
O Ozempic foi, como hoje é largamente sabido, desenvolvido para tratar a diabetes tipo 2. Em que momento este fármaco passou a ser visto como uma “solução milagrosa” para a perda de peso?
A “moda” do uso do Ozempic surgiu em 2020-2021, quando foram divulgados os primeiros efeitos secundários relacionados com a perda de peso em pessoas tratadas para diabetes tipo 2. Embora inicialmente tenha sido aprovado apenas para o controlo da glicemia, o seu impacto significativo na perda de peso chamou à atenção e, em resposta, a farmacêutica desenvolveu o mesmo medicamento, mas como o nome de Wegovy, para a perda de peso.
Há, de facto, “soluções milagrosas” para a perda de peso? É uso dizer-se no que respeita a perdas de peso repentinas que “um almoço nunca é de graça” …
Não existem soluções milagrosas para a perda de peso, mas o Ozempic tem, de facto, uma eficácia muito significativa na perda de peso e representa uma mudança de paradigma no tratamento do síndrome metabólico, de forma mais consistente, mais prática e menos invasiva do que as opções anteriores, como a cirurgia bariátrica. Contudo, se nada mais for feito além da toma deste medicamento, a perda de peso não é saudável, e podem surgir efeitos menos positivos desta perda repentina, como o aspeto envelhecido da pele, sobretudo do rosto. Para que a perda seja feita de forma saudável é fundamental que sejam adotadas outras medidas, como a introdução de hábitos alimentares saudáveis e a prática de exercício físico. Estas duas são aquelas que devem ser mantidas sempre, porque são aquelas que vão permitir manter os resultados de forma saudável, mesmo depois de se terminar o uso do Ozempic.

Perder peso rapidamente é uma ideia que seduz. Na realidade, o que acontece ao corpo num processo de emagrecimento acelerado?
Num processo de emagrecimento acelerado, a perda de peso não é saudável, pelo que a reversão da situação é praticamente inevitável. Se não houver uma abordagem multidisciplinar, com alimentação adequada e exercício físico regular, vamos assistir a uma perda de massa gorda e de músculo de forma repentina, podendo originar uma flacidez generalizada, que pode ser mais visível consoante a percentagem de peso perdida, hábitos de exercício, idade, genética, entre outros. Apesar de raros, e mais frequentes em pacientes sem seguimento médico, podem ocorrer também, alterações das unhas e cabelo.
Assiste-se á um aumento alarmante no uso do Ozempic por parte de pessoas saudáveis, sem indicação médica. Que riscos representa esta automedicação para o corpo e para a saúde em geral?
Os efeitos secundários são semelhantes seja em pacientes com ou sem diabetes, e os mais comuns são as náuseas, vómitos e outras alterações gastrointestinais, maioritariamente a obstipação. Devido à provável perda de apetite podem surgir hipoglicemias (raras), perda de massa muscular e défices de outros nutrientes.
Pode haver ainda alterações hormonais, devido à perda de gordura corporal, especialmente nas mulheres. Existem ainda outros efeitos mais complexos, e também mais raros, como a pancreatite (inflamação do pâncreas), colecistite (inflamação da vesicula biliar) ou aumento da formação de cálculos biliares.
A chamada “Ozempic Face” tornou-se o exemplo mais mediático dos efeitos estéticos associados à perda de peso repentina induzida.
Amiúde surgem notícias sobre os rostos "desfigurados" de algumas celebridades nas passadeiras vermelhas. Que alterações físicas são estas e de que forma se relacionam com a toma do Ozempic?
A chamada “Ozempic Face” tornou-se o exemplo mais mediático dos efeitos estéticos associados à perda de peso repentina induzida pelo Ozempic, mas não é um efeito exclusivo deste medicamento. Acontece sempre que as perdas de peso são súbitas e significativas. Caracteriza-se por um aspeto demasiado magroe/ou envelhecido do rosto, e uma maior flacidez da pele. Estes efeitos acontecem, uma vez que o rosto é uma das zonas onde a diminuição de gordura subcutânea se torna mais rapidamente visível.
Mesmo com a recuperação posterior do peso, nem todos os danos são reversíveis, pelo que é tão importante considerar todos os pontos negativos antes de se iniciar qualquer medicação. Felizmente, hoje em dia, já existem técnicas minimamente invasivas que ajudam a reverter os efeitos negativos do uso de Ozempic no rosto.
Porque é tão importante manter a massa muscular durante a perda de peso? E de que forma isso ajuda a evitar que o peso perdido volte mais tarde?
Manter a massa muscular durante o processo de perda de peso é fundamental para se evitar a recuperação do peso perdido. Isto porque a massa muscular acelera o metabolismo, o que faz com que se queime mais energia, mesmo em repouso.
O paciente precisa de entender que esta não é uma solução milagrosa, é apenas um facilitador.
O uso responsável do Ozempic pode ter lugar num plano de emagrecimento? Se sim, qual seria o modelo ideal de acompanhamento médico multidisciplinar?
Pode, desde que tenha acompanhamento médico e integrado numa abordagem multidisciplinar, nunca de forma isolada, onde a mudança de hábitos alimentares e a prática de exercício físico são fundamentais.
Depois, é crucial que os pacientes tenham noção que se trata de um medicamento e como tal tem riscos e benefícios. É fundamental avaliar cuidadosamente se os benefícios superam efetivamente os riscos, de modo a tomar uma decisão consciente e segura.
O paciente precisa de entender que esta não é uma solução milagrosa, é apenas um facilitador. A aquisição e consolidação de hábitos saudáveis são fundamentais para o sucesso do tratamento e manutenção de resultados após a sua suspensão.
Na sua opinião, que mudanças legislativas ou regulamentares seriam importantes para evitar o uso indiscriminado deste tipo de medicação?
Em Portugal, os médicos podem prescrever medicamentos para uso off-label (fora da indicação aprovada), desde que o façam de forma ética, fundamentada, e no melhor interesse do paciente. No caso de medicamentos como o Ozempic, que é aprovado para o tratamento da diabetes tipo 2, a sua prescrição para perda de peso em pessoas sem diabetes não é ilegal, mas deve cumprir certas condições. O uso off-label é particularmente relevante quando não há alternativas terapêuticas adequadas ou quando os benefícios para o paciente superam os riscos. O médico é responsável por justificar a prescrição.
Embora a prescrição seja legal, a comparticipação pelo SNS não está disponível para indicações off- label. Assim, os custos do Ozempic para perda de peso devem ser suportados integralmente pelo paciente. Acredito que uma maior supervisão deste último ponto, iria ajudar a controlar a venda indiscriminada deste medicamento. É muito importante reforçar que adquirir o medicamento sem prescrição ou em mercados paralelos constitui não só um risco legal, mas também um perigo para a saúde, por falta de supervisão e de garantia de qualidade do produto.
Como podemos educar a população para distinguir entre emagrecimento sustentável e soluções rápidas, especialmente quando há tanta pressão estética nas redes sociais?
Através da partilha contínua de informação credível e relevante, através da partilha de exemplos, para que as pessoas percebam que todas as ações têm consequências. Nos dias de hoje existe a urgência do imediato, queremos que tudo aconteça de forma rápida e eficaz, sem pensarmos nas consequências a longo prazo, por isso é que as soluções rápidas têm tanto sucesso. Depois, por ser uma solução rápida, a eficácia momentânea desaparece, volta tudo ao que estava, ou pior ainda, porque as bases não foram cumpridas. É esta mensagem que é fundamental transmitir, que os resultados eficazes e a longo prazo só são possíveis com mudanças diárias, efetivas e contínuas.
Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik
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