A recente decisão do Governo de financiar a vacinação contra a gripe e a COVID-19 nas farmácias, com um custo previsto de 7,6 milhões de euros, levanta preocupações que merecem uma reflexão cuidadosa (link). A justificação politica é aumentar a taxa de vacinação da gripe e Covid, mas há uma questão central que não pode ser ignorada: porquê redirecionar recursos para as farmácias quando o Serviço Nacional de Saúde (SNS), através dos centros de saúde, já tem um histórico comprovado de sucesso na administração de vacinas, com elevadas taxas de cobertura vacinal?

Historicamente, os centros de saúde, apoiados por equipas de médicos e enfermeiros de família, desempenharam em Portugal um papel crucial na vacinação em Portugal, não só na administração das vacinas, mas também no acompanhamento de muitos utentes que raramente recorrem aos cuidados primários. Este contacto durante a vacinação contra a gripe e a COVID-19 nos centros de saúde era frequentemente utilizado pelos médicos e enfermeiros de família para melhorar o acompanhamento dos utentes, reforçar a confiança e promover a acessibilidade ao sistema público de saúde.

Contudo, ao optar-se politicamente por canalizar milhões de euros para as farmácias, estamos a assistir a um desvio significativo de recursos que poderiam ser mais bem utilizados para reforçar o SNS. As farmácias, apesar de convenientes para alguns, não desempenham o mesmo papel abrangente que os centros de saúde. A vacinação realizada nos centros de saúde não só garante uma maior equidade, cobrindo áreas urbanas e rurais, como também recorre à experiência e formação dos enfermeiros e médicos de família, que estão capacitados para lidar com complicações e integrar o processo de vacinação no contexto mais amplo da saúde destes utentes.

Este desvio de fundos para as farmácias negligencia uma oportunidade importante de investir no SNS, que poderia beneficiar de um reforço financeiro para aumentar a sua capacidade e eficiência. A vacinação nos centros de saúde era gratuita e já comprovou ser eficaz e sustentável. Assim, surge a questão: porquê gastar mais recursos num novo modelo, quando o atual já funcionava bem?

Segundo a portaria publicada em Diário da República, assinada pela secretária de Estado da Saúde, Ana Povo, o Governo prevê gastar até 7,6 milhões de euros para a remuneração das farmácias no processo de vacinação, com o objetivo de “assegurar elevados padrões de eficiência e efetividade” e vacinar mais pessoas até ao final de novembro . No entanto, este valor significativo, que anteriormente era utilizado no SNS, poderia ser reinvestido no reforço dos centros de saúde, onde a vacinação não só era eficiente, como também gerava uma proximidade fundamental entre os utentes e os profissionais de saúde.

Portanto, em vez de desviar recursos para um modelo que não melhora necessariamente o acesso ou a eficiência, seria mais sensato investir esses fundos no SNS, assegurando que continue a fornecer serviços de qualidade e equitativos a todos os cidadãos.

Afinal, quando uma equipa já mostrou ser bem-sucedida, mudar pode pôr em risco o sucesso alcançado. Além disso, considerando que os recursos são escassos, se forem alocados para financiar as farmácias, não estarão disponíveis para investir no SNS, que também precisa de reforço.