Com o aproximar das legislativas, vemos nos debates políticos várias propostas para a Saúde, com visões altamente contrastantes, que vão desde uma perspetiva de defesa da continuidade – que aguarda (ansiosamente) por resultados positivos, consequentes da generalização do modelo de ULS, até á crença de que o bem-estar e segurança dos doentes não estão assegurados e dependem da contratualização com o setor privado.
Independentemente da perspetiva ideológica, uma coisa é certa: o novo Governo terá de lidar com uma herança de profissionais descontentes nos cuidados de saúde, que se multiplicam por múltiplas greves – de médicos, enfermeiros, técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, farmacêuticos – e manifestações. Um retrato inequívoco daquilo que está para vir.
O problema dificilmente passou despercebido, tendo sido priorizado, ainda que tarde, por um Governo que antecipava o pior inverno de sempre nas urgências.
A 3 de Agosto de 2023 foi publicado em Diário de República um despacho conjunto da Ministra da Presidência e do Secretário de Estado da Saúde, que estabelecia a elaboração de uma proposta de um roteiro de ação, com vista à qualificação do planeamento e da gestão estratégica de recursos humanos da saúde. Este documento seria elaborado com o apoio do Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva da Administração Pública (PlanAPP) às entidades competentes, nomeadamente a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), a Direção Executiva do SNS, (DE-SNS), e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS).
No entanto, entramos em 2024 sem um diagnóstico feito e com “barulho de fundo”. Continuamos em debates sobre se formarmos ou não médicos a mais, com dados contrastantes e francamente pobres como o número de médicos por habitante da OCDE (que assume o número de médicos habilitados a exercer como denominador) num lado do espetro, e o número de vagas de Formação Especializada por preencher e doentes sem Médico de Família, no outro. Perpetuamos uma luta entre o setor privado e o público quanto à sangria de profissionais do SNS sem analisarmos se há de facto um problema de fuga para o privado ou se existe um novo paradigma e se a fuga será agora para o estrangeiro, como certos números apontam. Indagamos ainda se o novo perfil de Profissional de Saúde valoriza apenas evoluções salariais quando outros estudos apontam numa maior atenção à flexibilização de horários e relação entre a vila laboral e pessoal, acabando em impasses exasperantes com sindicados. Estes são somente alguns exemplos, num mar de questões que se tornam verdadeiros entraves ao estabelecimento de propostas eficazes e que seriam resolvidas com um verdadeiro inventário dos profissionais de saúde, devidamente aprofundado e contextualizado num plano elaborado.
É também fundamental assegurar a exigência do enquadramento destes dados numa numa visão prospetiva. Não precisamos somente de planear recursos humanos para o presente, mas também para um futuro que contará não só com novas ferramentas de saúde digital, de medicina personalizada, de novos instrumentos de cuidado no domicílio, mas também com uma população cada vez mais envelhecida e com o aumento da prevalência da doença crónica. Hoje, contamos com exemplos de más políticas de planeamento quando vemos serviços e unidades de saúde paralisadas por reformas de médicos que já deviam há muito ter sido antecipadas. Temos a possibilidade de fazer melhor, se soubermos aproveitar a oportunidade.
A Saúde tem uma particular excecionalidade na nossa democracia, pautando-se por garantir o bem-estar das populações, que deve ser alcançado através de políticas públicas baseadas em evidência e que sejam consistentes – isto é, que não oscilem ao sabor dos ciclos políticos.
Ao longo da nossa história, vimos políticas promissoras serem colocadas de lado devido a novos protagonistas políticos. O planeamento de recursos humanos em Saúde, pela sua intrínseca importância no momento presente e na construção de um futuro sustentável, não pode ser deixado de lado. Foi uma prioridade política, porém tardia e inacabada, e é imperativo que assim continue a ser já no início de uma próxima legislatura, se nada for feito, entretanto. O projeto já foi iniciado – agora é uma questão de não o abandonar.
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