A nicotina é a única substância do cigarro que causa dependência física e, a nível psicológico, está muitas das vezes também associada às emoções subjacentes ao ato de fumar, um vício generalizado. Quando deixa de fumar, o indivíduo não só sente falta da ação da nicotina como, psicologicamente, fica carente de um conjunto de emoções associadas ao tabagismo. Na sequência disso, o organismo procura uma compensação com outros hábitos.
Hábitos esses que acabam por promover o aumento de peso. Estes não são, contudo, os únicos fatores que podem explicar o facto dos ex-fumadores terem tendência para engordar. Num programa de cessação tabágica, em média, um ex-fumador tende a engordar três a quatro quilos. Para este facto, convergem diversas causas, nomeadamente:
- Mecanismo de compensação
Célia Francisco, psicóloga e especialista em gestão de peso, habituada a lidar com estes casos, explica que, "quando deixam de fumar, habitualmente, os indivíduos tendem a compensar a ausência do cigarro com a ingestão de comida para lidar com as suas emoções e para substituir uma fonte de prazer que deixou de existir", sublinha. Com o consumo exagerado de calorias, naturalmente, dá-se o aumento de peso.
- Alterações do metabolismo
É outra das causas. "Quando se deixa de fumar, ocorre uma lentificação fisiológica do metabolismo. Se o indivíduo não compensar a mudança que ocorre com um plano alimentar equilibrado e controlado em termos calóricos e a prática de exercício físico, é normal que aumente de peso. No entanto, engordar não é uma condição obrigatória", afirma Célia Francisco. Esta característica depende do autocontrolo e das estratégias adotadas ao nível do estilo de vida.
- Aumento do apetite
A nicotina é também um inibidor do apetite e, quando se deixa de fumar, esse travão desaparece, ficando também os sentidos do paladar e do olfato mais apurados. "O apetite aumenta e a comida começa a saber melhor. A pessoa começa também a repetir o prato, algo que não fazia antes", salienta Susana Simões, pneumologista.
- Oscilações nos níveis de açúcar
Num fumador, os níveis de açúcar são mais elevados do que os de um não fumador, o que conduz a uma maior apetência por doces quando se deixa de fumar.
5 métodos para deixar de fumar
Os tratamentos geralmente combinam o apoio psicológico com substitutos de nicotina ou outros fármacos que ajudam a controlar a síndrome da abstinência:
1. Substitutos de nicotina
Administram-se em forma de adesivos transdérmicos, pastilhas elásticas ou rebuçados. Fornecem a dose de nicotina suficiente para diminuir os sintomas de privação, mas sem criar dependência.
2. Bupropion
Psicofármaco do grupo dos antidepressivos que não tem nicotina e atua sobre o sistema nervoso central. Inicia-se oito dias antes de se parar de fumar. Controla os sintomas de privação e diminui a vontade de fumar.
3. Vareniclina
Sujeito a receita médica, este medicamento atua ao nível do sistema nervoso central sobre o recetor ao qual a nicotina se liga, reduzindo a vontade de fumar. O tratamento ocorre entre uma a duas semanas antes da data escolhida para se deixar de fumar.
4. Terapia psicológica
Através de entrevistas e questionários, o psicólogo ensina o fumador a conhecer-se, a identificar, antecipar e evitar as situações que fazem disparar a vontade de fumar.
5. Acupuntura
Método da Medicina Tradicional Chinesa que implica a colocação na pele, em pontos estratégicos, de agulhas de aço cirúrgico muito finas para reequilibrar o sistema energético. Envolve o recurso a fitoterapia e a estimulação de pontos específicos na orelha que induzem a produção de endorfinas, as hormonas do bem-estar.
Como evitar o aumento de peso
São várias as recomendações que deve seguir:
- Não fique obcecado com essa questão
Segundo a American Cancer Association (ACA), "o aumento de peso que ocorre quando se deixa de fumar é, geralmente, muito baixo". De acordo com este organismo, "é mais perigoso continuar a fumar do que aumentar um pouco de peso" e há sempre estratégias simples que ajudam a controlar a acumulação de quilos a mais.
- Estabeleça um novo plano de vida
Mais do que controlar o peso, "controle a sua vida", sugere Célia Francisco. Segundo a psicóloga, "para evitar o aumento de peso, é fundamental estabelecer previamente um plano de emergência ao nível da alimentação, do stresse e do exercício. É essencial que se mentalize que terá de colocar em prática e implementar um estilo de vida completamente renovado. As mudanças deverão ser totais e não somente uma parte do problema", defende.
- Restrinja o consumo calórico
A pneumologista Susana Simões aconselha os ex-fumadores a manterem uma alimentação saudável, a não repetirem as refeições e a evitarem a ingestão de doces, resistindo às sobremesas. Os doces não só engordam como podem acionar a vontade de fumar. Já os alimentos picantes, embora não sejam hipercalóricos, também promovem a vontade de fumar. Limite ainda o consumo de alimentos ricos em gorduras.
- Faça exercício todos os dias
Isto não significa ir diariamente ao ginásio, mas apenas que deverá incorporar mais atividade física no seu dia a dia para ativar o seu metabolismo e queimar as calorias a mais. Experimente "caminhar meia hora a pé todos os dias", sugere mesmo Susana Simões.
- Fracione as refeições
Faça cinco a seis refeições diárias. Segundo a ACA, esta estratégia "mantém os níveis de açúcar no sangue e de energia equilibrados e ajuda a evitar a vontade de fumar", assegura a especialista.
- Coma os alimentos certos
As refeições principais devem incluir "sempre alimentos com proteínas e de origem vegetal, como é o caso da fruta e/ou dos legumes", recomenda Célia Francisco. Já as refeições intermédias devem ser compostas, por exemplo, "por fruta, frutos secos em doses moderadas, iogurtes, tostas de milho, de arroz ou de centeio, queijo magro, fiambre de aves, ovos ou salmão", refere.
- Escolha as bebidas mais saudáveis
Não descure esta regra. "Não beba álcool, café ou outras bebidas associadas ao ato de fumar. Experimente diferentes tipos de água [aromatizada com morangos, por exemplo] ou sumos cem por cento naturais. Tente escolher bebidas com poucas ou sem calorias", recomenda a ACA. Não exagere na ingestão de sumos de fruta, que incluem geralmente mais do que uma peça por copo. Se não resistir ao café, tome-o antes de uma caminhada. Ajuda a queimar mais calorias.
- Equilibre os dias de exeção
Nos dias de festa faça mais exercício para compensar ou coma o alimento dito proibido em vez de determinada refeição do dia. "Não acrescente calorias. Substitua-as!", sugere a psicóloga.
- Motive-se mentalmente
Quando sentir vontade de desistir, lembre-se que "perder e manter o peso custa, mas ser saudável é muito positivo e sentir-se-à muito melhor", lembra Célia Francisco.
- Lave os dentes
A sensação de frescura resultante da higiene oral não só desencoraja o ato de fumar como a vontade de ingerir mais alimentos desnecessariamente. Se sente falta de ter algo na boca, recorra a pastilhas elásticas ou a rebuçados sem açúcar.
- Controle o stresse
É essencial para conseguir deixar de fumar e não comer de forma compulsiva. A ACA recomenda que se façam respirações profundas, "imaginando os pulmões a encherem-se de ar fresco". Deve também beber água, comer bem e dormir o suficiente.
- Combine estratégias
De acordo com a ACA, os "estudos sugerem que os substitutos de nicotina e o bupropion podem ajudar a adiar o aumento de peso, mas não o previnem", alerta este organismo. Para ser bem sucedida, deverá associar um método antitabágico a um estilo de vida mais saudável a nível alimentar e do exercício.
Texto: Cláudia Pinto com Célia Francisco (psicóloga e especialista em gestão do peso) e Susana Simões (pneumonologista e membro da consulta de cessação tabágica do Hospital Pulido Valente)
Comentários