Estamos em 2022, momento em que o tema sustentabilidade está mais que em discussão. De que forma a saúde íntima feminina pode ter um papel de responsabilidade neste setor?

Questões relacionadas com a proteção do ambiente e sustentabilidade estão cada vez mais presentes na nossa sociedade e nos nossos comportamentos, promovendo-se a vários níveis medidas para limitar o desperdício e o lixo. Os produtos de higiene menstrual descartáveis ainda são os mais utilizados. Se considerarmos, a nível global, o número de mulheres em idade fértil, os dias de menstruação e a quantidade de produtos utilizados, facilmente se depreende o impacto ambiental provocado. Assim, torna-se importante a divulgação e utilização de produtos menstruais recicláveis, reutilizáveis e amigos do ambiente, sem prejuízo da saúde, conforto e satisfação das mulheres.

Há cada vez mais alternativas aos usuais pensos e tampões? Que alternativas são essas?

Esta consciência ecológica despertou a procura de outras soluções de higiene menstrual alternativas aos pensos higiénicos e tampões, que sejam igualmente seguras, confortáveis e acessíveis. Falamos dos absorventes externos reutilizáveis, das cuecas menstruais, dos pensos reutilizáveis e dos coletores menstruais [vulgo copo ou disco menstrual].

Estes produtos são indicados para todas as mulheres?

Estes produtos podem ser utilizados virtualmente por todas as mulheres e em teoria desde as primeiras menstruações. No entanto, tanto os absorventes menstruais internos como os coletores menstruais implicam algum grau de conhecimento da anatomia feminina, que a mulher esteja familiarizada com o seu corpo e que a integridade do hímen, por questões pessoais, culturais e por vezes anatómicas, não seja um obstáculo, estando estes aspetos mais associadas à utilização dos coletores menstruais. Os produtos de higiene menstrual internos não deverão ser utilizados nos primeiros meses após o parto, em situações de infeção ou lesões vaginais e perante prolapso urogenital de grau moderado a grave.

Em relação ao copo menstrual, há o mito de que qualquer tipo de formato pode servir qualquer mulher e isso faz com que as experiências com este tipo de produto não sejam as melhores. O que deve a mulher ter em consideração na escolha de um?

Na escolha do copo menstrual é importante ter em conta algumas características anatómicas da mulher que são inferidas a partir da idade, ocorrência e número de partos vaginais, prática de exercício físico de alto impacto e existência de algum grau de prolapso urogenital ou descida do colo uterino. E para alguns modelos de copo menstrual o volume do fluxo menstrual é também um fator a considerar.

Qual a importância de a mulher conhecer a altura do seu colo do útero?

O plano em que o colo do útero se encontra a nível do canal vaginal poderá ajudar na escolha do coletor menstrual adequado. A presença de prolapso urogenital irá condicionar o correto posicionamento do coletor e consequentemente a sua utilização.

Sabe-se que muitas mulheres não se adaptam muito facilmente a este método. Quais os principais erros ou desafios?

Para uma correta utilização do copo menstrual é importante seguir as recomendações do produto. A mulher deverá estar familiarizada com o seu corpo, com a sua anatomia, desfazer-se de medos e tabus. A curva de aprendizagem poderá ser um pouco maior, sendo necessário treinar a sua inserção e remoção até encontar a forma mais cómoda e eficaz de o fazer.

Quais as principais diferenças entre copo e disco menstrual?

Não possuo informação suficiente sobre o disco menstrual, nem conhecimento de estudos sobre a sua utilização e ou comparação com o copo menstrual. Está descrito como sendo um coletor de maior diâmetro e menor profundidade e, à semelhança do diafragma contracetivo, coloca-se profundamente na vagina ao nível do fundo-de-saco vaginal, cobrindo todo o colo uterino.

O que ter em conta na escolha de um disco menstrual?

Não tendo informação detalhada sobre o produto, assumo, de acordo com a descrição feita anteriormente, que as características do colo uterino serão importantes para a sua escolha bem como os restantes aspetos descritos para o copo menstrual.

O disco menstrual é algo que pode ser usado por todas as mulheres? Ou existem casos em que o disco não é a melhor opção?

Parece-me que aqui, mais do que com o copo menstrual, a experiênca e o autoconhecimento em termos físicos/anatómicos seja determinante na sua utilização.

Naiegal Pereira
Médica ginecologista/obstetra Naiegal Pereira

As cuecas menstruais podem ser uma alternativa aos pensos higiénicos? Que cuidados devemos ter com este produto?

Sim, as cuecas menstruais podem ser uma alternativa aos pensos higiénicos, pelo volume de sangue absorvido e aos pensos descartáveis em particular, também pela questão ecológica. Na sua utilização será importante ter atenção à lavagem adequada e cuidados na sua manutenção e eventualmente, à semelhança do que acontece com outros absorventes externos, à sua capacidade de absorção, risco de fuga, permeabilidade, humidadade e ocorrência de dermatites de contacto.

O sexo durante o período menstrual é ainda um tabu. De que forma podem as mulheres viver este tema com mais leveza?

Tudo o que diz respeito à vida íntima deverá ser uma decisão pessoal e/ou do casal, consentida e em que os intervenientes se sintam confortáveis, sem constrangimentos. A menstruação poderá ser, para algumas mulheres, mais um momento para ter relações sexuais como tantos outros. Poderá ser recomendado um reforço de medidas preventivas das IST neste período específico.

Penso diário, sim ou não?

Penso diário com utilização pontual e apenas se necessário, como complemento a outros produtos de higiene menstrual ou perante corrimento vaginal excessivo. Desaconselha-se a sua utilização por rotina. A vulva, como toda a nossa pele, precisa de arejar. Ao adicionarmos os pensos higiénicos diários à sobreposição de peças de roupa, ainda mais se forem justas, estamos a criar um ambiente de calor e humidade que favorece a proliferação de microoganismos, potenciando o aparecimento de infeções. O contacto direto, constante e prolongado de materiais sintéticos sobre a nossa pele pode desencadear processos inflamatórios/reações alérgicas, provocando lesões a esse nível de gravidade variável, dependentes do grau e intensidade da exposição e da suscetibilidade individual.

E dormir com cuecas, sim ou não?

Dormir preferencialmente sem cuecas ou usar cuecas largas, de algodão ou outras fibras naturais suaves.

Outro tema que levanta muitas questões são os sabonetes de higiene íntima. São ou não recomendados? E em que casos?

O sabonete/gel de higiene íntima poderá ser recomendado em oposição à utilização de produtos de higiene convencionais se for hipoalergéneo, sem sabão, adequado ao pH vulvo-vaginal e em situações em que seja necessário reforçar a higiene, como durante a menstruação ou perante uma irritação/infeção vulvo-vaginal.

E a depilação das zonas íntimas? Fazer: sim ou não?

Os pêlos púbicos são caracteres sexuais secundários que surgem na puberdade, com o início da maturação sexual. Têm como função, em parte, a proteção contra infeções ou lesões por atrito e contribuem para o equilíbrio da flora local. Reconhecendo estes benefícios, a sua remoção integral, não sendo contra-indicada, poderá tornar algumas mulheres mais suscetíveis a perturbações a este nível.

A saúde íntima não deve ser apenas um tema para as mulheres, mas também para os homens. O que devem fazer?

Entendendo saúde íntima de forma mais abrangente, a nível não só individual como envolvendo o casal, então os homens também terão o seu papel na adoção de medidas higiénicas, prevenção de infeções e práticas sexuais seguras.