Os estudos científicos não deixam margens para dúvidas. O stresse a que estamos sujeitos diariamente impulsiona-nos a concretizar objetivos mas, em excesso, tira-nos a fome ou, inversamente, incentiva-nos a comer mal e em excesso.
«Os seus efeitos disruptivos refletem-se ao nível dos sistemas imunitário, reprodutor, cognitivo e do comportamento, como tem sido demonstrado em várias revisões da literatura científica», escreve Teresa Branco, fisiologista na gestão do peso.
Esta afirmação é feita no livro «Emagreça Comigo», editado pela Lua de Papel, no qual aborda duas variáveis centrais do processo de perda de peso, o metabolismo dos hidratos de carbono e o stresse.
O impacto do stress na balança
«O stresse tem um impacto psicológico e fisiológico na gestão do peso, uma vez que afeta o comportamento alimentar e de atividade física», explica Teresa Branco. Fisiologicamente, revela a autora de «Emagreça Comigo», o stresse aumenta a produção da hormona cortisol «que influencia o apetite, levando a uma maior ingestão alimentar. Comer poderá ser uma resposta ao stresse, através do aumento do cortisol».
«Psicologicamente, os indivíduos stressados têm mais dificuldade de se concentrar na gestão do peso», adquirindo «padrões alimentares desorganizados, saltando refeições e permitindo que a fome influencie as suas escolhas alimentares». Vejamos quais as principais substâncias produzidas pelo nosso organismo que estão envolvidas neste processo.
A harmonia da pressão
O cortisol «faz-nos engordar, armazenando gordura nas células gordas diretamente, pela ativação da lipoproteína lípase, ou indiretamente, através da insulina. No entanto, o cortisol também trabalha para promover a libertação de gordura das células gordas, estimulando a hormona sensitiva lípase. Resumindo, o cortisol pode fazer-nos engordar quando a insulina está elevada, mas também pode fazer-nos eliminar gordura quando os níveis de insulina estão baixos. Através deste mecanismo, é possível explicar porque algumas pessoas engordam quando estão ansiosas, stressadas e deprimidas, por comerem mais, enquanto outras perdem o apetite», refere.
A base emocional do apetite
«Quando sofremos de compulsão alimentar, apesar de já termos
ingerido alimentos suficientes, continuamos com fome e com desejo de
comer», descreve a especialista. Segue-se depois a culpa por não termos
sido capazes de travar a ingestão desregrada de alimentos calóricos e
nutricionalmente dispensáveis. Um quadro que tende a ocorrer em fases de
maior stresse e que está intimamente ligado a questões emocionais. «O stresse crónico é habitualmente causado por situações em que nos
sentimos presos por ou a alguma coisa», acrescenta.
«Esse enclausuramento pode advir
de um casamento infeliz, de uma profissão da qual não gostamos, ou mesmo
de um projeto pessoal que nos completa, mas que nos absorve por
completo, roubando tempo a outras áreas importantes da nossa vida, como a
família. Todas estas vivências podem provocar ansiedade permanente,
porque sentimos que não temos capacidade para nos libertarmos, não
encontramos a saída. Esta ansiedade leva à indisponibilidade de
neurotransmissores (hormonas cerebrais), que funcionam como os nossos
calmantes naturais». É o caso da serotonina.
O efeito ansiólitico da comida
A serotonina «é um dos mais poderosos moduladores do humor, do
apetite, do sono e da dor. (…) A flutuação da sua disponibilidade no
cérebro pode causar depressão, ansiedade, compulsão alimentar, aumento
de peso, insónia ou dores de cabeça», explica Teresa Branco. Aquilo que comemos pode contribuir para a sua produção. Ao
ingerirmos hidratos de carbono (pão, massa, arroz, entre outras
fontes) promovemos a produção de insulina que vai mediar «a libertação
de serotonina através do triptofano, um aminoácido que leva à formação
desta hormona» com efeito ansiolítico.
Assim, inconscientemente, «somos levados a ingerir alimentos ricos
em triptofano e em hidratos de carbono, de modo a potenciarmos a
libertação de serotonina, que é uma substância tranquilizante». É
precisamente este processo que explica porque há pessoas «que se medicam
com bolachas, chocolate, batatas fritas, pão, entre outros alimentos,
sendo que esta tendência se desenvolve em momento de stresse, em
mulheres com uma severa síndrome prémenstrual e em pessoas com ansiedade
crónicaou depressão».
A hormona da saciedade
Não é apenas a nível cerebral que a mecânica da fome se constrói.
«Há substâncias», indica Teresa Branco, «produzidas pelo tecido gordo,
pelo sistema gastrointestinal e pelo pâncreas que têm um profundo
impacto no comportamento alimentar, por atuarem numa determinada região
do nosso cérebro que se denomina hipotálamo. Resumidamente o nosso
organismo envia sinais de fome, saciedade e dispêndio energético ao
cérebro», assegura a especialista.
Entre essas substâncias encontra-se a leptina que, depois de
segregada pelo tecido gordo, «viaja até ao cérebro para lhe transmitir
informações de saciedade. Assim, as pessoas que não produzem leptina não
recebem sinais de saciedade, sendo levadas a ingerir quantidades
exageradas de alimentos». Curiosamente, as investigações revelam que os
obesos, embora produzam mais leptina, em alguns casos, «apresentam uma
resistência a esta hormona (mau funcionamento dos recetores da
substância) e, por essa razão, também não recebem sinais de saciedade, o
que os faz ingerir alimentos para além das suas necessidades», explica.
Mais stress e menos calorias
Para além da leptina, existem outras substâncias produzidas pelo
aparelho gastrointestinal que participam no controlo do apetite. «A mais
estudada é a grelina», escreve Teresa Branco, «uma hormona produzida no
estômago que informa o nosso cérebro de que é necessário aumentar a
ingestão alimentar. Pressupostamente, as pessoas que produzem mais
grelina tendem a ter mais fome, o que potencia o consumo de alimentos e,
consequentemente, conduz ao aumento de peso», sublinha.
Para além da fome homeostática (fisiológica), a grelina também está
na origem da ingestão de alimentos pelo simples prazer. «Assim, quanto
mais grelina for libertada, mais probabilidade há de não resistirmos a
alimentos muito calóricos», indica a autora de Emagreça Comigo, segundo a
qual «alguns estudos demonstram que o stresse pode desenvolver
respostas desadequadas», em relação à leptina e grelina, «levando ao
consumo exagerado de calorias».
O prazer da comida
Entre a comunidade científica, a comparação da dependência da
comida (biologicamente associada à libertação de dopamina) com a adição a
substâncias altamente nefastas para a saúde têm-se tornado consensual.
«Estudos realizados com ratos têm demonstrado que o impacto cerebral de
alguns alimentos muito apaladados é semelhante ao impacto causado por
drogas de adição. Demonstram claramente que o consumo de
alimentos muito apaladados pode condicionar respostas no sistema
cerebral de recompensa», sublinha.
Essa situação «pode
desenvolver a adição alimentar, tal como acontece com as drogas, o
álcool e o tabaco», alerta a fisiologista. Por esta razão, embora nem todos os casos se expliquem por esta
via, «qualquer pessoa com obesidade ou excesso de peso deverá perceber
que existe a possibilidade de ser dependente de determinados alimentos e
que o tratamento deverá ser semelhante ao de outro tipo de adições»,
esclarece.
Por que sente fome?
A resposta a esta pergunta pode ter mais do que uma razão:
- Fome homeostática
Regulada por substâncias como a hormona grelina. Produzida pelo
estômago, indica que é necessário aumentar a ingestão de alimentos.
Neste caso, comemos porque o nosso organismo necessita de energia para
conseguir funcionar adequadamente. É a fome que, por exemplo, nos leva a
ansiar pelo pequeno-almoço ou a assaltar o frigorífico ao fim da tarde,
depois de termos estado um dia sem comer.
- Fome hedónica
Despertada pelo olfato ou visão, envolve áreas do cérebro
associadas à recompensa e motivação. Neste caso, comemos por prazer, por
tranquilidade, por satisfação e não porque necessitemos de energia. É a
fome que nos leva a ingerir uma caixa de chocolates, em frente à
televisão, depois de termos jantado e ingerido alimentos, de três em
três horas, ao longo de todo o dia.
O seu plano alimentar
Este plano sugerido por Teresa Branco, no livro «Emagreça Comigo»,
aposta em «alimentos ricos em triptofano, uma substância responsável
pela produção de serotonina, logo diretamente ligada à promoção da
sensação de bem-estar».
«É uma dieta rica em proteínas (peixe, ovos e carne), mas também em
frutos secos, alimentos muito ricos nesta substância», justifica a especialista. Esta dieta foi concebida a
pensar em quem não é capaz de abdicar dos hidratos de carbono.
«Para pessoas que desejam perder peso, que sentem que estão a viver
sob stresse crónico, que não têm um bom metabolismo dos hidratos de
carbono, mas têm muita dificuldade em ingerir poucos hidratos de
carbono,
recomenda-se um plano alimentar com um elevado teor em
triptofano e um teor moderado de hidratos de carbono», aconselha Teresa Bravo.
Pequeno-almoço: Bebida de soja natural (120 ml) + pão de centeio
(30g) + 1 ovo grande + 1 unidade de queijo magro ou fiambre = dose de
triptofano = 255 mg
Meio da manhã: 1 peça de fruta (100-120 g) +
frutos oleaginosos como as amêndoas, avelãs, cajus, nozes (15 g) = dose
de triptofano = 74,5 mg
Almoço: 1 prato de sopa de legumes sem batata
+ carne ou peixe (120g) + meio prato de salada ou legumes + arroz
integral, thai, basmati ou massa integral (1 colher de sopa) = dose de
triptofano = 309 mg
Lanche: Iogurte sólido magro (125g) + sementes de
linhaça, girassol, abóbora ou sésamo (1 colher de sopa) + frutos
oleaginosos ou coco (5g) = dose de triptofano = 111,9mg
Jantar: 1
prato de sopa de legumes sem batata + carne ou peixe (120g) + meio prato
de salada ou legumes = dose de triptofano = 354g
Ceia: Fiambre de aves (30g) + frutos oleaginosos (10g) = dose de triptofano = 157, 2 mg
Exercício
Complemente a dieta com exercício. Vários estudos reconhecem o efeito antidepressivo e ansiolítico da atividade física. «Quem pratica exercício físico de forma regular tende a ser mais
otimista, mais positivo, mais extrovertido e com melhor autoestima,
características que previnem o desenvolvimento do stresse crónico,
podendo contribuir de forma indireta para o tratamento e prevenção da
compulsão alimentar», pode ler-se no livro de Teresa Branco.
Também é reconhecido que «a claridade promove a produção de
serotonina. (...) uma das formas mais eficazes de aumentar a
disponibilidade de serotonina é realizar atividade física ao ar livre,
principalmente quando há claridade e sol», acrescenta ainda.
Texto: Nazaré Tocha com Teresa Branco (fisiologista na gestão do peso)
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