição do dia é feita antes de se deitar, momento em que toma mais uma dose de insulina. Sempre a cantar, até adormecer, ainda bebe leite. Se neste momento os níveis forem inferiores a 120, os seus pais voltam a medir a glicose por volta das três da manhã.

A pequena Maria tem um quotidiano característico de uma criança da sua idade que não sofre de diabetes, excepto a medição dos níveis de glicemia e a administração da insulina. Actos que nunca devem ser descurados, assim como a alimentação saudável e equilibrada e a prática de exercício físico. Contudo, os seus pais têm algumas dificuldades. Ultrapassáveis, mas que retiram algum conforto. Esta família vive em Travanca, uma aldeia do distrito de Viseu, e na opinião de Ana Isabel é “prejudicial para a não estabilização da diabetes. Sem ser a piscina, não existem mais actividades para a idade da Maria, como ginástica ou dança.” No que respeita à alimentação, têm de se deslocar à cidade, onde haja uma grande superfície comercial para adquirirem produtos com níveis baixos de hidratos de carbono.

Ficar sem chão

O episódio que causou uma certa estranheza e que acabou por conduzir ao diagnóstico ainda está bem presente para Ana e José. Em meados de Abril do ano passado repararam que a filha Maria bebia muita água e urinava bastante, chegando a acordar durante o sono várias vezes para beber água. A fralda teria de ser mudada de duas em duas horas. Com a certeza de que algo não estava bem, até porque não era o primeiro filho, tomaram a iniciativa de pedir análises à urina. Comentaram com o pediatra da Maria, que os alertou para os valores da glicemia. “Quando abri as análises assustei-me logo. A glicose apresentava valores acima dos 1000. O pediatra encaminhou-nos de imediato para o Hospital de São Teotónio, em Viseu, onde foi diagnosticada diabetes tipo 1 à Maria”, relata Ana Isabel.

Inicialmente, a reacção destes pais foi péssima. “Pensámos que o mundo nos tinha caído em cima, ficámos sem chão. Durante alguns dias perguntávamo-nos a nós mesmos onde foi que errámos e por várias vezes sentimos culpa”, explicam. Chegaram a pensar que a Maria era a única criança a ter diabetes e não imaginavam que existiam inúmeros casos semelhantes. Com esforço, nunca deixaram transparecer a angústia, mantendo sempre um sorriso. O impacto inicial deu lugar à busca pela informação na Internet, em revistas, em livros e falando com pais de outras crianças. No hospital, também receberam toda a informação necessária e, sobretudo, muito apoio psicológico.

Dar a volta por cima

“Tivemos de encarar a situação da melhor maneira possível, senão quem iria sair prejudicada era a Maria. Como depende de nós a 100%, ganhámos força para a ajudar. Além disso, pensámos no nosso filho, que também precisava de nós”, contam estes pais, que, de vez em quando, sentem tristeza e angústia, em especial quando a benjamim da família diz que não quer ser picada.

Os cuidados com a sua alimentação, no incentivo da prática de exercício físico, no controlo da glicemia e na administração da insulina compensam os resultados positivos. A Maria participa, com grande entusiasmo, nas actividades programadas no jardim-de-infância, é brincalhona e um “pouquinho mandona”. Anda de bicicleta com o irmão, gosta de andar a pé e de correr. Ainda não consegue nadar sozinha, mas já mergulha. “Antes de ir para a natação, temos de medir os níveis da glicose, para não vir a ter nenhuma hipoglicemia, e quando termina a aula come bolachas de água e sal”, indica Ana Isabel.

Quando vai a festas de aniversário, a sua mãe administra-lhe mais insulina e prepara aquilo que pode comer. O seu nascimento – 18 de Junho – é comemorado sempre com a mesma alegria e entusiasmo. Além dos bolos, não faltam na mesa coloridas espetadas de frutas que despertam a atenção dos seus amiguinhos. A Maria é sócia da DTT – Diabéticos Todo-o-Terreno, Associação de Jovens Diabéticos do Centro e participa nas diversas iniciativas promovidas, desde passeios a encontros de convívio e troca de experiências. “Em Junho, fomos ao Mini-Campo de Férias para crianças diabéticas e a Maria e o Zé Luís ficaram admirados porque havia meninos que também faziam a ‘pica’. Quando regressámos já fazia a medição da glicose sozinha. Foi um grande passo”, diz, orgulhosa, Ana Isabel, que participou no passado dia 13 de Novembro no IV Fórum Nacional da Diabetes, realizado em Aveiro, no âmbito do Dia Mundial da Diabetes.

Texto: Sofia Filipe

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