“Tinha de ser. Não podemos responder de outra maneira. Estava à espera e sabia que a minha vez haveria de chegar. Não tenho receio nenhum”, descreveu Maria Florentina, de 93 anos, que cerca das 10:00, acompanhada do filho, chegou às instalações do ACES Porto Oriental, na rua do Vale Formoso

Florentina foi uma das 30 utentes convocadas pelo ACES para a primeira sessão de vacinação contra a covid-19 na fase dedicada às pessoas com 80 e mais anos ou com mais de 50 anos, mas com comorbilidades associadas e doenças crónicas.

Depois de um primeiro dia de teste, está previsto o ACES passar a 120 inoculações por dia.

A idosa de 93 anos não hesitou na decisão de tomar a vacina. Tem passado os dias “enfiada” em casa ao cuidado de filhos que “fazem tudo quanto podem”, algo semelhante ao que se passa com Mafalda e Renato Fernandes, de 84 e 90 anos, que partilham um casamento de décadas, quatro filhos e três netos, a casa, o telemóvel e, hoje, a vacinação contra a covid-19 de mão dada.

“Correu muito bem, fomos muito bem recebidos e não doeu nada”, contaram à Lusa, praticamente em uníssono, quando se preparavam para sair da sala de recobro onde aguardaram 30 minutos depois de lhes ter sido administrada a vacina contra “esse vírus” que chegou a impedi-los de estar com parte da família, pois uma das filhas, o neto e o genro, estiveram infetados.

“Só a nossa filha teve sintomas, mas é sempre um susto. Estamos sempre por casa. Já estava habituada, aliás, porque o Renato tem pouca mobilidade. Saímos para consultas e pouco mais. Hoje foi por causa da vacina. Estamos muito satisfeitos, porque nunca pensamos ser vacinados tão cedo”, descreveu Mafalda.

Ambos foram convocados por mensagem (SMS), mas como partilham o mesmo equipamento, até os filhos ficaram com dúvida.

“Seria o meu pai, por ser mais velho, ou a minha mãe primeiro? Perguntamos ao centro de saúde e a resposta, via ‘email’, veio no mesmo dia às nove da noite. Foram impecáveis e incansáveis”, descreveu o filho, Tiago Fernandes, que acompanhou os pais neste “dia especial” que Renato diz querer inscrever nos “110 anos de vida”.

Foi essa a meta que traçou, desde que se soube que tinha sido descoberta uma vacina contra o novo coronavírus.

A convocatória dos utentes feita via SMS está estabelecida no modelo nacional, mas dado o perfil e idade dos utentes, este ACES do Porto está a reforçar a menagem com contacto personalizado via telefone.

Foi o que aconteceu com António Santos, de 80 anos, que recebeu um telefonema do médico de família ainda antes de receber a informação no telemóvel.

Confessando à Lusa que está “cético” em relação à vacina e que, se pudesse, a dava à esposa que tem 78 anos e não cumpre os critérios para esta fase de vacinação, António estava, antes de entrar para ser vacinado, “ansioso”.

“Mas é uma ansiedade positiva”, corrige-o a filha Ana Santos, voltando a “fazer ver” ao pai que “a vacina pode ser ou não eficaz, mas não mata, e os ventiladores, esses, podem não chegar para todos”.

Ana lembra ainda que “o Francisco [neto que vive há seis anos no Dubai] já tomou as duas doses e está bem, está feliz, com saúde”, recebendo do pai a garantia de que vai colaborar para a “calamidade” que lhe roubou os passeios no parque ou as visitas a amigos da rua das Flores, onde trabalhou até aos 78 anos.

De acordo a diretora executiva do ACES Grande Porto VI – Porto Oriental, Dulce Pinto, das 30 pessoas contactadas para este primeiro dia experimental, cerca de 2% recusaram “liminarmente”, somando-se “um conjunto de pessoas que pede mais tempo para refletir”.

“O processo prevê que essas pessoas passem para uma segunda convocatória”, referiu a diretora de um ACES, que prevê efetuar 27.000 inoculações (duas doses de vacina), num total de 13.500 pessoas abrangidas pela segunda fase.

Já quanto à taxa de resposta ao SMS enviado, o presidente do conselho clínico, Miguel Azevedo, apontou para cerca de 50%, revelando que “o texto da mensagem está a ser revisto e o método permanentemente ajustado”.

Estas são dúvidas e sentimentos que Diana Fonseca, enfermeira há 16 anos, conhece bem.

Após administrar uma meia dúzia de doses, descreve um ambiente de “entusiasmo”, mas também preocupações, “sobretudo dos familiares acompanhantes”, com efeitos secundários como febre, dores musculares, cansaço ou dor de cabeça.

“Aconselho sempre a tomar, porque temos de pensar no bem coletivo”, conta Diana, uma das seis enfermeiras dedicadas em permanência a este processo.

A equipa conta ainda com um médico em permanência, número que pode passar a dois se houver necessidade de abrir a segunda sala de recobro.

A operação de vacinação do ACES Porto Oriental repetir-se-á todos os dias, das 08:00 às 20:00, incluído fins de semana e feriados.

O edifício alberga duas Unidades de Saúde Local, Lindo Vale e Arca D’Água, bem como a Unidade de Saúde Pública e Unidade de Cuidados na Comunidade de Paranhos.

Existem circuitos diferenciados para cada tipologia de utentes e de agendamentos.

A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 2.269.346 mortos resultantes de mais de 104,3 milhões de casos de infeção em todo o mundo, enquanto em Portugal morreram 13.257 pessoas dos 740.944 casos de infeção confirmados.