Por ocasião do Dia Mundial do Acidente Vascular Cerebral (AVC), que se assinala anualmente a 29 de outubro, a especialista em biologia celular e molecular Andreia Gomes destaca os avanços relativos à terapia com recurso a células estaminais na recuperação de doentes que sofreram um AVC isquémico agudo. O AVC afeta uma em cada seis pessoas em todo o mundo, sendo a principal causa de morte e morbilidade em Portugal.

“Qualquer ajuda terapêutica é importante uma vez que se pode traduzir em melhorias no quotidiano dos doentes e da sua família. A possibilidade de usar células estaminais do sangue do cordão umbilical para tratar doentes adultos com AVC é uma área de investigação com enorme potencial”, afirma Andreia Gomes, Diretora Técnica e de Investigação e Desenvolvimento (I&D) laboratório português de células estaminais BebéVida.

Um ensaio clínico de fase I, cujos resultados foram apresentados em 2021 na revista científica Cell Transplantation, avaliou o efeito do sangue do cordão umbilical na recuperação de doentes com idades compreendidas entre os 45 e 80 anos que sofreram um AVC isquémico agudo. Verificou-se uma recuperação acentuada e notória destes.

Exemplo disso foi um doente de 40 anos, com historial de hipertensão e hemodiálise (doença renal terminal), que ficou paralisado de um dos lados após um AVC isquémico. Apresentou uma melhoria significativa na função neurológica após a transfusão de sangue do cordão umbilical. Após 12 meses, os valores da escala National Institutes of Health Stroke Scale (NIHSS), que quantifica objetivamente as alterações causadas pelo AVC, diminuíram de 9 para 1. Além disso, o valor da Escala de Equilíbrio de Berg (teste clínico amplamente usado para verificação das habilidades de equilíbrio estático e dinâmico de uma pessoa, em que valores acima de 40 são direcionados para pessoas independentes) aumentou de 0 para 48. Paralelamente, os valores do índice de Barthel (índice que permite a avaliação funcional de um doente, em que quanto maior é o valor menor é a dependência do doente relativamente a outras pessoas) aumentaram de 0 a 90.

Este estudo preliminar demonstrou assim que um doente adulto paralisado de um dos lados devido a um AVC isquémico recuperou completamente após 12 meses da infusão de sangue do cordão umbilical. Permitiu ainda perceber que a infusão de sangue do cordão umbilical foi segura, não havendo o desenvolvimento da doença do enxerto contra o hospedeiro.

Vários estudos e ensaios têm sido realizados para descobrir uma terapia eficaz na recuperação dos doentes que sofrem um AVC. Neste sentido, Andreia Gomes esclarece que “o estudo dos efeitos das células estaminais no AVC surgiu há cerca de uma década e já foi demonstrado que quanto mais imediata for a aplicação das células estaminais após o AVC maior é o efeito na recuperação”.

Neste caso em particular, “é de realçar que as células mononucleares de sangue de cordão umbilical criopreservadas obtidas de dadores saudáveis apresentam uma qualidade mais estabilizada, garantindo assim o sucesso da terapia. Assim, a qualidade das células estaminais do sangue do cordão umbilical é requisito fundamental para uma terapia bem-sucedida com células estaminais”, afirma Andreia Gomes.

Geralmente descartados após o parto, os produtos biológicos provenientes do cordão umbilical podem ajudar também na regeneração e na recuperação de AVC, o que faz do cordão umbilical uma opção totalmente viável e única no tratamento. Neste sentido, a especialista defende que “a preservação deste material biológico é importante, uma vez que pode representar a recuperação de determinadas patologias. O AVC isquémico agudo é apenas um dos diversos exemplos em que o uso de células estaminais provenientes do sangue do cordão umbilical se tem mostrado promissor”.

O AVC é caraterizado pela interrupção do fluxo sanguíneo numa região causa a morte súbita das células cerebrais devido à falta de oxigénio. Quando o fluxo sanguíneo é interrompido por um bloqueio chama-se de AVC isquémico, ocorrendo em cerca de 87% dos casos. Por outro lado, o AVC hemorrágico ocorre quando há rompimento dos vasos sanguíneos e libertam o sangue para a área ao redor das células do cérebro.