De forma sucinta, como se consubstancia este projeto-piloto de capacitação para a literacia alimentar, quem se candidata e que entidades estão envolvidas? 

Trata-se de um projeto de literacia alimentar destinado a capacitar famílias em situação de vulnerabilidade socioeconómica para a realização de escolhas alimentares conscientes, informadas e saudáveis, em função do orçamento familiar disponível. Esta iniciativa consiste na dinamização de quatro ações de capacitação que explorarão, de forma exaustiva, os quatro domínios da literacia alimentar, ou seja, o planeamento e gestão, a seleção, a preparação e o consumo.

Propomo-nos a desenvolver esta ação em cinco entidades do país, uma por cada NUT II de Portugal Continental, sendo que, para o efeito, foi aberto um período de candidaturas para que as entidades do país que operassem na ajuda alimentar a famílias em situação de vulnerabilidade socioeconómica. Recebemos dezenas de candidaturas e elegemos já as cinco entidades que serão o veículo para esta intervenção às famílias. Após a fase de candidaturas, foram selecionadas as seguintes a Cruz Vermelha da Trofa (Norte), a Cáritas de Tomar (Centro), o Centro Social Paroquial Nossa Senhora da Conceição da Costa de Caparica (Área Metropolitana de Lisboa), a ADBES (Alentejo) e a Cáritas Diocesana do Algarve.

Em termos temporais, o projeto terá 12 meses de execução, mas a intervenção junto das famílias terá uma duração aproximada de seis meses.

Partir para este projeto implicou a constatação de carências entre estas famílias no que toca à alimentação e, em particular, à alimentação saudável. Que dados sustentam esta necessidade de ação?  

Com valores de 12,3% de insegurança alimentar moderada ou grave em Portugal (2022), associados a uma ligeira subida da taxa de risco de pobreza (dados de 2024), estima-se um agravamento na dificuldade de acesso a uma alimentação digna e segura, nutricionalmente adequada e uma degradação da saúde física e mental das famílias afetas a este problema social.

Assim, a promoção da literacia alimentar constitui um determinante basilar para a garantia da segurança alimentar, constituindo uma oportunidade para otimizar a ajuda alimentar prestada por entidades que apoiam famílias em situação de vulnerabilidade socioeconómica, sob a forma de cabaz alimentar e/ou cartão monetário.

A desinformação constante que nos assola todos os dias em matéria de alimentação e nutrição em nada ajuda no processo de adesão a uma alimentação saudável.

As entidades envolvidas neste projeto vão proporcionar aos seus beneficiários sessões de capacitação para a alimentação saudável. Que conteúdos vão ministrar e como decorrerão estas sessões? 

As sessões de capacitação serão desenvolvidas por nutricionistas, que assentarão a sua intervenção em quatro pilares da literacia alimentar: planeamento e gestão alimentar; seleção de alimentos, preparação de alimentos e consumo alimentar. Estas sessões de capacitação irão ser divididas em quatro momentos, um por cada pilar da literacia alimentar.

“Ser saudável não é só conhecer os alimentos, mas saber o que fazer com eles”, nutricionista Mariana Chaves
“Ser saudável não é só conhecer os alimentos, mas saber o que fazer com eles”, nutricionista Mariana Chaves
Ver artigo

De destacar que uma das sessões será efetuada em contexto de loja Continente, para que os indivíduos sejam capacitados, em contexto real, para a seleção de alimentos com base na informação nutricional, aspeto ou outras indicações acessórias dos alimentos frescos ou embalados.

Outro momento será passado em contexto de cozinha para que se trabalhe as questões relacionadas com a preparação dos alimentos, redução de desperdício alimentar, confeções culinárias poupadoras de nutrientes, entre outras. As sessões serão espaçadas no tempo, prevendo-se promover o recurso a ferramentas que possam sedimentar a informação passada e expandir para a restante família.

É importante que as famílias tenham maior literacia alimentar para poderem tomar decisões mais adequadas em função das suas condições orçamentais.

Um orçamento limitado, muitas vezes no limiar da sobrevivência, é compaginável com uma alimentação diversa, saudável e equilibrada? 

Gerir um orçamento muito reduzido nunca é fácil e poderá, por vezes, não permitir fazer uma alimentação completa, mas é importante que as famílias tenham maior literacia alimentar para poderem tomar decisões mais adequadas em função das suas condições orçamentais. Contudo, será importante realçar que comer bem não tem de ser mais caro, por isso, a capacitação em literacia alimentar é algo fulcral para estas famílias.

A APN, parceira nesta iniciativa, sublinha o facto de esta ser uma ferramenta de mudança. Mudar também implica avaliar no tempo as consequências práticas dessa mudança. Haverá um acompanhamento posterior das famílias envolvidas neste projeto? 

A APN irá aplicar um conjunto de ferramentas que permitirão avaliar a eficácia destas intervenções, de forma a perceber qual o efeito da capacitação que faremos ao nível da literacia alimentar destas famílias. Recentemente validamos para a população adulta portuguesa uma ferramenta de avaliação de literacia alimentar, sendo uma das ferramentas a usar neste processo de avaliação. Os resultados permitir-nos-ão verificar os aspetos a melhorar no âmbito desta intervenção, para apurar futuras ações semelhantes.

A falta de literacia alimentar muitas vezes é agravada pela exposição a informações contraditórias ou incorretas sobre nutrição. É vosso objetivo capacitar os indivíduos que participam neste projeto de ferramentas críticas capazes de os levar a “separar o trigo do joio”? Quais? 

Sem dúvida. A desinformação constante que nos assola todos os dias em matéria de alimentação e nutrição em nada ajuda no processo de adesão a uma alimentação saudável e sustentável. A capacitação através da literacia alimentar também prevê trabalhar estes aspetos, pois pressupõe capacitar para se saber aceder ou obter informação relevante sobre o sistema alimentar; compreender essa mesma informação; ter a capacidade de a avaliar e posteriormente aplicar ou utilizar essa informação para uma alimentação mais saudável e sustentável. Contudo, à parte deste processo de capacitação em literacia alimentar, necessário a toda a população, também seria importante desenvolver um trabalho de incentivo à partilha de informações de mais qualidade, por profissionais competentes ou emanada por esses profissionais, combatendo-se a informação incorreta que, por vezes, prolifera.