A recuperação das listas de espera cirúrgicas está no centro do debate público e mediático. Contudo, o recurso sistemático a pagamentos extra por trabalho fora do horário — através da chamada produção adicional — está longe de constituir a resposta estrutural de que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) verdadeiramente precisa. Mais do que multiplicar atos isolados, é preciso garantir equipas completas, motivadas, a trabalhar em horários dignos e com salários base justos. Produzir mais não significa trabalhar mais horas, mas sim trabalhar melhor: com profissionais descansados, serviços organizados e condições que valorizem verdadeiramente o seu trabalho.

Reduzir a carga horária, aumentar o número de médicos nas várias unidades, apostar na estabilidade e no reconhecimento profissional, são passos fundamentais para assegurar cuidados seguros e de qualidade — dentro e fora dos blocos operatórios e dos serviços de urgência.

A valorização do salário base não é um luxo, mas um investimento crucial para fixar médicos no SNS e travar a fuga crescente para o setor privado ou para o estrangeiro. Sem isso, o SNS perde — e quem sofre são os utentes.

É urgente também refletir sobre os milhões de utentes que hoje recorrem ao setor privado por falta de alternativa pública — e sobre a contínua transferência de recursos, profissionais e funções do SNS para esse mesmo setor. O Ministério da Saúde, ainda liderado por Ana Paula Martins, acelerou o ritmo de esvaziamento do serviço público, transformando a saúde num negócio onde quem pode paga, e quem não pode, espera ou desiste.

No Fórum FNAM, realizado em Lisboa, no dia 24 de maio, participaram mais de duas centenas de médicos num debate plural e transparente que abordou temas essenciais: desde a remuneração e as condições de trabalho — que abrangem toda a carreira, da formação inicial à aposentação híbrida — até à necessidade de inovação e justiça no SNS.

No segundo painel, os colegas partilharam testemunhos pessoais sobre a dificuldade em conciliar a vida profissional, pessoal e familiar, o desgaste do burnout, a dureza de continuar a exercer com uma doença crónica e os ambientes de trabalho marcados por chefias e culturas institucionais hostis — realidades que levam muitos médicos a abandonar o SNS, enquanto outros resistem com esforço redobrado. Esta cultura de medo e desgaste não pode continuar a ser normalizada. É urgente reformar as estruturas de liderança e devolver dignidade ao exercício da Medicina no setor público.

Se há algo que ficou claro é que, sem uma aposta real e urgente na valorização dos médicos e na estabilidade das equipas, o SNS não resistirá. Exigimos a quem vier governar a saúde vontade política, visão, coragem e, acima de tudo, competência para negociar de forma séria e eficaz as soluções que tragam mais médicos ao SNS.