Segundo a Sociedade Portuguesa de Estomatologia e Medicina Dentária (SPEMD), cerca de 99 por cento das crianças portuguesas têm problemas dentários e apenas 50 por cento vão ao dentista. Para Joana Soares, diretora clínica do serviço de medicina dentária das clínicas Dentalis e Implantologia, o aparecimento de cáries nas crianças deve-se, sobretudo, aos “maus hábitos alimentares”.
SAPO Saúde (SS): Quais são os grandes problemas de saúde oral nas crianças?
Joana Soares (JS): A saúde oral nas crianças continua a constituir um problema grave na sociedade portuguesa, tendo em conta estudos que apontam que aos 12 anos de idade existe uma taxa superior a 60 por cento de problemas relacionados diretamente com doenças/desarmonias orais nas nossas crianças.
Os principais problemas estão, sem dúvida, apoiados na falta de profilaxia (prevenção) aliadas aos maus hábitos alimentares, que leva à proliferação das bactérias da cavidade oral e como consequência ao aparecimento de cáries, entre outras infeções.
As caries são, sem margem de dúvida, a infeção predominante nas crianças portuguesas, e devem-se sobretudo aos maus hábitos alimentares associados à falta de uma correta higiene oral. Um bom exemplo, são as caries de biberão, que surgem especialmente quando a criança ainda é muito pequenina e bebe leite ou derivados com grande aporte de açucares, à noite, antes de dormir.
Para além disso, existem outras bactérias que provocam outro tipo de infeções, tal como a doença periodontal (periodontite). Neste caso, ao contrario das caries que atacam diretamente os dentes, aqui são os tecidos de suporte dos dentes que são afetados, nomeadamente, gengivas, ligamento periodontal e osso.
Há ainda a salientar que a falta de saúde oral não está apenas subjacente nas infeções bacterianas mas também na desarmonia que os dentes apresentam uns em relação aos outros. Chama-se a isso má oclusão dentária. Este problema pode ser provocado por diversos fatores. Entre eles estão mais uma vez os maus hábitos e rotinas da vida da criança... o uso de chupeta durante um tempo prolongado (depois dos 3 anos e quando não é anatómica) torna-se prejudicial.
Do mesmo modo, chuchar nos dedos ou pressionar diretamente os dentes incisivos superiores contra os lábios altera a posição correta dos dentes. Por vezes, a falta de sensibilidade do dentista perante a manutenção dos dentes, leva a extrações precoces dos mesmos e consequentemente à movimentação dos restantes dentes.
(SS): A partir de que idade, as crianças devem começar a ter cuidado com a saúde oral?
(JS): O mais cedo possível. Entenda-se que os cuidados com a saúde oral começam nos bons hábitos. Até aos três anos, as pastas existentes no mercado têm, em geral, demasido fluor, mas a escovagem e o hábito de higiene oral devem ser implementados assim que a criança tente brincar e copiar os adultos, usando uma escova de dentes suave.
(SS): Como conquistar as crianças a ganharem hábitos de higiene orais?
(JS): Lavar os dentes pode ser divertido! As crianças, geralmente a partir dos 3 anos, tendem a imitar os mais crescidos, aprendendo com isso. Desta forma, pode-se criar um ritual divertido onde pais, irmãos e amigos participam juntos no momento da escovagem de dentes, com dentífrico de sabor agradável e aspeto colorido.
A informação também é essencial: livros animados, imagens expressivas e até programas onde esteja bem patente o que são as infeções orais, como estas acontecem e quais as suas consequências, constituem um suporte fundamental à compreensão da importância dos cuidados que a própria criança deve ter.
As idas ao dentista devem ser feitas assim que a criança tenha capacidades cognitivas para empatizar com o profissional de saúde oral e aprender com o mesmo. Assim, visitar o dentista torna-se agradável, didático e não tem de estar associado à dor.
(SS): Que tipo de alimentação devem ter as crianças para que não ganhem cáries dentárias?
(JS): Mais uma vez voltamos aos bons hábitos: Dieta diversificada, com poucos alimentos açucarados, onde predomine a fruta, legumes, carnes, peixes e laticínios. A etiologia da cárie está diretamente relacionada com a dieta rica em açucares, presentes nas bebidas açucaradas, energéticas, gomas e até bolachinhas ou snacks.
(SS): Como os pais devem gerir a ‘gulodice’ dos filhos?
(JS): Gerir a "gulodice" pode ser muito difícil na nossa sociedade. Mais uma vez, os hábitos e a informação "divertida" surgem como suporte para a vida fora de casa da criança. Se, desde pequena, a criança for habituada a praticar bons hábitos alimentares, não tem tanta predisposição à gula "cariogenica".
Por vezes, a vontade de comer alimentos cariogenicos, como por exemplo gomas ou bolachinhas de chocolate sobrepõem-se à preocupação na saúde oral. Nesse caso, a escovagem suave e o bochecho com fluor adequado à idade devem ser feitos o mais breve possível.
(SS): De acordo com a SPEMD, cerca de 99 por cento das crianças portuguesas têm problemas dentários, na sua maioria cáries ou falta de dentes, e apenas metade (50 por cento) vão ao dentista. A que se deve esta situação em Portugal?
(JS): Existe uma lacuna em Portugal relativamente à saúde oral, isso é indiscutível. O governo exclui a medicina dentária da saúde em geral, tornando-a uma prática interventiva de último caso, associada á infeção e dor. A prática da medicina dentária é quase exclusivamente pertencente ao setor privado, o que deixa muitas famílias mais carenciadas excluídas do direito de ir ao dentista.
(SS): Que medidas deveria adotar o sistema de saúde português para contrariar os dados acima indicados?
(JS): Criar organismos públicos direcionados para a prática clínica da medicina dentária: incluir médicos dentistas nos centros de saúde, comparticipar com cheques dentistas adaptados à necessidade de tratamento dentário de cada criança, distribuir informação e formação pelas escolas, são alguns dos exemplos possíveis a aplicar.
@SAPO Saúde
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