“Tem de resultar desta pandemia a clara perceção de que o imprevisível vai, previsivelmente, acontecer mais vezes”, disse José Artur Paiva em entrevista à agência Lusa.
Lembrando o contexto em que vivemos, desde a globalização, à proximidade do reino animal ao reino humano, ou as mudanças climáticas e a evolução da resistência dos microrganismos, José Artur Paiva frisou que “é claro que o número de eventos imprevistos em termos de saúde pública vai ser cada vez mais frequente”.
“E, por causa disso, temos de estar sempre preparados”, completou o especialista que é crítico da forma como os cuidados de saúde primários estão articulados com os cuidados hospitalares e considera que o sistema de referenciação atual é “ancestral e ultrapassado”.
“É necessário mudar o paradigma. Deixar de viver num ambiente em que estamos em contingência ou não”, referiu.
O cocoordenador da Comissão de Acompanhamento da Resposta Nacional em Medicina Intensiva para a covid-19 defendeu que “aumentar a capacitação do médico de cuidados de saúde primários em áreas de especialidade criaria uma diminuição no recurso à transferência para o hospital” e que “os hospitais precisam de ter geografias mais mutáveis, ter áreas silenciosas que são postas a funcionar quando são precisas”.
Dois anos volvidos do aparecimento da covid-19 em Portugal, José Artur Paiva aproveitou para sublinhar que “cuidar dos profissionais de saúde tem de estar na ordem do dia”, o que não se resume só às condições financeiras, mas sim a projetos, investigação, inventivo profissional e condições de trabalho.
“Não podemos continuar a permitir a saída dos nossos melhores especialistas do Serviço Nacional de Saúde”, sublinhou, lembrando que é agora o tempo de pensar no peso que a covid-19, embora em desaceleração, vai deixar no sistema de saúde.
Entre outros exemplos, à Lusa o especialista contou que há estudos recentes que apontam que ter tido covid-19 com alguma expressão aumenta a probabilidade de ter eventos cardiovasculares no ano seguinte.
Já questionado sobre a resposta atual do país, o também presidente do Colégio de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos admitiu que a pandemia acelerou “uma capacitação significativa da Medicina Intensiva”, mas se o aumento de camas foi acompanhado de aumento de equipamento, já o aumento de recursos humanos “não foi tão significativo”, sobretudo no que se refere à disponibilidade de enfermeiros com formação diferenciada.
Segundo José Artur Paiva, atualmente Portugal tem 850 camas para doentes críticos, mais 230 do que em janeiro de 2020, mas cerca de 5% (cerca de 40 camas) não estão ativas.
“Temos ainda uma pequena quantidade, 5% das camas instaladas que não estão ativas por défice de recursos humanos. O grande impeditivo para que a totalidade das camas esteja ativa é a carência de enfermeiros”, explicou.
Com obras em curso no país, “em breve” o número de camas de cuidados intensivos subirá para as 900, o que fica próximo da média europeia que em janeiro de 2020 era de 9,2 por cada 100 mil habitantes.
“Creio que chegaremos ao fim desta fase de crise pandémica muito perto da média europeia. Mas sem covid-19, esta capacidade é precisa? Claramente sim”, frisou o especialista.
José Artur Paiva recordou que os serviços de Medicina Intensiva trabalham em Portugal historicamente, e mesmo antes da covid-19, com taxas de ocupação acima dos 90%, enquanto à escala internacional se define que as taxas de ocupação devem rondar os 80%.
“Este aumento de Medicina Intensiva é necessário, prepara-nos para a epidemiologia normal das doenças — estávamos impreparados em relação a outros países europeus — e dá-nos plasticidade de resposta. Permite responder a algo que vai ser cada vez mais frequente”, concluiu.
A covid-19 provocou pelo menos 5.952.685 mortos em todo o mundo desde o início da pandemia, segundo o mais recente balanço da agência France-Presse.
Em Portugal, desde março de 2020, morreram 21.111 pessoas e foram contabilizados 3.282.457 casos de infeção, segundo a última atualização da Direção-Geral da Saúde.
A doença respiratória é provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, detetado no final de 2019 em Wuhan, cidade do centro da China.
A variante Ómicron, que se dissemina e sofre mutações rapidamente, tornou-se dominante no mundo desde que foi detetada pela primeira vez, em novembro, na África do Sul.
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