Algures em 2012, Filipa Range, na altura com cerca de 25 anos, despertou para uma nova vida. Uma vida livre de alimentos e produtos de origem animal. Estudou o tema, descobriu a paixão pela culinária, criou um blogue. Hoje tem a sua própria empresa e dedica-se a tempo inteiro à cozinha vegetal. Avontade de adotar um estilo de vida vegano começou após ver o documentário «Earthlings», que resume, «de uma forma profunda e real», como a caracteriza, tudo o que se encontra inerente ao veganismo. Ainda hoje é difícil explicar o porquê de ter optado por este estilo.
«Quando me questionam, costumo dizer que houve um despertar dentro de mim», refere. «Senti naquele momento que contribuir para a exploração e crueldade animal não fazia sentido, ainda que tenha passado toda a minha vida a pensar que era normal. A partir desse momento, comecei a ver um ser vivo no prato em vez de comida. Comecei a ver sentimento e dor em vez de sabor», desabafa.
A descoberta do veganismo
«O meu primeiro contacto com o veganismo surgiu há precisamente um ano e 11 meses», referiu na altura da entrevista, na reta final de 2014. «Naquela noite, a minha irmã sugeriu-me que visse o documentário. Lembro-me como se fosse hoje do momento em que o vi. O turbilhão de sentimentos que despertou em mim e a influência que o mesmo teve na minha tomada de decisão», recorda Filipa Range.
«No dia seguinte, após uma profunda introspeção, resolvi retirar da minha alimentação tudo o que tivesse origem animal. Desde então, não compro produtos que tenham sido testados em animais ou que contenham ingredientes de origem animal. Refiro-me a produtos tão variados como roupa, calçado, cosmética ou produtos de limpeza. E não contribuo para atividades que fomentem a exploração animal, como circos ou zoológicos», orgulha-se.
Preparar a mudança
A adoção de novos hábitos foi irreversível. «Posso dizer que foi uma mudança radical. De um dia para o outro, eliminei da minha alimentação e estilo de vida tudo aquilo que contribuísse, de alguma forma, para o sofrimento animal. Mas informei-me. Estudei muito sobre o tema, e ainda continuo a fazê-lo, para não cometer erros ao nível da alimentação que, no fundo, foi a mudança com maior impacto. Deixar de comprar cosméticos, produtos de limpeza, roupas e calçado de origem animal é fácil», assegura.
Com a alimentação, foi preciso ter um pouco mais de atenção. «Mas até isso aconteceu de forma natural, sem dificuldade», garante Filipa Range. «Foram e continuam a ser várias as fontes de inspiração. Entre sites, blogues, livros e pessoas que fui conhecendo ao longo do tempo. Não tive acompanhamento de um nutricionista por não sentir que fosse necessário. Sabia que o meu corpo estava a reagir bem à mudança», afiança.
Veja na página seguinte: A adaptação na fase inicial
A adaptação
Cortar com hábitos de décadas não foi um drama. «Não senti grande dificuldade em adotar e manter este estilo de vida. Tenho a sorte de ter o apoio a minha família e amigos. Compro a fruta e os vegetais em mercados tradicionais ou pequenas lojas de produtos biológicos, e os restantes produtos (cosmética ou de limpeza) através da internet ou em lojas especializadas, como o Celeiro. Em relação à roupa e calçado, tenho atenção às etiquetas, para garantir que não foram utilizados produtos derivados de animais na sua produção, como lã, pele ou seda», diz.
O seu orçamento, ao contrário do que seria de esperar, não disparou. «Não gasto muito mais dinheiro agora do que gastava anteriormente. Em relação à alimentação, o valor é o mesmo. Com o que comprava carne, peixe ou marisco, por exemplo, adquiro agora muita fruta e vegetais (quase sempre biológicos), cereais integrais, leguminosas, oleaginosas, superalimentos. Onde acabo por gastar um pouco mais é nos cosméticos e produtos de limpeza, mas, ainda assim, a diferença não é significativa», assegura Filipa Range.
Os resultados
As mudanças fizeram-se sentir de imediato. «O impacto do veganismo na minha vida foi enorme, a diversos níveis. Tornou-me uma pessoa ainda mais emocional, mais atenta às necessidades dos outros. Ajudou-me a conhecer-me, a revelar a minha essência. Ao adotar uma alimentação vegana, eliminamos totalmente a ingestão de colesterol e diminuímos drasticamente o consumo de gorduras saturadas», desabafa Filipa Range.
«Como opto por fazer uma alimentação o mais natural possível, como poucos produtos processados, preferindo sempre os alimentos mais simples. Todos estes factores contribuíram para melhorar significativamente a minha saúde. Perdi, de forma saudável e natural, os dez quilos que tinha a mais. As análises que faço periodicamente apresentam valores excelentes. Deixei de ter a pele seca, coisa que sempre me caracterizou. E ainda melhorei os meus níveis de concentração e memória. Sinto-me sempre com energia», afirma.
A vida social
A decisão surpreendeu familiares e amigos. «Inicialmente, as pessoas à minha volta reagiram com alguma desconfiança, pelo desconhecimento que tinham sobre o tema. Com o tempo, foram-se apercebendo do sentido que isto faz para mim e dos benefícios que me trouxe. Sei que inspirei algumas dessas pessoas a mudarem alguns dos seus hábitos e isso já valeu muito a pena. Mas o meu estilo de vida não tem sido um impedimento para fazer o que quer que seja», refere Filipa Range.
«Continuo a fazer uma vida normal, até porque é fácil contornar a questão da alimentação. Em Lisboa, existem inúmeros espaços com opções veganas. Fora das grandes cidades é mais complicado, mas não impossível. Obviamente que passou a haver mais jantares ou almoços em restaurantes vegetarianos ou que tivessem opções para mim. Mas aprendi a arranjar alternativas em restaurantes convencionais», acrescenta.
«No fundo, trata-se apenas de fazer alguma ginástica para perceber de que forma posso conciliar o meu estilo de vida com os momentos que estou a viver. Quando janto em casa de alguém, geralmente fazem algo que eu possa comer, o que para mim tem grande valor, não só pela preocupação mas também pelo facto de os levar a procurar e a aprender um pouco mais sobre este tipo de alimentação», refere ainda.
Veja na página seguinte: Os mitos que ainda perduram
Mitos sobre o veganismo
Apesar de uma maior mediatização do tema, o veganismo continua a gerar dúvidas. «Existem pessoas que associam um vegano a uma pessoa magra e desnutrida, o que está longe de ser verdade. Obviamente que existem veganos com carências nutricionais, assim como existem omnívoros na mesma situação. O problema não está em ser vegano mas, sim, no cuidado que temos com a nossa alimentação, seja ela qual for», assegura Filipa Range.
O preconceito, tal como noutras áreas da sociedade, também continua a fazer-se sentir. «Há também o facto de acharem que somos todos fundamentalistas. Não me considero como tal. Respeito os outros e as suas decisões, assim como espero que o façam comigo. Tento inspirar os outros ao invés de os influenciar», afirma ainda.
Cuidados a adotar na dieta vegetal
As substâncias e os (novos) hábitos alimentares que Filipa Range teve de adquirir para evitar carências nutricionais:
- Aminoácidos
«Como não é fácil encontrar um alimento que contenha todos os aminoácidos essenciais, para além da soja e da quinoa, vou alternando nas fontes de aminoácidos (leguminosas, cereais integrais e oleaginosas) para, no final, obtê-los a todos», refere Filipa Range.
- Cálcio
«Na minha alimentação, está presente nos vegetais de folha verde-escura (como os brócolos ou as couves), nos frutos gordos (nozes, amêndoas ou avelãs) e nas sementes (como as de chia)», revela.
- Vitamina B12
«Como é essencial à maturação dos glóbulos vermelhos e é produzida por bactérias que apenas os animais conseguem absorver, consumo alimentos fortificados com esta vitamina, como levedura de cerveja e leites vegetais», esclarece.
Veja na página seguinte: Os três conselhos de Filipa Range para quem pretende adotar um estilo vegano
Os três conselhos de Filipa Range para quem pretende adotar um estilo vegano
1. Oiça o seu corpo
«Ele diz-nos tudo aquilo que precisamos de saber e indica-nos o melhor caminho a seguir», assegura.
2. Informe-se
«A informação é a nossa melhor arma porque é ela que nos impede de cometer erros», defende Filipa Range.
3. Retire prazer do novo estilo de vida
«Não o encare como uma obrigação moral ou de saúde mas, sim, como uma escolha consciente e divirta-se a descobrir o novo mundo», afirma ainda.
Texto: Catarina Caldeira Baguinho com Luis Batista Gonçalves (edição internet)
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