É uso dizer-se que mais informação não significa melhor informação ou cidadãos mais informados. Entre as dietas da moda, as modas das redes sociais e a muita desinformação, onde podem os mais novos fundar a sua literacia alimentar?
De uma forma geral, o cidadão deve informar-se junto de entidades oficiais e, particularmente, profissionais especializados. No âmbito da nutrição e alimentação, é essencial que as dúvidas sejam esclarecidas por um nutricionista devidamente registado na Ordem, facilmente identificado pelo número da sua cédula profissional. Mesmo nas redes sociais, é importante dar prioridade às recomendações transmitidas por entidades oficiais, como o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da Direção-Geral da Saúde.
Enquanto nutricionistas sentem que entram numa luta de David contra Golias quando procuram passar a mensagem de uma alimentação equilibrada numa sociedade pejada de mensagens a aliciar para comida ultraprocessada, rápida e nutricionalmente sem interesse?
Efetivamente, o ambiente obesogénico desempenha um papel central nas escolhas alimentares das pessoas. Combater este problema exige mais do que ações individuais ou de uma única área; sendo um problema multifatorial, a resposta também tem de o ser.
No caso dos nutricionistas, o trabalho não pode limitar-se ao âmbito clínico. É fundamental que estejam envolvidos em diversas áreas, como a comunitária, a restauração coletiva, entre outras. Muitas vezes, concentramos os esforços no tratamento da obesidade, mas obteríamos resultados mais significativos se investíssemos igualmente na sua prevenção. A prevenção primária tem um papel crucial no combate ao aumento de casos de obesidade e outras doenças crónicas não transmissíveis, já que uma alimentação equilibrada e um estilo de vida ativo podem resolver muitos desses problemas de saúde.
Além disso, a integração de nutricionistas em serviços comunitários e a criação de programas de educação alimentar desde a infância poderiam evitar muitas das repercussões observadas atualmente. Este tipo de abordagem preventiva e comunitária seria um passo essencial para enfrentar os desafios impostos por uma sociedade repleta de estímulos que promovem escolhas alimentares pouco saudáveis.
Entre os erros alimentares mais comuns entre jovens em contexto académico destacam-se o baixo consumo de hortícolas, fruta, leguminosas e peixe.
Em termos gerais, quais são os erros mais comuns que identificam na alimentação de jovens em contexto académico?
De forma geral, entre os erros alimentares mais comuns entre jovens em contexto académico destacam-se o baixo consumo de hortícolas, fruta, leguminosas e peixe, assim como o elevado consumo de alimentos ultraprocessados, como bolachas, snacks salgados e refeições pré-cozinhadas.
Diversos fatores podem contribuir para estes padrões, como o custo associado a uma alimentação saudável e a falta de competências culinárias. Além disso, o ambiente alimentar das instituições académicas também influencia significativamente as escolhas dos estudantes. Em muitos casos, nas instituições académicas a oferta alimentar disponível é desequilibrada e pouco saudável.
Por exemplo, nas máquinas de venda automática, as opções saudáveis são escassas ou inexistentes. Nos bares escolares, a oferta de bolachas, bolos e outros produtos menos saudáveis supera largamente as alternativas mais equilibradas. Mesmo quando os estudantes optam por escolhas aparentemente mais saudáveis, como pão, as opções de recheio disponíveis são frequentemente produtos ricos em gordura, como a manteiga. Mesmo no caso do fiambre e dos queijos, são geralmente oferecidas as versões com maior teor de gordura.
Uma alimentação com carências pode, efetivamente, ter consequências nefastas no rendimento escolar?
Sim, pode. Por exemplo, um dos erros mais comuns é a ingestão insuficiente de água. A hidratação é essencial para manter a homeostasia do organismo, influenciando diretamente o desempenho cognitivo e a capacidade de atenção. Por outro lado, mesmo uma desidratação leve pode comprometer funções como a concentração, a memória e outras capacidades cognitivas.
Além disso, a preferência por alimentos ultraprocessados tem sido associada, em diversos estudos, a impactos negativos no desempenho cognitivo. Em particular, o consumo excessivo de açúcar e as grandes flutuações nos níveis de glicemia parecem desempenhar um papel relevante nesses efeitos.
Adicionalmente, um pior estado de saúde, caracterizado pela obesidade e doenças crónicas, como patologias vasculares, derivado de hábitos alimentares inadequados tem obviamente impacto na função cognitiva. Todos estes fatores podem agravar as dificuldades de concentração, memória e desempenho escolar de forma significativa.
A preferência por alimentos ultraprocessados tem sido associada, em diversos estudos, a impactos negativos no desempenho cognitivo.
Não há fórmulas mágicas. O que vos peço é que, de uma forma geral, identifiquem os alimentos mais adequados para uma resposta a uma vida académica exigente.
É realmente difícil fazer recomendações tão gerais. No entanto, podemos destacar a importância de alguns alimentos essenciais, como água, hortícolas, frutas e leguminosas.
Ao estruturar uma refeição, é importante incluir sempre uma fonte de hidratos de carbono complexos ou integrais, pois o nosso cérebro necessita de energia para funcionar adequadamente. Também é fundamental adicionar uma fonte de proteína magra, destacando-se o pescado pelo seu valioso aporte de ómega-3.
Além disso, o consumo de frutas e hortícolas deve ser privilegiado em todas as refeições, uma vez que fornecem fibra, vitaminas, minerais e compostos bioativos, como antioxidantes, que são cruciais para o bom funcionamento do organismo. Por fim, as gorduras devem ser consumidas de forma moderada, com preferência por fontes de gorduras insaturadas, como frutos oleaginosos e azeite.
Sabemos que este público jovem não conta com grande disponibilidade económica. De que forma se pode equilibrar saúde, acessibilidade ao alimento e sabor?
A literacia alimentar e nutricional é fundamental neste contexto. A literacia engloba uma dimensão prática extremamente necessária, abrangendo conhecimentos sobre aquisição, preparação, confeção, armazenamento e aproveitamento de alimentos.
Há muito a explorar nesta área, mas podemos destacar dois exemplos práticos: investir nos chamados “pratos de panela” — como sopas e estufados. Estes pratos não só retêm valor nutricional e sabor, mas também permitem combinar diferentes alimentos, garantindo maior rendimento. Além disso, é importante recorrer a alimentos enlatados, como leguminosas (em especial) e pescado, que são opções acessíveis, nutritivas e versáteis.
Muito se tem falado dos menus escolares nos diferentes graus de ensino. Considera que as escolas estão a oferecer ementas interessantes do ponto de vista nutricional em contexto universitário?
Tem havido um investimento crescente na área da alimentação coletiva, o que é positivo. No entanto, ainda não podemos afirmar que todas as cantinas universitárias oferecem ementas adequadas do ponto de vista nutricional, nem que contam, de forma consistente, com a colaboração de nutricionistas — um fator crucial para garantir qualidade e equilíbrio nas refeições.
Além disso, é essencial investir na formação e educação dos profissionais das cantinas, para que adotem práticas mais saudáveis durante a confeção dos alimentos, assegurando refeições que sejam tanto nutritivas quanto saborosas.
De que forma iniciativas como o cheque-nutricionista podem contribuir para melhorar a relação dos jovens com a alimentação?
Os cheques-nutricionista podem ser uma excelente iniciativa para proporcionar aos jovens o primeiro contacto com um profissional de Nutrição, promovendo uma maior educação alimentar e, quando necessário, oferecendo acompanhamento personalizado. Esta iniciativa também permite que os jovens tenham acesso a cuidados nutricionais, o que é particularmente importante, dado o grande défice de nutricionistas no Serviço Nacional de Saúde.
Assim, os cheques-nutricionista podem contribuir para melhorar a relação dos jovens com a alimentação e garantir o acesso a cuidados de saúde diferenciados, de modo que lhes é financeiramente acessível. Na CESPU, temos disponível consultas de nutrição para dar resposta aos nossos alunos e a toda a comunidade. Esta quinta-feira, 12, vamos também realizar no nosso Instituto Universitário de Ciências da Saúde, em Paredes, um rastreio Rastreio Nutricional focado na avaliação antropomética e da força muscular, que pretende sensibilizar para a necessidade de hábitos de vida saudáveis.
Que avaliação faz dos primeiros meses do projeto?
O projeto ainda está nos seus primeiros meses e, como é natural, houve dificuldades iniciais em dar resposta a todos os pedidos. No entanto, a quantidade de solicitações recebidas até agora demonstra claramente a relevância e a necessidade da iniciativa.
Há outros modelos que poderiam ser implementados para incentivar hábitos saudáveis?
À semelhança do que começa a ser proposto para o ensino obrigatório – a figura do Nutricionista escolar –, seria extremamente relevante que as instituições de ensino superior instituíssem um serviço de Nutrição que prestasse serviços diferenciados nas diferentes áreas de atuação do Nutricionista, desde a clínica, até à modificação dos ambientes alimentares e à promoção da literacia alimentar e nutricional.
Numa perspetiva geral, no Ensino Superior promove-se a capacitação dos indivíduos de forma que possam contribuir ativamente para a sociedade. Assim, será primordial promover a sua saúde e a sua formação para que possam contribuir para a do outro.
Com efeito, várias universidades noutros países já incluem a promoção da saúde nas suas políticas e planos de ação, podendo esta iniciativas ser adaptadas e implementadas também em Portugal.
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