Os sistemas de saúde desempenham um papel fundamental na promoção da coesão social numa sociedade. O conceito de coesão social refere-se à confiança e valores compartilhados entre os membros de uma comunidade ou sociedade. O Serviço Nacional de Saúde tem sido referido como sendo uma das mais importantes realizações da sociedade portuguesa em tempos de democracia. Assim, é natural ver o Serviço Nacional de Saúde como um dos fatores de coesão social em Portugal.

O acesso aos serviços de saúde, assegurado, por princípio, em Portugal pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), é um pilar fundamental desse contributo para a coesão social. Quando os cuidados de saúde são acessíveis a todos, em caso de necessidade, há a redução de desigualdades sociais injustificadas e promove-se a inclusão social.

Não surpreende por isso que, do ponto de vista político, haja um claro apoio ao SNS, no sentido em que os partidos políticos representados na Assembleia da República apoiam, com uma maioria muito expressiva de deputados, a escolha de ter proteção financeira contra as consequências da necessidade de cuidados de saúde, assegurada pelo Estado através de um SNS financiado por impostos. A retórica da discussão entre partidos políticos tem-se centrado mais no funcionamento do SNS enquanto prestador de cuidados de saúde do que como entidade de proteção financeira da população (aliás, papel estabelecido pela Constituição da República Portuguesa).

A confiança é um elemento central da coesão social e da democracia. As pessoas precisam de confiar que o sistema de saúde lhes fornecerá os cuidados e o apoio necessários quando deles houver necessidade, sem barreiras de natureza financeira ou outra. A existência de um Serviço Nacional de Saúde cria essa confiança de acesso a cuidados de saúde, independentemente da condição financeira de cada um no momento de necessidade. Contudo, essa confiança que à partida deverá existir como resultado do quadro normativo do sistema de saúde português, sofre erosão quando a realidade demonstra a existência de dificuldades no acesso a cuidados de saúde, referidos nos meios de comunicação social, mesmo que sejam uma minoria de situações no funcionamento do SNS e do sistema de saúde.

O acesso a cuidados de saúde quando necessário é determinado por dois elementos: cobertura financeira, que retira a responsabilidade financeira no momento de uso das preocupações do cidadão, e a capacidade do sistema de saúde de prestar os cuidados necessários. E mesmo com proteção financeira do SNS, se não houver confiança na prestação assegurada, poderá ocorrer procura de outros serviços no sistema de saúde.

Do ponto de vista social, uma forma de olhar para este acesso consiste em conhecer e perceber o que as pessoas fazem quando se sentem doentes, se procuram o sistema de saúde, e dentro deste se procuram o SNS ou outros prestadores (nomeadamente do sector privado de prestação). Há uma utilização regular e sistemática do SNS, que tem permanecido estável ao longo dos anos. O recurso ao sector privado de prestação de cuidados de saúde também tem permanecido estável globalmente, embora com reconfiguração – menor recurso a consultórios médicos, e mais a hospitais privados.[1] Não há sinais, por isso, de uma falta de confiança no SNS.

Menos positivo é o elevado nível de pagamentos diretos (ausência de proteção financeira) que existe no sistema de saúde português, e que deveria receber mais atenção. Sendo uma característica de décadas do sistema de saúde português, causa alguma surpresa que não cause tensão social e que não origine reflexão e intervenção pelo SNS (enquanto agente de cobertura financeira).

Além do acesso aos cuidados de saúde, há outros elementos que devem ser considerados quando se pensa no sector da saúde como elemento central da democracia e da coesão social. A educação em saúde, hoje popularizada com o termo de literacia em saúde, é uma componente chave deste contexto. Quando os cidadãos estão bem informados sobre sua saúde e podem tomar decisões informadas, consegue-se obter melhores resultados de saúde. De modo similar, os determinantes sociais da saúde, como rendimento, educação, emprego e habitação, influenciam significativamente os resultados de saúde e a coesão social.

Globalmente, seja pelo quadro conceptual do sistema de saúde português, seja pelo uso que é feito, é lícito argumentar que o SNS e o sistema de saúde português contribuem para a coesão social, e para a democracia, de uma forma importante. Existindo falhas, que existem, estas deverão ser resolvidas o melhor possível, e não substituir o atual modelo de proteção financeira, assente no SNS, por outro modelo, baseado em seguros de saúde de base comercial.

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Referências

[1] Pedro P Barros e Eduardo Costa, 2023, “Acesso a cuidados de saúde, 2022”. Disponível em https://www.novasbe.unl.pt/Portals/0/Files/Social%20Equity%20Initiative/Acesso%20a%20Cuidados%20de%20Saude%2C%202022.pdf.

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