Não é fácil de entender nem de reconhecer. Dói. Dói mesmo muito. Tanto no doente como nos familiares, nos amigos ou nos que convivem com ele. Lidar com uma pessoa que sofre de depressão pode transformar-se num desafio difícil de alcançar. Mas o tratamento existe, a cura é possível e a vida pode voltar a sorrir. Tem coragem? Quer tentar? A depressão pode mesmo deixar de doer! Acredite!
Imagine que de um dia para o outro a sua vida muda… completamente. Depois de alguns avisos que ignorou ou que não assumiu como importantes. “É apenas cansaço”, pensou. A rotina passa a ser outra, os seus gostos transformam-se, deixa de ter coragem para trabalhar, fica alheado do mundo, não dá atenção à família… Chega a um ponto em que só se sente bem num quarto escuro, deitado, sem ser interrompido. O mundo vai sendo cada vez mais seu e só seu. Um mundo que vai contra tudo o que sempre considerou como certo. Imagine que nem vontade tem de abandonar o pijama e muito menos de tomar banho ou de fazer a sua higiene diária.
É difícil, não é? Se lhe parece um cenário completamente hipotético e impossível, basta ler as seguintes linhas para perceber que é bem mais real do que parece. Mesmo que alguns a considerem a “doença da moda”, ainda que para muitos o consumo de antidepressivos esteja em claro crescimento por falta de conhecimento de alguns profissionais de saúde, ou que para outros seja impossível pensar sequer na hipótese de virem a passar por uma vida diferente dentro da sua própria vida, em que uma nada se assemelha à anterior…
Sem motivo aparente
Isabel conta na primeira pessoa um historial de anos de depressão. “No início, não sabemos o que temos. É muito complicado”, começa por contar Isabel. Sofre de depressão há já vários anos. Mas não é uma depressão qualquer. É uma doença que não tem uma forte condicionante que a motive (perda de um familiar, perda de emprego, solidão ou diagnóstico de alguma doença, para citar alguns exemplos) e que, “à partida, tem uma componente hereditária associada, uma vez que a minha mãe também sofria de depressão”, esclarece. Isabel confessa que não se sentia mal fisicamente. Sentia apenas algum cansaço que a levou a consultar o seu “médico de família”. Passou a não ter força, perdeu o apetite e não conseguia dormir. Posteriormente e sem qualquer motivo que o justificasse, “sentia uma grande tristeza e um enorme desânimo”.
Isabel, ao contrário de muitas pessoas com doenças mentais, procurou de imediato ajuda. Acabou por ser consultada por um psiquiatra que lhe receitou antidepressivos. Aceitou a terapêutica por ter vivido de perto o problema da mãe e conhecer bem a doença.
“Após começar a ser medicada, demorei cerca de três meses para conseguir sair da depressão. Não tinha vontade de fazer nada, nem sequer consigo ler, que é algo que gosto de fazer nos tempos livres.” Isabel vê-se, de um momento para o outro, confinada à cama e por vezes com a televisão ligada, que permanece acesa, com som ligado, mas não consegue captar a sua atenção. “Só me sinto bem deitada, sem que ninguém me diga nada ou me leve para algum lado. Qualquer esforço físico extra, como tomar banho, torna-se uma tarefa árdua e difícil de concretizar”, confessa.
O marido e os filhos sempre acompanharam as suas depressões. Isabel até se consegue colocar no lado dos familiares e pensar no que sentem perante a sua doença, mas fica tão cansada que, pura e simplesmente, não reage.
A depressão que chega mas que também passa
Isabel hoje está bem mas amanhã pode estar deprimida. A doença “vaivém”, como ela própria a denomina. “A depressão demora a passar, mas passa… No entanto, continuo a tomar medicação como forma de prevenção e todas as manhãs tomo mais um anti-depressivo”, diz-nos. Isabel é um exemplo de que a adesão à terapêutica é uma óptima aliada para evitar novas crises. Além disso, confessa que não tem efeitos secundários com a medicação e que mantém sempre um acompanhamento psiquiátrico.
Trabalhar torna-se impensável. As baixas psiquiátricas sucedem-se e Isabel confessa que, “se vivesse sozinha, nem conseguiria alimentar-me”. Quando está deprimida, sente-se vazia. “É como um balão cheio de ar que alguém pica e que começa a esvaziar.” Por outro lado, confessa que “acordar da depressão é muito bom porque anteriormente parece que estive morta” e sente que renasceu. E, de facto, a vida parece voltar a fazer sentido. Isabel volta a ir ao cinema, a passear, a fazer tudo aquilo que lhe dá prazer.
Ninguém encontra explicação porque Isabel, de um momento para o outro, se sente assim. Sem forças. Impotente. Sem reacção. “Gostava de não ter esta doença”, diz-nos. Ainda assim, assume-se como uma mulher positiva que gosta de viver o dia-a-dia e a quem não se esperaria um diagnóstico depressivo. “Assumo a minha doença sem problema e quando estou em fase de recuperação quero fazer muitas coisas ao mesmo tempo.” Depois da fase em que esteve meio “adormecida”, Isabel ganha energia e quer aproveitar todos os minutos… Sem esperas.
Para quem sofre do mesmo problema, aconselha a procura de ajuda especializada. “Devem ir ao médico, tomar a medicação e ter esperança, porque esta doença tem tratamento. Ainda assim, não ignorem a continuidade de acompanhamento especializado depois de recuperarem”, conclui.
Como se manifesta?
Esta doença manifesta-se de várias formas. “As pessoas podem ter um único episódio de depressão ao longo da vida (geralmente posterior a um acontecimento de vida negativo) ou podem ter vários episódios com períodos variáveis em que não têm sintomas”, esclarece a Prof.ª Doutora Maria Luísa Figueira, psiquiatra. Há ainda pessoas que adoecem muito cedo com um quadro depressivo ligeiro, em geral já durante a adolescência ou início da idade adulta, mas que se mantém crónico e só melhora com tratamento. “Este estado depressivo, sendo crónico, se não for tratado acompanha a pessoa ao longo da vida, fazendo quase parte da sua maneira de ser.”
Desta forma, a doença causa sofrimento constante e perturba a vida social, a capacidade de estudo ou de trabalho, o que acaba por ser dramático. As depressões podem ser ligeiras, moderadas ou graves, consoante o seu grau de gravidade.
Absentismo e incapacidade laboral
Actualmente, esta doença “é uma das causas mais importantes de incapacidade laboral e pessoal. Responsável por parte do absentismo e uma das causas mais importantes de reforma antecipada em Portugal, sobretudo em mulheres, produz um marcado sofrimento pessoal e que provoca dificuldades de memória e de concentração”, explica Maria Luísa Figueira.
O que acontece é que, muitas vezes, as pessoas deprimidas têm de ficar de baixa para tratamento durante um longo período porque não conseguem dar resposta adequada às tarefas e exigências profissionais, sentindo-se culpabilizadas por não darem rendimento. “Se trabalham em casa podem sentir falta de energia para as tarefas domésticas, tendo dificuldade em levantar-se de manhã. Podem ter perda de apetite e emagrecerem, ou, pelo contrário, sentir muito apetite e comerem sem controlo, levando a um aumento de peso.” À medida que a doença evolui, se não há uma remissão completa dos sintomas, as pessoas podem manter algum grau de incapacidade e, dependendo da sua actividade laboral, podem ter de ser objecto de uma reforma antecipada. “Apesar disso, uma percentagem significativa de pessoas com depressão melhora e pode retomar a sua vida normal desde que os tratamentos sejam feitos precocemente e sejam adequados”, esclarece a psiquiatra.
Mas não é só neste sentido que os factores económicos influenciam a depressão. “Nas situações de catástrofe o sentimento mais dominante é o medo e a ansiedade. A desesperança e o desânimo colectivos manifestam-se principalmente nas situações de crise económica, nas quais o bem-estar, a sobrevivência e o estilo de vida das pessoas são ameaçados”, refere a psiquiatra.
Diagnosticar para bem tratar
O diagnóstico é sempre feito pelo relato das experiências subjectivas do doente e pelos sintomas descritos (emocionais e físicos). “Aspectos como o comportamento observável (fisionomia, comportamento geral) também contribuem para o diagnóstico. Não há exames complementares de diagnóstico que nos possam ajudar no diagnóstico. Este é um diagnóstico meramente clínico”, refere Maria Luísa Figueira.
E se a designação da doença que uma pessoa tem é de extrema relevância, o tratamento adequado assume clara importância. Os tratamentos dividem-se em farmacológicos e psicológicos:
- “A psicoterapia (individual ou de grupo) tem sido utilizada com eficácia, principalmente a terapia cognitivo-comportamental em depressões ligeiras a moderadas. No entanto, é mais eficaz se associada a antidepressivos. Estes fármacos são a primeira escolha num tratamento antidepressivo e têm uma eficácia demonstrada através de ensaios em que foram envolvidas muitas centenas de doentes”, assinala a psiquiatra.
- “Hoje dispomos de uma variedade importante destes fármacos, mais seguros dos que existiam no passado e com eficácia semelhante”, esclarece a especialista. “No entanto, é preciso anotar que nem todos os doentes respondem da mesma maneira aos antidepressivos, e por isso temos de dispor de uma variedade de moléculas anti-depressivas com acções diversificadas nos neurotransmissores do Sistema Nervoso Central e muitas vezes tem de se fazer mais do que uma tentativa com fármacos de grupos diferentes para obter resultados”, explica Maria Luísa Figueira. Muitas vezes, tal como acontece na hipertensão, não é o primeiro fármaco a resultar e procura-se um que se adeqúe às necessidades de cada organismo e de cada pessoa. “O médico deve explicar a doença, os sintomas e esclarecer o plano de tratamento. O doente ficará assim mais apoiado e tem mais probabilidades de obter uma remissão dos sintomas”, conclui.
Esteja atento aos sintomas típicos da depressão
- Estado de tristeza intensa;
- Desânimo;
- Desesperança;
- Pessimismo;
- Fadiga emocional e física;
- Perda do gosto pela vida e pelas actividades habituais;
- Dificuldades de concentração e de memória e, ainda, um conjunto de sintomas sentidos corporalmente ou fisicamente;
- Os sintomas físicos mais frequentes na depressão, que até podem ser dominantes, são principalmente as dores lombares, as dores de cabeça, uma sensação de peso nas pernas, sintomas gastrointestinais e fadiga.
Falsos mitos
Por Luís Câmara Pestana, psiquiatra do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria
- “Os medicamentos vão causar-me habituação”;
- “Os medicamentos vão interferir com a concentração e a memória”;
- “Os medicamentos irão causar-me sedação excessiva”;
- “O acompanhamento psiquiátrico será por tempo indeterminado.”
“A depressão dói. Mas pode deixar de doer”
O dia 1 de Outubro marcou o início da primeira campanha nacional integrada sobre depressão. Suportada por uma unidade móvel interactiva que percorrerá 10 capitais de distrito até ao começo do mês de Dezembro, tem como objectivo esclarecer, informar e desmistificar algumas dúvidas que ainda existem e mudar comportamentos e atitudes perante uma doença que tem uma dimensão emocional e física.
Esta iniciativa da Lilly Portugal, com o apoio da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, é a primeira campanha que, como refere o presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria, Prof. António Palha, “alerta para o facto de a depressão, para além dos sintomas emocionais, também ter associados sintomas físicos. Quer isto dizer que dores físicas generalizadas persistentes, musculares, fadiga, cefaleias, dores de cabeça ou distúrbios digestivos que não respondem ao tratamento convencional podem significar um quadro de natureza depressiva.”
O roadshow interactivo pode ser visitado por todos, entre as 8h00 e as 19h00 dos seguintes dias e cidades: Braga (20 e 21 de Outubro), Vila Real (27 e 28 de Outubro), Leiria (3 e 4 de Novembro), Coimbra (10 e 11 de Novembro), Aveiro (17 e 18 de Novembro), Évora (24 e 25 de Novembro), Faro (2 e 3 de Dezembro) e Lisboa (6 a 8 de Dezembro).
No camião, as pessoas poderão, através de conteúdos interactivos, perceber o que é a depressão, como se manifesta e quais os sintomas associados, o seu impacto no dia-a-dia de uma pessoa, visitar as regiões do cérebro envolvidas na depressão e responder a um autodiagnóstico que pode ser impresso para levar ao médico. Procurar ajuda especializada é fundamental para diagnosticar e tratar os sintomas emocionais e físicos associados à doença.
Mais informações em www.adepressaodoi.pt
Texto: Cláudia Pinto
A responsabilidade editorial e científica desta informação é do jornal
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