Ao contrário da anoréxica, a bulímica pode passar perfeitamente despercebida.
A magricela pode chegar a uma altura em que, farta de sofrer, infringe as suas próprias regras e começa a devorar com sofreguidão alimentos proibidos. Com o risco de desenvolver uma outra doença do comportamento alimentar - a bulimia - tornando-se "comilona", como a designa Katherine Byrne.
Mas nem todas as comilonas começaram por ser magricelas. Muitas são "puras", isto é, a sua doença começou com a ingestão excessiva de alimentos, não com a privação obsessiva deles.
Ao contrário da magricela, a comilona pode passar perfeitamente despercebida. O seu peso ligeiramente abaixo do normal não é suficiente para lançar o alarme, pelo que pode demorar algum tempo até que a família se dê conta.
Além disso, enquanto a magricela faz gala do seu estado, a comilona guarda segredo. É que a ingestão compulsiva de alimentos e os vómitos forçados que se lhe seguem são vistos, por ela própria, como uma fraqueza de quem não é capaz de deixar de satisfazer todos os seus apetites.
Sabe-se pouco sobre o que faz desencadear a primeira crise de voracidade e o subsequente ciclo infernal de comer de mais, vomitar, sentir culpa e comer de mais outra vez. Às vezes, é cansaço excessivo ou uma situação de stress fora do normal, como a perda de um dos progenitores ou divórcio (as comilonas são, em regra, mais velhas do que as magricelas).
O facto é que a doente é confrontada com a realidade de que está a engordar. O terror que experimenta em relação à gordura e a repugnância que sente por comer de mais combinam-se para a levar a procurar uma forma de contrabalançar os resultados.
Mais cedo ou mais tarde, encontra uma purga - o vómito e, com ele, a solução. Primeiro tem de meter um dedo ou dois pela garganta ou beber água salgada, mas quanto mais se vomita mais fácil é. Ao ponto de ser suficiente contrair os músculos do estômago. E vomitar torna-se um reflexo condicionado, automático quando o estômago está cheio.
Dor para apaziguar a culpa
Mais cedo ou mais tarde, o corpo exibe sinais deste ciclo infernal. A repetição regular de vómitos induzidos pela introdução de um dedo na garganta pode originar calos no sítio onde os dedos raspam a pele e também destrói o esmalte dos doentes pela exposição aos ácidos do estômago. Os dentes tornam-se sensíveis a alimentos quentes e frios.
Além disso, a ingestão compulsiva de alimentos e as subsequentes manobras purgativas podem afectar seriamente vários órgãos sensíveis à perda de potássio e à desidratação, incluindo os rins e o cérebro. Também o esófago pode sofrer irritações graves provocadas pela acidez gástrica.
Rosto inchado, como se tivesse papeira, é um dos sinais mais óbvios da indução sistemática do vómito.
Por vezes, quando não consegue induzir o vómito, a bulímica vira-se para os laxantes. Mas também aqui a escalada é inevitável: o intestino torna-se insensível à dose inicial e deixa de reagir, ao ponto de em casos extremos a doente ingerir 30 a 50 vezes a dose diária recomendável.
Com os inerentes efeitos prejudiciais a prazo - lesão das extremidades nervosas que alimentam as fibras musculares do intestino. Já não consegue efectuar os movimentos naturais de contracção coordenada, evacuar torna-se mais difícil. O desconforto abdominal é por demais evidente: aumenta o volume do abdómen, é como se a doente tivesse um melão oco na barriga.
Quer a indução do vómito quer o recurso a laxantes podem perturbar gravemente o equilíbrio bioquímico do corpo.
Mais dissimulada do que a magricela, a comilona apresenta, contudo, formas muito estranhas e assustadoras de comportamento.
A culpa esmagadora que sente após cada crise de voracidade empurra-a para a automutilação e flagelação - bater com a cabeça nas paredes, esfregar as mãos e os braços com uma superfície áspera até sangrar são gestos frequentes. É que a dor física põe fim momentaneamente à angústia mental que não é capaz de suportar.
Uma dura prova para os pais
Os distúrbios alimentares - anorexia ou bulimia - põem à prova toda a família. Ajudar uma magricela ou uma comilona requer mais paciência, firmeza, amor, sabedoria e força do que a maioria dos pais julga ter.
A recuperação é, para as doentes, uma descoberta - uma aprendizagem da qual saem mais fortes e confiantes, com mais conhecimento de si próprias. O mesmo acontece com os pais, na experiência de Katherine Byrne - saem fortalecidos dessa luta.
Sinais de Alerta
Geralmente é alguém de fora que se apercebe do estado de extrema magreza da adolescente, até porque o contacto diário ilude a mudança, turva o olhar dos pais. Por isso, há sinais a que a família deve estar atenta, de modo a evitar que se chegue a esse extremo demasiado óbvio. São eles:
- Mania das dietas. Repare se a sua filha, de repente, começou a limitar a ingestão de alimentos a fruta, saladas e legumes cozidos. Normalmente, as adolescentes abandonam rapidamente estas dietas, por isso, se persistir várias semanas consecutivas pode ser sintoma de uma doença do comportamento alimentar.
- Mudanças de comportamento. Se, além de alterações nos padrões alimentares, a sua filha mostrar mudanças de comportamento, pode estar perante um quadro de doença. Se a adolescente, que sempre foi franca e aberta, agora passa horas fechada no quarto, se perde o interesse pelos amigos ou pelas suas actividades habituais, a situação pode ser séria.
- Excesso de exercício físico. Uma das coisas mais impressionantes neste tipo de doenças é que uma pessoa que mal se alimenta o suficiente para agarrar um lápis consiga ter energia para passar horas a fazer jogging ou a pedalar. Quando o exercício físico é levado ao extremo, é sinal de que algo está mal.
- Perda de peso sem dieta. Se uma adolescente come normalmente, ou mais do que o normal, e perde peso, os pais devem suspeitar de que se está a desfazer da comida. O grau de suspeição deve aumentar se ela se levantar logo da mesa a seguir à refeição e se enfiar na casa de banho. Esta é uma pista muito forte para descobrir a síndroma da ingestão compulsiva seguida de vómito - bulimia.
- Depressão. Se a sua filha apresentar sinais de doença do comportamento alimentar e também parecer deprimida ou excessivamente reservada, se aparentar não ter ambições ou começar a fazer comentários acerca de não ter futuro e se sentir vazia, deve actuar de imediato e pedir ajuda.
- Qualquer alusão a temas relacionados com o suicídio deve ser encarada de uma forma muito séria.
"Anorexia e Bulimia"
Autor: "Katherine Byrne (pseudónimo)
Tradução: Ana Sassetti da Mota
Adaptação e revisão técnica: Leonor Sassetti, médica pediatra, precursora de uma consulta para adolescentes no Hospital de Santa Maria, actual responsável pela consulta de adolescentes no Fernando da Fonseca.
Prefácio: Isabel do Carmo, médica endocrinologista no Hospital de Santa Maria, onde coordena a consulta de doenças do comportamento alimentar. Edição: Principia.
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