Quando em 1943 começaram a ser conhecidos os primeiros casos de Perturbação Autística de Contacto Afectivo pelo Dr. Leo Kanner, foram reportados onze casos, três deles raparigas, e todos eles casos mais severos e com necessidade de apoio.
E se hoje se fala das diferenças na expressão comportamental entre os rapazes e as raparigas no Espectro do Autismo.
É sabido que aquelas três raparigas apresentavam um quadro em tudo semelhante ao dos rapazes. Alguns anos mais tarde, em 1971, foi feita uma avaliação de seguimento a esses casos, e as raparigas encontravam-se desde a altura inicial internadas em contexto hospitalar e sem qualquer contacto com os profissionais de saúde, mas também com a família.
Ao longo de todos estes anos, os estudos científicos que foram sendo realizados nesta área, e que vieram a fornecer um contributo fundamental para o surgimento dos critérios de diagnóstico e dos instrumentos de avaliação. Estes estudos foram sendo quase sempre realizados com participantes do sexo masculino. Ou seja, os próprios critérios de diagnóstico estão de certa forma enviesados e vão continuando a contribuir para esta maior dificuldade no reconhecimento do diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo no feminino.
Apesar de nos últimos 10-15 anos a situação ter vindo a mudar com uma maior participação das raparigas e mulheres nos estudos científicos enquanto participantes. O certo é que os estudos de prevalência continuam a evidenciar uma diferença de 4:1 entre rapazes e raparigas no Espectro do Autismo.
Mas curiosamente, quando falamos de situações em que as pessoas apresenta um défice cognitivo ou um perfil cognitivo bastante mais baixa, esta mesma prevalência desce para 2:1. Ainda assim, a experiência clinica vai-nos mostrando que essa diferença (4:1) parece exagerada, e seria mais correcto dizer algo como 1.8:1.
As diferenças
Contudo, além de haver reconhecimento de que há uma propensão para uma apresentação diferente na expressão comportamental das raparigas/mulheres no Espectro do Autismo.
Nomeadamente, apresentam uma maior intenção de estabelecer relações sociais e fazer amizades, além de apresentarem também uma maior e melhor competência para camuflar socialmente. Ou seja, apresenta melhores competências de aprendizagem de comportamentos sociais que as ajudam a fazer frente a algumas das suas iniciativas sociais.
O certo é que as raparigas continuam a ser negligenciadas muito frequentemente no diagnóstico. Seja porque os instrumentos usados na avaliação parecem não estar suficientemente adaptados à expressão do autismo no feminino, mas porque continuamos a ter uma leitura enviesada por causa dos papéis de género.
Se uma rapariga com oito anos estiver frequentemente a brincar com bonecas e as colocar sempre lado a lado. Provavelmente a leitura é que que estará a brincar ao faz de conta. No caso de ser um rapaz com a mesma idade e estiver frequentemente a alinhar carrinhos, este mesmo comportamento poderá ser um sinal de alerta e entendido como um interesse ou comportamento repetitivo e uma atividade restrita. Porquê a diferença?
Se uma rapariga de 9 anos tiver um interesse muito intenso em cães e souber as suas raças e estiver com frequência a desenha-los ou coleccionar autocolantes. Isso pode ser visto como uma atividade já orientada para a escolha de uma profissão futura ligada à Medicina Veterinária.
No entanto, se um rapaz tiver um interesse igualmente intenso em dinossauros e souber os seus nomes e falar deles com frequência, provavelmente a leitura será mais preocupante. Sendo que poderá ser considerado um interesse restrito.
E se tivermos uma rapariga de 5 anos de idade que frequentemente está a brincar sozinha no seu quarto. Normalmente, isso é sentido como sendo sinal de uma criança calma. Mas se for um rapaz com a mesma idade, provavelmente será um sinal de alerta para um comportamento de isolamento social.
Diagnóstico nas raparigas tende a acontecer dois anos mais tarde do que os rapazes
As raparigas tendem a ser diagnosticadas com Perturbação do Espectro do Autismo cerca de dois anos mais tarde do que os rapazes com as mesmas características. O facto de criarem vários cenários alternativos no seu pensamento na maior parte das situações, sociais ou não.
Normalmente é sentido como fazendo parte do perfil de funcionamento das raparigas. E algumas das alterações do comportamento são entendidos como birras. Enquanto nos rapazes, normalmente costuma ser entendido de défice de atenção e comportamentos agressivos.
As raparigas apresentam muitos dos comportamentos observados no Espectro do Autismo, ainda que a sua apresentação possa ser qualitativamente diferente. É preciso que os profissionais de saúde e professores possam ser sensibilizados para sinalizarem estas situações.
As barreiras que as raparigas e mais à frente as mulheres enfrentam são inúmeras. Mesmo em criança o sofrimento causado por todo estas vivências em silêncio leva a um aumento exponencial na ansiedade. Fator que vai agravar a situação clínica e que potencia ao desenvolvimento de outras problemáticas no seu futuro.
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