A decisão de transferir a administração das vacinas para as farmácias em Portugal tem sido objeto de considerável debate, principalmente devido ao impacto financeiro significativo estimado em cerca de 11,5 milhões de euros. No entanto, é imperativo que reavaliemos cuidadosamente essa alocação de recursos, com a prioridade de investir no Serviço Nacional de Saúde (SNS), que é fundamental para a saúde pública em Portugal. Redirecionar esses recursos para o fortalecimento do SNS representa uma abordagem mais sensata e permitirá uma expansão de serviços em áreas que atualmente carecem de acesso adequado e previstos pelo Plano Nacional de Saúde.
Para entender melhor essa questão, é importante fazer uma análise histórica. Até 2023, a administração de vacinas ocorreu principalmente nos centros de saúde, mesmo durante a pandemia. As farmácias desempenharam um papel complementar crucial, mas restringir ou priorizar a vacinação da gripe e COVID apenas às farmácias suscita diversas preocupações, nomeadamente no porquê. Em primeiro lugar, a distribuição das farmácias em Portugal é predominantemente urbana, o que pode criar obstáculos para as populações rurais e economicamente desfavorecidas. Além disso, os farmacêuticos, embora desempenhem um papel fundamental, não possuem, comparativamente com os enfermeiros de família, o mesmo nível de formação em áreas que vão além da administração de vacinas (como a atuação segura perante situações de anafilaxia, ou mesmo os processos de adesão à vacinação integrados com os restantes dados de saúde das pessoas e famílias).
Por outro lado se no passado, a administração de vacinas nos centros de saúde exibiu indicadores notáveis, alcançando níveis elevados de cobertura vacinal tanto no combate à gripe como, mais recentemente, na distribuição da vacina contra a COVID-19, porquê mudar agora, porque gastarem-se mais recursos quando a oferta anterior que o SNS fornecia era mais barata e com resultados consolidados.
Estes estimados 11,5 milhões de euros utilizados pelo governo português para financiar a vacinação da gripe nas farmácias, em vez de disponibilizar essas vacinas gratuitamente nos centros de saúde, levanta questões significativas. A mudança de abordagem pode ter implicações tanto no acesso à vacinação como na distribuição de recursos no sistema de saúde. Enquanto a disponibilidade das vacinas em farmácias pode aumentar a conveniência para alguns cidadãos, é essencial que o governo assegure que essa mudança não comprometa o acesso equitativo à vacinação, nem limite o trabalho dos centros de saúde. Portanto, é importante que qualquer decisão relacionada com desvios de recursos no setor de saúde seja avaliada cuidadosamente para garantir que o Plano Nacional de Saúde e seu orçamento financeiro continue a servir eficazmente o bem-estar de todos os cidadãos portugueses.
Neste contexto, é crucial otimizar ao máximo os recursos disponíveis no âmbito da vacinação. Os enfermeiros sempre desempenharam um papel vital no Programa Nacional de Vacinação devido à sua formação e experiência na administração de vacinas, bem como no conhecimento técnico e científico que lhes permite abordar de forma abrangente e segura a saúde das pessoas, indo muito além da simples administração de vacinas. Os contribuintes portugueses devem questionar por que foi criada uma nova infraestrutura de vacinação nas farmácias, em vez de se fortalecer a capacidade dos centros de saúde. Afinal, quando se trata de uma equipa vencedora, a sabedoria está em não fazer mudanças precipitadas, sobretudo quando artigos americanos louvam o exemplo Português.
Por outro lado, é importante destacar que existem normas e legislação estabelecendo critérios específicos para os pontos de vacinação. A Portaria n.º 248/2017, que regula o Programa Nacional de Vacinação, estabelece requisitos rigorosos, como a presença de profissionais de saúde devidamente qualificados, instalações de refrigeração adequadas e acesso ao Registo de Vacinas, de acordo com as diretrizes da Direção-Geral da Saúde (DGS). No entanto, esta decisão de administrar vacinas nas farmácias pode suscitar legítimas preocupações pela população quanto à conformidade com a legislação e normas da DGS.
É, portanto, fundamental assegurar que as farmácias cumpram integralmente os regulamentos estabelecidos, garantindo a qualidade e segurança dos serviços de vacinação, previstos na portaria anterior. Neste sentido, é imperativo que as unidades de saúde pública realizem avaliações abrangentes e transparentes destes pontos de vacinação, com os resultados amplamente divulgados. Os serviços de saúde pública têm essa responsabilidade que visa a proteção da população, e qualquer desvio dos padrões estabelecidos deve ser tratado com a máxima seriedade.
A necessidade de manter uma vacinação eficaz contra a gripe e a COVID-19 é indiscutível, mas é imperativo que a transferência da administração de vacinas para as farmácias seja minuciosamente avaliada à luz das preocupações levantadas. A proteção da saúde pública e o uso eficiente dos recursos são de extrema importância. Em vez de mexer numa equipa vencedora, é sensato explorar alternativas que fortaleçam o Sistema Nacional de Saúde (SNS) e aproveitem as competências dos profissionais de saúde, como enfermeiros, nutricionistas e técnicos de saúde. Isso garantirá que a acessibilidade e a equidade nos serviços de saúde sejam prioridades e que Portugal evolua para além do modelo biomédico.
A proteção da saúde pública de Portugal é um compromisso que não deve ser comprometido por decisões que não explicam o porquê desse desvio de recursos financeiros, especialmente quando temos um histórico de sucesso com taxas elevadas de vacinação obtidas nos centros de saúde e nas equipas de saúde familiar.
Em última análise, em equipas que já demonstraram ser vencedoras, a prudência sugere que repensemos profundamente antes de efetuar alterações drásticas que possam prejudicar a saúde pública e o bem-estar de todos os portugueses.
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