Ontem, o mundo festejou setenta anos de sorte. Setenta. Dei por mim a invejá-lo, porque só presenciei trinta e dois desses setenta. E parte desses trinta e dois, não me lembro. Se as crianças são genuinamente felizes, então devíamo-nos lembrar das coisas muito mais cedo. Parte do nosso melhor é recordado por terceiros, como se detivessem um bom pedaço da nossa felicidade e lhes devêssemos isso. Crescemos com esse ensinamento e perpetuamo-lo. Como fiz com o Palma. O Palma esteve sempre nos meus melhores momentos. Eu sei-o. Ele não. Roubei-lhe o melhor, consumi-lhe o génio e ele nem o sabe. Nem saberá, porque a arte é assim mesmo. Detive-lhe parte da sua felicidade, chorei com as suas palavras sofridas, tremi o lábio com os acordes menores. Eu sei-o. Ele não. E, à primeira nota, reporto-me sempre aos mesmos sítios.
Tocar tanto a vida de cada um é proporcional à genialidade e faz jus à obra. Só os grandes o conseguem, como se transmitissem a sensação de tocar o céu a cada “play”. É redutor ouvir-lhe a música, mas é a única homenagem que lhe posso prestar. Estão vidas dentro de cada letra, dentro de cada música. E eu limito-me a consumir esses anos de vivências, de sorrisos, de frustrações. Letras que custaram a sair, acordes que foram difíceis de compor e se tornaram numa bonita mescla formada num turbilhão de sentimentos. E eu, por gáudio, devoro anos em minutos de música.
Jorge Palma sabe que não morrerá nunca. Celebrar-lhe a vida é o respeito que nos merece. É como se lhe agradecêssemos dar-nos a honra de estar cá, junto de nós. Gabar-lhe a arte é o egoísmo do ser humano em querer mais. Como se ousássemos esmifrar o artista para proveito próprio, colocando-nos em primeiro lugar, nesse sítio que não é nosso. Palma sabe-o e parece não se importar. Cria com o tempo estritamente necessário para ser brilhante e é difícil geri-lo assim. Palma só sabe fazer as coisas de uma forma. Goza com a finitude porque, de facto, é o que ela nos merece. Ele sabe-o. E eu aprendi a sabê-lo.
Tantas vezes, permite-nos viver. Por entre frases feitas, ouvidas tantas vezes que já nos parecem nossas, reporta-nos ao que, muitas vezes, já foi. E, naqueles curtos momentos, continua a ser.
Ontem, foi o primeiro dia dos setenta. Daqueles anos cobiçados pela vida, esse nome que tenta roubar espaço ao verbo. Um aniversário com manifestações de quem lhe quer bem. E são tantos. O aniversário serve para isso mesmo, para sentirmos que se importam. O do Palma serve, também, para nos lembrarmos de agradecer por nos permitirmos presenciá-lo.
Parabéns pelo prodígio. O aniversário, de quem se eterniza, não é mais do que um número que queremos contabilizar. Ele sabe-o. E eu, (ah, eu), nunca saberei.
Comentários