Comer bem é comer muito?

Sempre que me dizem qualquer coisa como “à noite como bem” pergunto, bem ou muito? E a resposta é invariavelmente a mesma: muito! Esmiuçando bem o sentido da frase, de certo que ela terá a ver com muitas de situações de fome sofridas pelas gerações dos nossos pais e anteriores, que muitas vezes tinham como único alimento a sopa. Por isso, comer um prato cheio de “comida” continua a ser, para muitas pessoas, comer “bem”.

E a sopa, por estar associada à fome, deixou de ser incluída nas refeições sempre que há um pouco mais de possibilidade para comprar outros alimentos. Errado, profundamente errado!

A sopa é um supressor natural do apetite que fornece vitaminas e minerais, além de fibras e água que, em simultâneo, são elementos fundamentais para o normal funcionamento do intestino. Tendo pouca gordura na sua confeção, é um alimento muito pouco calórico que evitará que se coma mais do incorretamente chamado “prato principal”, sendo um prato muito importante no combate à obesidade, diabetes, e outras patologias associadas a uma alimentação desregrada ou excessiva.

Excesso de calorias responsável pela obesidade

É por causa da escassez de alimentos que perdurou durante milhares de gerações que hoje em dia há tantas pessoas gordas e obesas. Porque a obesidade, apesar de ter uma carga genética importante, só acontece se houver excesso de calorias, e este excesso só acontece quando a ingestão calórica é superior ao gasto energético.

Em situações de fome, e devido ao natural instinto de sobrevivência de qualquer ser vivo, o organismo adapta-se, queimando menos calorias e preservando a gordura que tem uma elevada densidade energética grande, o que significa que numa pequena quantidade armazena uma grande quantidade de calorias para uma situação de fome prolongada.

O excesso de calorias continuará, durante centenas ou milhares de anos, a ser acumulado na forma de gordura para prevenir a fome que, provavelmente, nunca chegará. Para alguns, evidentemente, porque outros há que continuam a morrer por causa dela, e que, obviamente, nunca a chegam a acumular a dita gordura.

Objetivo é a nutrição

É conveniente lembrar que, além do prazer que a comida proporciona e das calorias que por ela entram no nosso organismo, o objetivo principal da alimentação é a nutrição. Isto significa que a alimentação deve fornecer todos os nutrientes fundamentais para o equilíbrio orgânico com vista à melhor saúde possível.

Comer só porque se sente fome ou porque se tem prazer em comer não chega para assegurar a saúde.

Comer para “encher o saco”, recorrendo a pacotes fáceis, que prometem saúde, que estão cheios de calorias e aditivos alimentares e isentos de nutrientes fundamentais, é hipotecar a saúde. Sabemos bem como essa questão é absolutamente relevante durante a gravidez.

Conhecemos bem muitos dos efeitos nos bebés e crianças provocados pela ausência de certos nutrientes como o ácido fólico, o ferro ou o iodo. Graves e tantas vezes sem possibilidade de remedeio.

Por isso, mais vale prevenir, porque a formação de um ser humano fisicamente íntegro depende em grande escala daquilo que a mãe come.

Mas é bom lembrar que essa relação entre aquilo que comemos e a nossa saúde é absolutamente intemporal. Porque se mais tarde não precisamos desse material para a construção do corpo, precisamos do mesmo material para a manutenção e reparação das células e tecidos.

Ato consciente

A alimentação deve por isso ser um ato consciente. A rendição a tudo o que é fácil de comprar, abrir e preparar, prometido por um marketing industrial agressivo e despudorado, deve ser questionada. Os alimentos ou bebidas “mágicos” que prometem saúde, também. Porque a nossa saúde e a dos nossos filhos só a nós diz respeito e, se ela faltar, não há produtos milagrosos que nos salvem.

Um artigo da nutricionista Paula Veloso, da Clínica Médica da Foz, no Porto.